Longe de ser unanimidade no Uruguai, Mujica se firmou como um líder querido no exterior

No livro “José Mujica. A revolução tranquila”, o escritor uruguaio Mauricio Rabuffetti analisa a projeção internacional do ex-presidente uruguaio que, em suas palavras, “fez mais pela fama internacional de seu país do que qualquer outro compatriota”.

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Quando o Uruguai recuperou a democracia em 1985, o primeiro presidente civil, José María Sanguinetti (1985-1990 e 1995-2000), comandou uma transição tranquila, embora deixasse questões pendentes, entre elas a busca dos restos de presos políticos desaparecidos na ditadura (1973-1985). Mas Sanguinetti mostrou ao mundo um país civilizado e recebeu elogios por isso. Mujica foi muito além, aponta Rabuffetti:

— Ele tomou decisões e apoiou iniciativas que revolucionaram o país, como a legalização da maconha e do aborto, o casamento gay, recebeu presos de Guantánamo e refugiados sírios. Isso se somou a seu estilo de vida genuinamente austero, num momento de crise de lideranças globais e explosão das redes sociais.

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Enquanto a luz de Mujica brilhava cada vez mais, outros líderes democráticos se desgastavam no poder rapidamente. Embora dentro do Uruguai ele tenha sido alvo de críticas fortes e, de forma alguma, fosse uma unanimidade, no exterior Mujica virou personagem de culto. O contraste entre sua imagem dentro e fora de seu país sempre foi algo difícil de explicar para a maioria dos uruguaios, mas não para escritores que analisaram a fundo a trajetória de Mujica.

— No Uruguai, muitos nunca perdoaram seu passado na guerrilha dos Tupamaros — aponta Rabuffetti.

Os críticos de Mujica também lembram um escândalo de corrupção na estatal de petróleo Ancap, que manchou, para alguns, a imagem de seu governo. A denúncia, que também envolveu o primeiro governo do presidente Tabaré Vázquez (2005-2010), já falecido e membro da mesma Frente Ampla à qual pertenceu Mujica, foi um fato quase inédito no Uruguai.

O ex-presidente do Uruguai, José Mujica, dirige seu fusca perto de sua casa após deixar a Presidência uruguaia em 1º de março de 2015. — Foto: PABLO BIELLI / AFP
O ex-presidente do Uruguai, José Mujica, dirige seu fusca perto de sua casa após deixar a Presidência uruguaia em 1º de março de 2015. — Foto: PABLO BIELLI / AFP

O caso chegou à Justiça, após o Parlamento aprovar uma capitalização de US$ 800 milhões para a maior empresa do país, que tem o monopólio do mercado de combustíveis — e que no governo Mujica acumulou déficits. Só em 2014, a empresa registrou perdas de US$ 323 milhões. O governo Mujica foi acusado de má gestão, e o caso afetou, sobretudo, o ex-presidente da Ancap, Raúl Fernando Sendic, filho do líder tupamaro Raúl Sendic, considerado protegido do ex-presidente.

A capitalização obtida pela empresa representou 2% do PIB uruguaio e somou-se a outros resultados ruins de outras empresas estatais no governo Mujica. Paralelamente, Sendic foi envolvido num caso de suposto uso do cartão corporativo para despesas pessoais.

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No governo Mujica, o boom das commodities já passara, mas a economia seguiu crescendo. Segundo o Banco Mundial, o país teve taxas de crescimento do PIB de 8,4% em 2010; 7,3% em 2011; 3,6% em 2012; e 4,3% em 2013, todas acima da média mundial. Mas Mujica, em seu país, não é lembrado como bom gestor econômico.

— Mujica foi um feiticeiro carismático, e ficou famoso no mundo por seu estilo de vida. Ele foi mais popular por sua austeridade do que por sua gestão. A gestão de Vázquez foi mais eficiente — afirma Pablo Cohen, jornalista e escritor, autor de “Os Indomáveis”, um livro baseado em conversas com Mujica e sua mulher, a também ex-guerrilheira dos Tupamaros e ex-vice presidente Lucía Topolansky.

Para Cohen, Mujica “é um gênio da comunicação”.

— Ele tinha um carisma brutal. Tinha um magnetismo que te obrigava a olhar pra ele, e isso se universalizou. Ele explorou isso de forma consciente e natural. Toda hora chegavam desconhecidos à chácara, que está no Google Maps. Pediam fotos, ele era um escravo da sua fama — diz Cohen.

No livro, Mujica fala sobre sua popularidade global: “Acho que isso aconteceu progressivamente, muitas vezes com as viagens à Europa. Mas a responsável, a autora de tudo isso, é a internet”.

Mujica também fez considerações sobre se sua gestão foi mais importante a nível simbólico ou de gestão. “Eu não sei. Simbolicamente também significou muito. E o que há de ruim em ser um ícone? Tem coisas que a vida te dá e que você não busca. Nem passava pela minha cabeça ser presidente. Não busquei [a fama], e nem dou bola para os flashes… me irrita o protocolo e tudo isso. É horrível.”

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