Lula diz que ONU deve bancar missão policial no Haiti ou transformá-la em em missão de paz

BRASÍLIA – O presidente Luiz Inácio Lula da Silva defendeu nesta sexta-feira, 13, que as Nações Unidas transformem a missão policial estrangeira no Haiti em uma missão de paz ou assumam os custos financeiros da operação. O assunto foi discutido na Cúpula Brasil-Caribe, realizada em Brasília.

Lula recebeu no Palácio Itamaraty chefes de Estado e de governo de sete países do Caribe – entre eles o presidente do conselho de transição do Haiti, Fritz Jean. Outros nove países enviaram ministros, vice-presidentes e autoridades diplomáticas ou parlamentares.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva pediu mudanças nas operações de segurança no Haiti. Foto: WILTON JUNIOR/ESTADÃO

Criada em outubro de 2023 com autorização do Conselho de Segurança da ONU, a Missão Multinacional de Apoio à Segurança (MMAS) enfrenta dificuldades financeiras e de pessoal para realizar o combate às gangues violentas que controlam partes inteiras da ilha, aterrorizam civis e promovem confrontos constantes inclusive na capital Porto Príncipe.

A missão deveria contribuir para estabilizar a segurança pública e permitir a realização de eleições no fim deste ano.

“O Haiti não pode ser punido eternamente por ter sido o primeiro país das Américas a se tornar independente. Se ontem a punição veio sob a forma de indenizações injustas e ingerência externa, hoje se reflete em postura de abandono e indiferença”, afirmou Lula.

“É preciso que a comunidade internacional se engaje em prol de um plano nacional de desenvolvimento do país. O Brasil apoia que a ONU assuma parte do financiamento da missão multinacional de segurança ou a converta em uma operação de paz.”

Embora autorizada pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas, a missão policial não tem envolvimento direto da ONU. Ela é liderada por policiais do Quênia, com apoio de contingentes menores de outros países, entre eles Jamaica, Belize, Guatemala, El Salvador e Bahamas. Eles atuam em suporte à Polícia Nacional Haitiana.

Missão não reuniu policiais previstos

Pensada para ter um contingente de 2,5 mil policiais estrangeiros a mais em solo haitiano, a missão somente seria iniciada em junho de 2024 e apenas neste ano conseguiu atingir a marca de mil homens no terreno, a ampla maioria enviada da polícia queniana.

O financiamento de parte da missão chegou a ser congelado pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, no início deste ano. Depois, o Departamento de Estado anunciou o desbloqueio de parte dos fundos de assistência destinados à missão policial.

Ainda durante o governo Joe Biden, os EUA fomentaram a formação da missão e se comprometeram com US$ 300 milhões para instalar uma base, enviar viaturas, munição e equipamentos.

Outros países doaram US$ 110 milhões, quantia ainda distante dos cerca de US$ 600 milhões estimados para custear a operação por um ano.

Os doadores ao fundo foram Canadá, França, Alemanha, Itália, República da Coreia, Singapura, Espanha, Turquia e Estados Unidos.

Recentemente, o secretário de Estado dos EUA, Marco Rubio, defendeu que a OEA (Organização dos Estados Americanos) assuma mais protagonismo e lidere uma força militar no país.

Ele reconheceu que a capacidade de ação da missão policial autorizada pelo Conselho de Segurança é insuficiente para responder à crise de segurança no Haiti.

Brasil é cobrado a ajudar

O Brasil também tem sido cobrado. Quando da criação da modalidade de assistência policial, o governo Lula recusou apelos para que a liderasse ou mesmo participasse da missão diretamente, com envio de forças policiais, e se dispôs apenas a oferecer treinamento em segurança e cooperação técnica em outras áreas, como ensino profissionalizante.

Depois de mais de um ano da criação da missão, no entanto, essa oferta de treinamento ainda não se concretizou, seja por falta de coordenação com as autoridades locais, cujo governo não foi eleito, seja por riscos de segurança.

A sugestão brasileira é, em vez de enviar pessoal ao país caribenho, trazer grupos de até 40 membros da polícia nacional haitiana por vez para treinamento na Academia Nacional de Polícia Federal, em Brasília.

Esse formato enfrenta dificuldades, porque implica a saída temporária de agentes da ilha, no momento em que o Haiti ainda clama por receber mais policiais estrangeiros.

Segundo Lula, o treinamento deve envolver até 400 policiais haitianos e começar “nos próximos meses”, embora o escopo da missão esteja previsto para durar apenas até outubro deste ano, conforme a última prorrogação do Conselho de Segurança.

“Estabilizar a situação de segurança é fundamental para que se possa dar o próximo passo do processo político e realizar eleições presidenciais. Estamos à disposição para cooperar na organização do pleito”, afirmou o presidente.

ONU quer participar só como apoio

O secretário-geral da ONU, António Guterres, se opõe. Ele havia sugerido em fevereiro, numa carta endereçada ao Conselho de Segurança, que as Nações Unidas assumissem novos papéis junto à missão policial, mas ainda em formato de apoio.

A sugestão de Guterres foi a criação de um escritório de apoio logístico e material à missão policial, custeado com recursos da ONU destinados à manutenção da paz. Ele reconheceu que muito mais recursos financeiros serão necessários.

Seria uma alternativa, por enquanto, transformá-la de vez agora em missão de paz. China e Rússia resistem ao envio de tropas de capacetes azuis ao Haiti.

“Os apelos por manutenção da paz não passaram despercebidos. O secretariado analisou cuidadosamente essa opção e estamos prontos para fazê-lo novamente após a missão atingir uma fase de estabilização na implementação de seu mandato”, afirmou o secretário-geral.

“Nesta fase, a transição para uma operação de manutenção da paz das Nações Unidas não é avaliada como uma opção viável. Tal transição poderia ser considerada assim que um progresso significativo tivesse sido alcançado na redução substancial do controle territorial das gangues.”

A carta-relatório de Guterres afirma que a Polícia Nacional do Haiti ainda “não tem capacidade para manter o controle após as operações, permitindo que gangues recuperem territórios”.

Gangues aterrorizam país

Quase 30 anos após sua fundação, a Polícia Nacional “sofre com a falta de pessoal e equipamentos inadequados, além de ser assolada por má gestão de recursos, corrupção e interferência política”.

“As gangues são compostas principalmente por meninos e jovens entre 10 e 30 anos de idade, recrutados nas áreas mais pobres. Mulheres e meninas são coagidas a se relacionar com membros de gangues, e crianças servem como vigias, mensageiros, escudos humanos ou combatentes. Estimativas sugerem que as crianças representam entre um terço e metade de todos os membros de gangues. Abandonar gangues é raro, com desertores enfrentando punições severas e suas famílias sendo alvos de retaliação. Nenhum governo ou parceiro internacional apoia atualmente crianças, jovens e mulheres que buscam sair. A violência relacionada a gangues matou pelo menos 5.601 pessoas em 2024, um crescimento de mais de mil vítimas em relação a 2023. Em dezembro, uma gangue teria executado pelo menos 207 pessoas ao longo de vários dias, queimando ou desmembrando corpos para destruir evidências”, relatou Guterres.

A ONG Human Rights Watch também defendeu que a ONU assuma a missão policial. Em outubro de 2024, o então presidente do conselho de transição haitiano, Leslie Voltaire, pediu que a ONU transformasse a missão de apoio à segurança em uma missão de manutenção da paz o quanto antes.

Segundo um embaixador que acompanha a discussão de perto, a missão policial não decolou por falta de recursos, principalmente, e a conversão em missão de paz garantiria fundos dedicados a essa finalidade no orçamento de contribuição obrigatória da ONU.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva participa com outros líderes da Cúpula Brasil-Caribe, em Brasília. Foto: WILTON JUNIOR/ESTADÃO

BID doa dinheiro, mas não é para segurança

Durante a Cúpula, o presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), Ilan Goldfajn, anunciou a doação de R$ 1,6 bilhão (US$ 283 milhões) para projetos no país, como alimentação escolar, recuperação de hospitais, infraestrutura básica como portos e aeroportos, e ocupação de jovens.

Ele afirmou, porém, que os recursos não serão destinados a iniciativas de segurança. Ilan disse que o montante deverá ser distribuído por meio de ONGs locais e órgãos ministeriais ainda em funcionamento.

O presidente do BID reconheceu que as condições de segurança precisam melhorar para que a ajuda seja eficaz, mas disse que “não estamos esperando as condições perfeitas, porque temos de estar presentes no país mais vulnerável que temos na América Latina e no Caribe”.

A pedido das autoridades haitianas e internacionais, o BID vai coordenar o Plano de Recuperação 2025-2030 do Haiti, em colaboração com a ONU, a União Europeia e o Banco Mundial. O banco também pretende financiar projetos privados no país.

A discussão sobre o Haiti ocorreu durante a reedição da Cúpula Brasil-Caribe. A última em formato similar havia ocorrido em 2010.

Outros temas discutidos na cúpula

O assunto foi uma das prioridades estabelecidas. Além do Haiti, também foram discutidos temas como mudança climática, combate à fome e integração de infraestrutura e conexões aéreas – dois acordos foram assinados com Suriname e Bahamas.

O Brasil busca ter uma política de céus abertos com todos os países da região, para estimular a operação de voos comerciais.

O comparecimento de líderes dos países ficou abaixo do pretendido pelo governo brasileiro.

Entre os listados como chefes de Estado e de governo, atenderam ao convite de Lula os presidentes da Guiana (Irfaan Ali), do Conselho Presidencial de Transição do Haiti (Fritz Jean) e da República Dominicana (Luis Abinader); os primeiros-ministros de Antígua e Barbuda (Gaston Browne), de Barbados (Mia Mottley), de Santa Lúcia (Philip J. Pierre) e de São Cristóvão e Neves (Terrance Drew), além do vice-presidente de Cuba (Salvador Valdés Mesa) e do presidente do Senado da Jamaica (Thomas Tavares-Finson).

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