Para o sociólogo e investigador guineense, a falta, na Guiné-Bissau, de um programa oficial das comemorações do centenário de Amílcar Cabral, que se assinalam este ano, não resulta de esquecimento daquele que é “um referencial”, mas de “uma luta” dos protagonistas do poder.
O investigador começa por analisar o processo de construção do Estado pós colonial, no qual Cabral não participou por ter sido assassinado, em 1973, antes da independência.
Neste período, considerou, “há uma ideia de que os protagonistas queriam construir lideranças que superassem Cabral”.
“Por outro lado, enquanto Cabral era a figura, o fenómeno mais consensual, mais popular e de referência, houve uma tentativa também de anular essa visibilidade para que não tivesse o impacto do ponto de vista da capacidade do acesso ao poder”, acrescentou.
Para o sociólogo, as duas tentativas “são dinâmicas concorrenciais, mas que se anulam no processo dessa ocultação” do guerrilheiro e fundador do Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC).
Isto porque, considerou, mesmo tendo sido retirado oficialmente dos currículos escolares, tanto na Guiné-Bissau, como em Cabo Verde, “Cabral está a aparecer nas teses e monografias dos estudantes guineenses, dos estudantes cabo-verdianos e de outras nacionalidades, e isso faz com que o seu pensamento se atualize”.
Dos “elementos mais inovadores” que mostram “a vitalidade do pensamento e da figura de Cabral na atualidade” são os novos “mensageiros” da palavra do líder histórico nas diferentes áreas artísticas, do teatro à música ou arte urbana.
“Isso é, para mim, dos elementos mais inovadores que mostram a vitalidade do pensamento e da figura de Cabral na atualidade”, enfatizou.
Miguel de Barros disse acreditar que “daqui a 10, 20 anos esses atores terão, não só outros papéis, mas terão outras capacidades para fazer ainda mais e dessa forma também assumir aquele compromisso de que é preciso agir para transformar e transformar para agir, como dizia Amílcar Cabral”.
Apesar das tentativas de ocultação, o investigador defendeu que o histórico líder continua presente na Guiné-Bissau, desde logo porque “o partido Estado (PAIGC), apôs a independência, construiu uma boa narrativa e sintetizou aquilo que era o seu legado para os processos educativos e da formação militante”.
Com a liberalização política, ou seja a chegada de novos partidos (multipartidarismo), “o Estado deixou de ter o monopólio do sistema educativo e despartidarizou aquilo que era a proposta de ensino formal”.
Em contraponto, como disse, em finais dos anos de 1980, o Instituo Nacional de Estudos e Pesquisa (INEP) da Guiné-Bissau já tinha surgido e fez vários colóquios e pesquisas, “onde o legado e contributo de Amílcar Cabral não só ficou patente e registado”, como também “é algo cada vez mais vivo”.
“Encontramos mais gente hoje com t-shirts de Cabral, encontramos mais expressividades com textos de Cabral, mas também encontramos novos movimentos sociais com ações visando aquilo que era a máxima de Cabral em termos de libertação, de independência, de soberania”, afirmou.
O sociólogo salientou que “nos últimos dez anos, Cabral é das personagens que mais tem sido estudada a nível mundial e também as conferências, os seminários, os festivais têm permitido alguma exaltação da sua obra e figura”.
Mesmo sem comemorações oficiais na Guiné-Bissau, Miguel de Barros assegura que o centenário está a ser celebrado, nomeadamente com um simpósio internacional, promovido pela academia na véspera da data de nascimento (12 de setembro) em Bissau e em Cabo Verde.
Referiu ainda têm decorrido mais ações de outras organizações e defendeu que “quanto maiores forem as iniciativas populares, maiores serão as possibilidades de apropriação e atualização do pensamento” de Cabral.
Lusa
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