Depois de Paris,no passado dia 19.04, um grupo de guineenses na diáspora protestou, nesta sexta-feira (25.04), contra o apoio de Portugal ao Presidente Umaro Sissoco Embaló, por permanecer no poder para além do tempo estipulado pela Constituição.
No dia em que se assinala o quinquagésimo primeiro aniversário da “Revolução dos Cravos”, o grupo marchou na Avenida da Liberdade, em Lisboa, para dizer que “Portugal não pode e não deve apoiar um Presidente que se mantém no poder contra a vontade do seu povo”, refere Mariano Quade, membro da sociedade civil guineense e um dos organizadores da manifestação.
Os guineenses na diáspora prometem não cruzar os braços até que a normalidade constitucional seja reposta.
“A situação em que nos encontramos é lamentável, porque o próprio Presidente é a força de bloqueio de todo o Estado da Guiné-Bissau”, diz Quade.
Em entrevista à DW, o ativista pede uma “mudança de postura” do Presidente da República.
DW África: A vossa manifestação e marcha em Lisboa no âmbito da celebração do dia “25 de Abril”, que trouxe liberdade e democracia a Portugal, têm um significado específico ou uma exigência em concreto? Porquê nesta data?
Mariano Quade (MQ): Essencialmente, por causa do simbolismo da própria data, da conquista da liberdade pelo povo português. Tendo lutado contra um sistema ditatorial, isso faz-nos relembrar o momento que estamos a viver na Guiné-Bissau, com um regime de repressão, de supressão das liberdades e dos direitos humanos. A ideia foi aproveitar o Dia da Liberdade [em Portugal] para uma manifestação forte contra a ditadura e contra a permanência de Sissoco Embaló no poder para além do tempo estipulado pela própria Constituição da República.
Estamos também a falar aqui, depois de cinco anos no poder, [de estar] a violar e a perseguir, a espancar e a intensificar a impunidade com vários casos de tráfico internacional que permanecem impunes. Tudo isso são motivos de insegurança e de grande alarme para aqueles que se preocupam com o país.
Nós, a comunidade guineense aqui em Portugal e da diáspora na Europa [em geral], estamos realmente muito preocupados com o destino que o país está a tomar.
DW África: O Coletivo de Estudantes e Trabalhadores Guineenses (Firkidja de Pubis) endereçou uma carta aberta a Marcelo Rebelo de Sousa para a cessação do apoio à “ditadura” instituída por Umaro Sissoco Embaló. Embora Sissoco não tenha participado nas comemorações do 25 de Abril deste ano, considera que é imperioso avisar Portugal a não apoiar o regime de Sissoco? Vão endereçar alguma mensagem ao Presidente de Portugal nesse sentido?
MQ: Com certeza, vamos continuar a reforçar esta mensagem de que Portugal não pode e não deve apoiar um Presidente que se mantém no poder contra a vontade do seu povo e contra a Constituição da República.
Quando o Presidente português ou o primeiro-ministro português aceitam conviver com um ditador, nós aí encontramos, de facto, uma grande incoerência em termos daquilo que defendem em Portugal e aquilo que defendem para a Guiné-Bissau, neste caso.
Portanto, exortamos o Presidente da República português a não repetir o erro cometido no ano anterior em que foi convidado Umaro Sissoco Embaló para participar nas comemorações do Dia da Liberdade, quando este Umaro Sissoco Embaló é o primeiro violador da Constituição no seu país e é o primeiro repressor das liberdades e garantias e viola os Direitos Humanos na Guiné-Bissau.
DW África: Este ano não houve convites aos chefes de Estado, nomeadamente ao Presidente da Guiné-Bissau…
MQ: Nós efetivamente exortamos a que não se repita, que não haja nenhum convite a um ditador que não é Presidente, de facto, como eu acabei de explicar. Está fora dos limites constitucionais permitidos para o período de um Presidente se manter no poder.
Estamos aqui a falar de uma situação atípica em que só o diálogo, só os órgãos de soberania, nomeadamente a Assembleia Nacional Popular, podem desbloquear.
Não vejo aqui um quadro político-legal que possa, de facto, deixar os órgãos de soberania português, nomeadamente o Presidente da República ou o primeiro-ministro, confortáveis em enviar um convite a um Presidente caduco, fora do seu tempo, que se mantém à força no poder. Não vejo, de facto, que haja aqui algum enquadramento político-legal que possa deixar esta situação sem qualquer mágoa ou sem qualquer nódoa.
DW África: Além da reabertura da Assembleia Nacional Popular, quais as outras reivindicações dos guineenses na diáspora para o regresso da estabilidade à Guiné-Bissau?
MQ: Nós entendemos que as eleições [presidenciais] deveriam ter sido marcadas 90 dias antes do termo do mandato do Presidente da República, que foi a 27 de fevereiro de 2025. Terminou o seu mandato porque tomou posse no dia 27 de fevereiro de 2020. Manteve-se no poder e, portanto, está numa situação de permanência no poder à revelia da Constituição.
Exigimos a realização das eleições o mais brevemente possível para que o país possa sair desta situação de não-Estado em que se encontra.
DW África: O Presidente mantém-se em funções e a anunciar medidas. Qual devia ser a sua postura face ao atual clima político na Guiné-Bissau, sabendo que o país precisa de novas eleições?
MQ: Era, de facto, permitir que a Comissão Permanente da Assembleia Nacional funcionasse de forma a que pudesse eleger os órgãos legítimos, ou seja, a própria Comissão Nacional de Eleições, e aí poderem ser organizadas as eleições livres e justas no país. E não continuar de uma forma autoritária, abusiva, porque ainda tem um certo apoio do poder militar para se manter no poder.
Portanto, a postura do Presidente da República deveria ser essa, de aceitar que os órgãos de soberania do país pudessem funcionar, nomeadamente a própria Assembleia Nacional Popular, que é o órgão legítimo que saiu de umas eleições legítimas, sufragadas universalmente e aprovadas por todos os observadores internacionais.
Portanto, exortamos a uma mudança muito rápida de postura para que os órgãos de soberania possam conduzir os destinos do país.
A situação em que nos encontramos é lamentável, porque o próprio Presidente é a força de bloqueio de todo o Estado da Guiné-Bissau. Neste momento, só a Presidência da República é que emana orientações para todo o país. É impossível funcionar desta maneira. O próprio Presidente deve compreender isso, enquanto é possível aqui encontrar soluções de diálogo e respeitar, acima de tudo, a vontade do povo.
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