Há um novo mundo do outro lado do oceano

​A semana passada escrevi que acima de tudo acredito em Cabo Verde. Todas as evidências apresentam cenários de mudança, de finais de ciclos e de ruptura com o status quo em que o mundo vivia até agora. Pandemia, crise económica e guerras potenciaram uma mudança política e social que desaguam em mares nunca antes navegados. Nestes novos oceanos, a insularidade que nos defendeu dos impactos do exterior, pode não conseguir proteger-nos de sentir este autêntico tsunami de desafios.

Os cabo verdianos sempre olharam para o mundo como uma oportunidade, um caminho para uma vida melhor, uma forma de alcançarem os seus sonhos. O desenvolvimento de Cabo Verde, não foi, ainda, suficiente para conter essa emigração e oferecer a quem cá fica o que, muitas vezes, só nos sonhos alcançavam noutras paragens.

Neste momento, o mundo de oportunidades transformou-se num mundo de desafios e ameaças. As promessas de uma vida melhor já são assombradas pelas certezas de vidas muito difíceis e os destinos dos sonhos de muitos transformaram-se numa realidade dura para quem agora os escolhe. Talvez, nunca como agora, e estou a considerar os mais de 500 anos de vida em Cabo Verde, foi tão importante criar verdadeiras condições de crescimento, de qualidade de vida, de serviços públicos e de defesa nas nossas ilhas. Hoje, dar condições às pessoas para viverem os seus sonhos em Cabo Verde é a principal prioridade, porque os sonhos já não são uma realidade facilmente alcançável do outro lado do oceano.

Os “novos” Estados Unidos

A provável colocação de Cabo Verde numa lista de países com restrições à entrada dos seus cidadãos nos Estados Unidos, insere-se na realidade mais difícil que mencionei anteriormente neste artigo. Esto novo, e inesperado, obstáculo, acompanhado por uma maior agressividade dos novos governos europeus, e mesmo de algumas vozes na União Europeia, para com a emigração, devem servir, não apenas, de alerta, mas, acima de tudo, de motivação para olharmos para dentro do nosso país. A eleição de Trump foi classificada como uma ameaça para a Europa, eu vejo-a como uma oportunidade. Uma oportunidade da Europa se reinventar e tornar-se independente e forte por si própria.

Esta é a mesma visão que tenho para Cabo Verde. Um momento ímpar na História, em que temos a oportunidade de deixarmos a postura tradicional de dependência e procurarmos construir dentro das nossas fronteiras as condições para que se cumpram os sonhos de quem vive dentro delas. Não tenhamos receio de o assumir e de o viver, ganhando a consciência da dimensão que temos, mas sem nos esquecermos do poeta português Fernando Pessoa quando escreveu: “eu sou do tamanho do que vejo, e não do tamanho da minha altura”. Celebremos a nossa História, a nossa cultura e o nosso povo e a sua visão imensa, que nunca se limitou ao tamanho das nossas praias.

O governo de Cabo Verde já anunciou que irá iniciar negociações com o governo do Estados Unidos para conseguir averiguar o que pode levar a esta nova classificação e a ultrapassar eventuais necessidades que levem à retirada de Cabo Verde desta lista. Não obstante, isto não irá eliminar o sentimento global e as maiores dificuldades atuais de sair para começar uma nova vida. Acredito que o nosso governo conseguirá demonstrar a diferença do nosso povo e das nossas comunidades emigrantes, que tanto nos orgulham, mas não conseguirá mudar o momento atual que o mundo atravessa.

E se emigrar estará mais difícil, os apoios externos, tão importantes para um país como Cabo Verde, foram, também eles, limitados. A decisão de suspensão dos apoios financeiros, por parte dos Estados Unidos, e que estavam integrados em programas de apoio a países terceiros, condiciona bastante alguns investimentos previstos, com impactos relevantes em políticas sociais e de desenvolvimento. Mais uma vez, acredito que o governo irá conseguir ultrapassar este período de 90 dias de avaliação por parte dos americanos e, não só, reverter a situação, como, eventualmente, reforçar a relação entre os dois países. O nosso histórico e a forma como aplicámos os dois pacotes anteriores de apoio, são um sinal claro da nossa diferenciação enquanto país, enquanto povo e enquanto República.

No entanto, estes sinais, devem obrigar-nos a “ouvir” o que atravessa agora o Atlântico. Reforço a ideia já escrita neste artigo, este é momento de fazermos algo por nós e não contarmos com os outros para isso. Devemos ser proativos diplomaticamente, devemos ser assertivos internacionalmente, mas devemos ser conscientes da realidade e implementarmos estratégias que defendam o nosso povo, a nossa soberania e o nosso futuro. Que não se implemente nunca políticas de isolamento, que não façamos experiências e sejamos fieis aos nossos parceiros históricos e que saibamos honrar os nossos compromissos, mas que isso não represente ignorar os sinais e definir políticas que assentem nos nossos recursos, nas nossas gentes e no nosso potencial.

Uma Europa a correr

Com as mudanças profundas que o Mundo atravessa, e que já abordei no artigo anterior e no início deste, a Europa viu-se forçada a “acordar” de um longo período de paz e inércia. Nesta última semana foram dados passos firmes para se tentar uma solução de paz na Ucrânia, mas todos os caminhos resultam numa Europa dependente e sozinha. Essa realidade chocou de frente com os dirigentes europeus que, finalmente, reagiram e assumiram novas prioridades e, quem sabe, mudanças profundas nas políticas europeias.

Uma corrida ao armamento não é algo, por definição, que me deixe despreocupado. Todos os grandes conflitos mundiais começaram com uma corrida semelhante. A procura da paz através da construção de armas é algo com elevados riscos históricos que espero que desta vez não se concretizem. O investimento de biliões será um esforço enorme para uma Europa com a sua maior economia em crise (Alemanha) e França e Reino Unido com graves problemas sociais. Tudo isto impacta em países como Cabo Verde e nas relações entre os diversos países.

Cabo Verde sempre teve uma relação especial com a União Europeia. A nossa posição histórica como um país que se integra em três continentes, garantiu-nos uma posição privilegiada e assente em pilares como a estabilidade política, os valores democráticos e a força das instituições da República. Tudo isso será agora posto à prova e deveremos empenhar todos os nossos esforços no reforço dessa relação e na defesa, não apenas, da nossa economia e soberania, mas também da nossa diáspora.

Tal como defendi para a relação com os Estados Unidos, é imperativo que o nosso governo reforce as ligações à Europa, aumente o diálogo e a cooperação e que possamos continuar a partilhar projetos e oportunidades. O sector do mar, onde se incluí as pescas é um desses exemplos, especialmente numa altura em que Cabo Verde preside à Plataforma África da Pesca, Água e Aquacultura. Esta, mais uma vez, é uma oportunidade que os nossos governantes não podem desperdiçar.

O futuro é Cabo Verde

Perante todo este cenário de grande incerteza e muitos receios, é crucial que possamos ter uma visão clara de qual o melhor caminho na defesa de Cabo Verde e dos cabo verdianos. Já o afirmei e reforço: a nossa melhor solução de futuro, somos nós próprios. Num mundo que se prepara para ser mais “egoísta” com políticas protecionistas e isolacionistas, numa “fuga para a frente”, o espirito global do nosso povo pode ser crucial. Tenho a consciência da dimensão das nossas ilhas, mas no mundo moderno existem “ferramentas” que aumentam a nossa dimensão.

A aposta nas novas tecnologias e na captação de investimento e de pessoas é uma dimensão possível para Cabo Verde e um caminho que acredito de sucesso. Para sermos um hub precisamos de muitas mudanças, de criar infra-estruturas e de podermos criar condições de atractividade de novos investidores, de novos profissionais e de criação de riqueza para melhorar a vida dos nossos cidadãos.

Gostava de terminar com uma nota sobre a notícia destes últimos dias sobre os materiais raros. Li com curiosidade esta notícia e volto ao pensamento que o nosso potencial está na dimensão dos nossos sonhos. Cabo Verde deve apostar nas suas gentes, nas suas terras e no seu mar. Cabo Verde e os seus dirigentes devem apostar na sua histórica estabilidade e democracia e nunca esquecer quanto custou a nossa verdadeira liberdade. Que tenhamos a consciência dos enormes desafios internacionais, mas também podermo-nos inspirar-nos no antigo provérbio chinês que se refere aos desafios como oportunidades. Que este novo Mundo seja um Mundo de Cabo Verde.

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1217 de 26 de Março de 2025.

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