O conflito armado que decorre hoje no Haiti, país situado na América Central, transformou drasticamente a vida quotidiana dos cidadãos. O confronto entre as principais forças armadas do país caracteriza-se pela fome, violência das gangues e problemas humanitários alarmantes.
Com uma população superior a 11 milhões de habitantes, a República do Haiti parece não conseguir encontrar paz. Depois da luta pela independência que teve início a 1791 e fim a 1804, o país vem sofrendo com diversos desafios que têm prejudicado gravemente a estabilidade haitiana. Desde corrupção vertiginosa até às desigualdades sociais e raciais, passando pela pobreza extrema, pelas diversas consequências das inúmeras catástrofes naturais e a insegurança generalizada em todo o país.
Em 1804, o Haiti tornou-se a primeira nação independente da América Latina e das Caraíbas após uma revolta de escravos liderada pelo General Toussaint Louverture, que aboliu a escravatura. No entanto, o país enfrentou instabilidades políticas por quase um século, acentuadas pelo pagamento de uma indenização avultada à República Francesa.
No início do século XX, teve lugar a ocupação militar dos Estados Unidos de 1915 a 1934 no país e um massacre na fronteira com a República Dominicana, instigado pelo presidente dominicano Rafael Trujillo, resultando em mais de 20 mil mortes haitianas.
De 1957 a 1986, sob os regimes brutais de pai e filho Duvalier – François, conhecido como ‘Papa Doc’, e Jean-Claude, ‘Baby Doc’ – o Haiti sofreu com terror e corrupção, incluindo o desaparecimento de aproximadamente 60.000 opositores políticos pelas forças paramilitares ‘Tonton Macoutes’.
Depois da horrorífica catástrofe causada pelo terramoto de 2010, que originou a morte de mais de 200 mil pessoas, as diferentes crises das quais o país era vítima, acentuaram-se gravemente.
Uma das mais recentes crises que pode ser considerada a origem da atual instabilidade vivida no país foi o desafortunado episódio de 2021, quando o então presidente Jovenel Moïse foi assassinado na sua residência por militares colombianos devido à sua tentativa de cooperação com os Estados Unidos (EUA) através do envio de nomes de indivíduos ligados aos negócios de narcotráfico colombiano. Após a morte deste líder haitiano, o país entrou numa crise anárquica sem precedentes. Num espaço de poucos meses, diversos ganges avançaram em direção a Porto Príncipe, tornando a capital do Haiti num autêntico campo de batalha entre grupos rivais e a polícia.
Depois de 2021, a República do Haiti voltou a ser transportada para um lugar problemático, quando a 29 de fevereiro de 2024, as gangues voltaram a atacar impetuosamente a capital haitiana. Os ataques tiveram consequências humanitárias dramáticas e repercussões políticas diretas.
O primeiro-ministro do país, Ariel Henry, renunciou o cargo a 11 de março e o conselho presidencial de transição, um órgão criado pela Comunidade das Caraíbas (CARICOM) para preencher o vazio deixado pelo premier, ainda não se encontra inteiramente operacional.
Desde o fatídico episódio de 29 de fevereiro, o Haiti enfrenta uma enorme onda de violência recorrente devido a ataques coordenados de gangues armados em infraestruturas-chave, provocando a deslocação de mais de 580 mil pessoas, sendo mais de metade deste número representado por crianças.
As mais recentes notícias relacionadas com a situação no Haiti, reportam a chegada de centenas de militares provenientes do Quénia para combater a violência proliferada pelos gangues. A população do Haiti revela alguma esperança nesta nova tentativa de solucionar esta crise.
“O Haiti está a morrer” – reporta Guerda Previlon (IDEJEN), mas os haitianos estão a tentar a todos os custos esquivar a morte. Agentes locais e federais do estado da Flórida, nos Estados Unidos, informaram que um grupo de mais de 100 cidadãos haitianos chegaram num barco a vela ao arquipélago Florida Keys, no sul do estado da Flórida.
Apesar das diversas tentativas do povo haitiano de fugir aos conflitos internos do país, poucos conseguem. A maior parte dos haitianos vê-se obrigada a emigrar para a “solução” mais próxima: a República Dominicana, alguns com o objetivo de alcançar os Estados Unidos através do mar. No entanto, Spindler afirma que a maioria dos haitianos afetados pela violência interna do país, permanece dentro das fronteiras haitianas.
A realidade no Haiti é angustiante. “Muitas pessoas estão a sofrer” – afirma Mathurin Jean François, professor de matemática desempregado há 2 anos devido à violência que forçou o encerramento das escolas em Porto Príncipe.
As consequências geradas pelos diversos conflitos armados provocaram consequências aterrorizantes. A ONU relata que 4,97 milhões de haitianos estão em insegurança alimentar aguda, com 1,64 milhão à beira da fome, de acordo com um relatório noticiado pelas Nações Unidas a 25 de março de 2024.
Várias organizações internacionais que defendem os direitos humanos afirmaram que a violência no país é intensificada por agentes externos ao país. Em contraponto e apesar do representante do país perante o Conselho de Segurança das Nações Unidas ter afirmado que considera “absolutamente vital” que a comunidade internacional aja rapidamente para prevenir um “genocídio” no Haiti, a intervenção militar internacional comandada pelas Nações Unidas foi rejeitada pela sociedade civil do país.
As iniciativas e as organizações que operam no país recusam, na sua totalidade, a ajuda internacional proveniente da ONU. A razão fundamental apontada para esta recusa é o imperialismo americano, pois muitos consideram este fator como um dos atores principais das diversas crises no Haiti e afirmam que o que o povo haitiano precisa de verdade é de uma rede de apoio internacional de cooperação.
Por enquanto, é desafiador e complexo desenvolver uma solução estratégica duradoura para a crise no país. Apesar dos vários esforços internacionais em curso, incluindo a proposta de criação de um Conselho Presidencial Transitório, que poderia ajudar a estabilizar o Haiti.
No entanto, existe uma proposta em cima da mesa, concebida por Emmanuel Sae e Jean-François Savardl que parece ser a mais exequível e realista que consiste na formação de uma força internacional focada e comprometida com a proteção e defesa dos direitos humanos para auxiliar a polícia nacional e restaurar a segurança. Seguido da organização de um Estado Geral para reunir as forças motrizes da sociedade civil e elaborar um plano para reconstruir as instituições públicas do país e torná-las sustentáveis. E por fim, contribuir para a formação de funcionários do governo e para o desenvolvimento das estruturas e processos que serão necessários para tornar as instituições públicas sustentáveis.
Na minha opinião esta é a melhor solução proposta para solucionar a crise no Haiti. Este plano parece-me exequível na medida em que procura oferecer uma resposta abrangente e sustentável à crise. Esta proposta destaca-se pela sua capacidade de mobilizar uma força internacional comprometida com a proteção dos direitos humanos, o que é crucial para apoiar a polícia nacional e restaurar a segurança no Haiti. Além disso, o plano demonstra uma compreensão profunda dos desafios políticos e sociais do país. A abordagem integrada promove não só a estabilidade no Haiti, como também procura estabelecer as bases para um desenvolvimento institucional sustentável a longo prazo, essencial para a recuperação do Haiti.
Por Pedro dos Santos
Fontes:
https://news.un.org/pt/story/2024/03/1829636
https://brasil.elpais.com/internacional/2021-12-13/presidente-do-haiti-foi-assassinado-por-te
ntar-enviar-aos-eua-lista-de-pessoas-ligadas-ao-narcotrafico.html
https://www.france24.com/es/américa-latina/20240423-haití-urge-a-una-rápida-acción-intern
acional-para-prevenir-un-genocidio
https://www.brasildefato.com.br/2023/09/12/primeira-colonia-independente-e-mergulhado-e
m-ciclos-de-crise-humanitaria-haiti-rejeita-possibilidade-de-nova-intervencao-estrangeira
https://oglobo.globo.com/mundo/noticia/2024/06/18/numero-de-deslocados-por-violencia-de-
gangues-no-haiti-aumentou-60percent-em-tres-meses-diz-onu.ghtml
https://www.bbc.com/portuguese/articles/cj77m54lpj8o
https://edition.cnn.com/2024/04/03/americas/hunger-in-haiti-intl-latam/index.html
https://www.wfp.org/news/new-ipc-data-confirms-record-levels-hunger-haiti
https://elpais.com/america/2024-03-07/barbecue-el-capo-criminal-de-haiti-si-el-primer-minist
ro-no-dimite-habra-una-guerra-civil-un-genocidio.html#
https://g1.globo.com/mundo/noticia/2024/03/11/o-que-esta-acontecendo-no-haiti-saiba-como
-as-gangues-se-tornam-mais-organizadas-e-bem-armadas-do-que-a-policia.ghtml
Violence in Haiti: A continuation of politics by other means?
https://apnews.com/hub/haiti
https://www.aljazeera.com/gallery/2024/3/27/what-is-happening-in-haiti
https://www.care.org/news-and-stories/news/haiti-is-dying-whats-happening-now-and-how-y
ou-can-help/
https://www.unicef.org.au/stories/haiti-crisis-what-you-need-to-know
https://www.france24.com/es/programas/historia/20210225-haiti-breve-historia-pais-olvidado
-america
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