Independências. Primeiras Constituições louvavam a liberdade e o partido único – Observador

A determinação das ex-colónias portuguesas em se libertarem do colonialismo está espelhada nas primeiras Constituições, elaboradas há 50 anos como uma espécie de hino à independência e que o fim da ‘cortina de ferro’ aproximaria depois do modelo português.

Com a Guiné-Bissau a inaugurar o calendário da independência das antigas colónias portuguesas, ainda antes do 25 de Abril de 1974, coube a este Estado aprovar a primeira Constituição, em 24 de setembro de 1973, no mesmo dia em que o país africano autoproclamou a sua independência.

A carta magna tinha como artigo 1.º a definição da Guiné-Bissau como “uma República soberana, democrática, anticolonialista e anti-imperialista, que luta pela libertação total, pela unidade da Guiné-Bissau e do Arquipélago de Cabo Verde, assim como pelo progresso social do seu povo”.

Aprovada por unanimidade pela Assembleia Nacional Popular, reunida na sua primeira sessão no Boé, a primeira Constituição guineense definia que “o poder é exercido pelas massas trabalhadoras ligadas estreitamente ao Partido Africano da Independência da Guiné Bissau e Cabo Verde (PAIGC), que é a força política dirigente da sociedade”.

Esta Constituição seria substituída por uma outra em 1984, ainda em vigor e entretanto revista, que refletia a trajetória pós independência, a nível interno e externo.

O PAIGC governou como partido único até 1991, altura em que o país adotou o multipartidarismo, no mesmo ano em que a União Soviética acabou, assim como a ‘cortina de ferro’, como era conhecida a divisão ideológica que dividia a Europa em dois blocos (ocidental e oriental).

Em Moçambique, independente em 25 de junho de 1975, a primeira Constituição foi publicada nesse mesmo dia, assinada pelo presidente da Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo) Samora Machel, que seria Presidente da República ainda nesse ano.

O documento apresentava o país como “um Estado soberano, independente e democrático” e “fruto da resistência secular e da luta heroica e vitoriosa do povo moçambicano, sob a direção da Frelimo, contra a dominação colonial portuguesa e o imperialismo”.

E que tinha, entre outros, o objetivo de eliminar as “estruturas de opressão e exploração coloniais e tradicionais e da mentalidade que lhes está subjacente”.

Em 1990, enquanto acalmavam os ventos de leste, o país aprovou uma nova Constituição que introduziu o multipartidarismo e na qual Moçambique era referido como “um Estado independente, soberano, democrático e de justiça social”.

O poder, que na Constituição de 1975 pertencia “aos operários e camponeses unidos e dirigidos pela Frelimo” e era “exercido pelos órgãos do poder popular”, reside, no texto de 1990, no povo moçambicano, que “exerce a soberania segundo as formas fixadas na Constituição”.

“O Estado subordina-se à Constituição e funda-se na legalidade” e “as normas constitucionais prevalecem sobre todas as restantes normas do ordenamento jurídico”, lê-se na Lei fundamental de 1990, que seria substituída pela Constituição de 2004, ainda em vigor.

Cabo Verde, independente em 05 de julho de 1975, aprovou nesse ano uma lei sobre a organização política do país, indicando o PAIGC como “força dirigente”. A primeira Constituição surgiu em 13 de outubro de 1980, recordando a “heroica luta de libertação nacional de vários anos, vitoriosamente conduzida pelo PAIGC”, partido único do regime.

“Cabo Verde é uma república, soberana, democrática, laica, unitária, anticolonialista e anti-imperialista”, lê-se no primeiro dos princípios fundamentais do texto.

Em 1992, uma nova Constituição contemplava as “novas ideias que assolaram o mundo, fazendo ruir estruturas e conceções que pareciam solidamente implantadas”, numa referência ao fim da União Soviética, do regime de partido único e às primeiras eleições no país, em 1991.

Em São Tomé e Príncipe, independente em 12 de julho de 1975, a primeira Constituição foi publicada em 05 de novembro desse ano e nela se lia que, neste Estado, “o poder pertence ao povo livre e senhor do seu destino”.

O Movimento de Libertação de São Tomé e Príncipe (MLSTP), “como vanguarda revolucionária, é a força política dirigente da nação, cabendo-lhe determinar a orientação política do Estado”, lê-se no documento.

Esta Constituição sofreu várias alterações e em 1990 apresentou um novo texto, já com o fim do monopólio do poder, por este não constituir, por si só, “garantia suficiente de progresso”. São Tomé e Príncipe foi, aliás, a primeira ex-colónia a aprovar uma Constituição que abriu as portas ao multipartidarismo.

Angola aprovou a primeira Constituição em 10 de novembro de 1975, um dia antes da sua independência, a qual indicava que o principal objetivo do país era “a total libertação do povo angolano dos vestígios do colonialismo e da dominação e agressão do imperialismo e a construção de um país próspero e democrático”.

Ao Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), ainda hoje no poder, era atribuída “a direção política, económica e social da nação”, mas em 1992 a lei Constitucional veio definir que “o povo angolano exerce o poder político através do sufrágio universal periódico para a escolha dos seus representantes, através do referendo e por outras formas de participação democrática dos cidadãos na vida da nação”.

Em Timor-Leste, a independência de Portugal chegou em 28 de novembro de 1975, data da primeira Constituição.

O texto apresenta o país como “uma nação soberana una e indivisível, anticolonialista, anti-neocolonialista e anti-imperialista, nascida de uma forte resistência popular generalizada de luta contra o colonialismo português e o imperialismo, sob a justa direção da única e legítima vanguarda do povo maubere, a Frente Revolucionária do Timor-Leste Independente — Fretilin”.

A invasão do país pela Indonésia adiou os sonhos de liberdade até 1999, altura em que um referendo sob os auspícios das Nações Unidas confirmou a vontade autodeterminada de independência. A futura Constituição entrou em vigor em 20 de maio de 2002, continuando a vigorar.

A Carta Magna reafirma a determinação do povo maubere “em combater todas as formas de tirania, opressão, dominação e segregação social, cultural ou religiosa, defender a independência nacional, respeitar e garantir os direitos humanos e os direitos fundamentais do cidadão, assegurar o princípio da separação de poderes na organização do Estado e estabelecer as regras essenciais da democracia pluralista. Tendo em vista a construção de um país justo e próspero e o desenvolvimento de uma sociedade solidária e fraterna”.

O sonho colonial português, o mais perene da Europa Ocidental, caiu em 25 de abril de 1974 por ação do golpe de Estado conduzido pelas forças armadas, que tinham sido até então o principal suporte do regime.

O resultado foi a independência de todas as colónias espalhadas por África e Ásia, as únicas que sobravam do império colonial, depois de em 18 de dezembro de 1961 a Índia ter posto fim à presença portuguesa com a recuperação, pela força, dos territórios de Goa, Damão e Diu.

Posteriormente, em 24 de setembro de 1973, a declaração unilateral de independência da então província ultramarina da Guiné (atual Guiné-Bissau) abriu caminho à queda, reconhecidamente tardia, das restantes pedras do dominó colonial português.

A Guiné foi, aliás, o pior dos cenários para as forças armadas coloniais, em que a autoridade portuguesa se fazia sentir praticamente nas principais urbes, incluindo a capital, Bissau, porquanto o resto do território era controlado e administrado pelo Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), liderado por Amílcar Cabral.

A declaração unilateral de independência foi reconhecida de imediato por 17 países, num movimento crescente, que se consolidou até ao derrube do regime colonial, em 25 de abril.

A perda da vantagem por parte da Força Aérea Portuguesa, com a entrada no conflito dos mísseis terra-ar ‘Strela’, de fabrico soviético, arrumou a questão e liquidou as possibilidades de vitória militar das forças armadas portuguesas no terreno.

Em 2025 completam-se 50 anos sobre as independências de Moçambique (25 de junho), Cabo Verde (05 de julho), São Tomé e Príncipe (12 de julho), Angola (11 de novembro) e de Timor-Leste (28 de novembro), mas cada uma das antigas colónias conta uma história diferente.

No caso de Timor-Leste, a independência foi declarada, também unilateralmente, em 28 de novembro de 1975, ao que o poderoso vizinho indonésio, com o acordo tácito dos Estados Unidos, respondeu com a invasão do território.

A luta de guerrilha e a alteração da correlação de forças no xadrez internacional obrigou a Indonésia a aceitar a realização de um referendo em 30 de agosto de 1999, com a esmagadora maioria dos timorenses que participaram (78,5%) a preferir a independência e que acabou com 27 anos de ocupação.

A independência de Timor-Leste viria a ser formalmente reconhecida pela comunidade internacional em 20 de maio de 2002.

Todavia, para os timorenses em 20 de maio o que houve foi a restauração da independência.

A diferença da história de cada uma das antigas colónias é exemplificada pela evolução de cada uma nestes 50 anos de independência, que na maior parte dos casos foi extremamente complicada.

Em Angola e Moçambique, cenários do confronto por via indireta das superpotências EUA e URSS (atual Federação da Rússia), registou-se a participação direta de Cuba e da África do Sul, no primeiro caso, e da antiga Rodésia (atual Zimbabué) e da África do Sul, no segundo.

Ou seja, os conflitos armados em Angola e Moçambique foram o exemplo do que se designam como “guerras por procuração” dentro do contexto maior que foi a Guerra Fria.

No caso de Angola, a guerra civil apenas terminou de facto em 2002, com a morte em combate de Jonas Savimbi, líder da maior organização da oposição, a União Nacional para a Independência Total de Angola.

Em Moçambique, a mediação da igreja Católica permitiu acabar também com uma guerra civil que se prolongava há 17 anos e que terminou com a assinatura, em 04 de outubro de 1992, do Acordo geral de Paz.

Os valiosos recursos naturais dos dois países ajudam a explicar por que razão a estabilidade política não terá passado de uma quimera.

Cabo Verde e São Tomé e Príncipe não tiveram lutas armadas pela independência e foram as únicas antigas colónias que experimentaram com sucesso a alternância do poder entre os partidos/movimentos que lideraram a luta anticolonial e as novas formações partidárias surgidas pós-independência.

A alternância no caso da Guiné-Bissau também se verificou, mas tem sido marcada pela crescente intolerância e animosidade, além da perpetuação dos índices de pobreza e nepotismo.

Foi também o primeiro país que ascendeu à independência a sofrer um golpe de Estado.

Em 14 de novembro de 1980, Luís Cabral, irmão de Amílcar Cabral e primeiro Presidente, foi derrubado por um golpe dirigido por João Bernardo “Nino” Vieira, que foram quem lera sete anos antes a proclamação unilateral de independência.

Desde então, as intentonas, umas bem-sucedidas outras mal explicadas, num saldo de quatro golpes de Estado e uma guerra civil (1998-1999), consolidaram a caracterização por organizações internacionais de um país refém de interesses externos ligados ao narcotráfico.


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