Em Angola, o Tribunal Supremo entregou a José Filomeno dos Santos, ex-presidente do Fundo Soberano de Angola, os passaportes – um ordinário e dois diplomáticos – retidos no âmbito do processo da alegada transferência ilícita de 500 milhões de dólares, depois do indulto presidencial concedido em janeiro.
Em 2020, o filho do antigo Presidente José Eduardo dos Santos, também conhecido como Zenu dos Santos, foi condenado, no âmbito do conhecido caso “500 milhões de dólares” pelo crime de burla por defraudação, na forma continuada, a quatro anos de prisão maior e pelo crime de trafico de influências na forma continuada a dois anos de prisão, num cúmulo jurídico de cinco anos.
A defesa recorreu desta pena, através de vários recursos, um dos quais, em abril de 2024, o Tribunal Constitucional de Angola respondeu declarando a inconstitucionalidade do acórdão que condenou Zenu dos Santos e também Valter Filipe da Silva.
Entretanto, em janeiro deste ano, José Filomeno dos Santos beneficiou de um indulto presidencial concedido a cidadãos angolanos condenados, que o filho de José Eduardo dos Santos recusou considerando que não cometeu crime e foi absolvido pelo Tribunal Constitucional.
Em entrevista à DW, o advogado, Sérgio Raimundo, que esteve envolvido com advogado de defesa no famigerado “caso dos 500 milhões de dólares”, comenta o caso do indulto concedido ao filho mais novo do falecido Presidente, José Eduardo dos Santos.
Segundo Sérgio Raimundo, “o indulto concedido pelo Presidente, João Lourenço, “não faz qualquer sentido”. A rejeição do indulto por parte de Zenu dos Santos, “faz todo o sentido.”
Sérgio Raimundo (SR): É esquisito o indulto que foi concedido a favor de José Filomeno dos Santos (Zenu).
Penso que ele, de forma inteligente, até veio publicamente dizer que não aceita o indulto. E com toda a razão, porque se ele não tem nenhuma condenação com trânsito em julgado e muito menos cumpriu um dia de pena – porque não há nenhuma pena por cumprir até hoje – e, sendo a essência de uma condenação e o cumprimento de pelo menos metade da pena, requisitos essenciais para o indulto, ao aceitar este indulto ele estaria quase que a dar como provado a acusação e a condenação.
DW África: Mas ele agora ele agora acabou por aceitar o indulto ou não?
SR: Não, não. A minha leitura é outra. Uma vez que Filomeno dos Santos no momento da não aceitação do indulto, veio com uma declaração pública, que dirigiu a essas instituições, de que não aceitava o indulto, justificando que ao aceitá-lo estaria, como disse atrás, a dar como provada a acusação que foi movida contra ele.
DW África: Mas Zenu dos Santos recebeu os seus três passaportes – um ordinário e dois diplomáticos, porque precisamente aceitou esse indulto ou não?
SR: O facto de ele ter recebido os passaportes não implica dizer que ele aceitou o indulto. Porque esses passaportes já deveriam ser entregues desde 7 de junho de 2019. Atenção, foi o próprio Tribunal Supremo, neste dia que me referi de 2019, que não Acórdão o Tribunal Supremo dizia: “situação carcerária, tendo em conta que já decorreram os prazos legais referente às medidas de coação impostas quanto à obrigação de se apresentar quinzenalmente e a proibição de se ausentar da província de Luanda e do país, declaram-se extintas estas medidas”.
Portanto, o Tribunal no seu acórdão declarou extinta [aquelas medidas] naquele dia 7 de junho de 2019. A partir daí, não fazia sentido a retenção desses passaportes.
Nós, coletivo de advogados da defesa, há anos que andamos a requerer a devolução desses passaportes e simplesmente nem sequer nos respondem.
DW África: Tendo em conta o que nos acaba de dizer o próprio indulto presidencial de que José Filomena dos Santos beneficiou não faz qualquer sentido?
SR: O indulto não faz qualquer sentido. A rejeição do indulto faz um grande sentido por parte do Zenu dos Santos. A receção dos passaportes, na minha perspetiva, não pressupõe aceitação do indulto.
DW África: Portanto, na sua perspetiva estamos perante uma violação da própria lei angolana por parte do Presidente da República? É isso?
SR: A concessão deste indulto viola a própria lei e a Constituição. E, portanto, se quisermos construir em Angola um Estado democrático de direito, o exemplo tem que ver de cima e não de baixo.
Crédito: Link de origem