Guiné-Bissau: oposição não reconhece mais mandato do presidente e exige novas eleições em até 90 dias
A crise política em torno do fim do mandato do presidente Umaro Sissoco Embaló na Guiné-Bissau ganhou um novo capítulo nesta quarta-feira (5), após a oposição descartar qualquer tipo de diálogo com o atual chefe de Estado sem mediação internacional.
A posição está em uma carta de solidariedade assinada pelas duas maiores coligações do país, a Plataforma da Aliança Inclusiva (PAI) e a Aliança Patriótica Inclusiva (API) e endereçada à Comunidade Económica de Estados da África Ocidental (Cedeao).
“Queremos reiterar o nosso compromisso em não nos engajarmos em qualquer processo de diálogo promovido pelo ex-Presidente da República que não seja no quadro da mediação da Cedeao”, diz trecho da carta enviada ao presidente da comissão, Omar Alie Touray.
Tanto partidos de esquerda como movimentos populares da Guiné-Bissau alegam que o mandato de Umaro Sissoco Embaló chegou ao fim na última quinta-feira (27), cinco anos após a tomada de posse. Em repúdio a permanência de Embaló no cargo, eles organizaram na data uma “paralisia total” do país, convocando a população a não ir às escolas e fechar os comércios.
“Nós temos um presidente, nós temos uma liderança que exatamente quer perpetuar o sistema neocolonial na Guiné -Bissau. Nós, como partido revolucionário, estamos lutando contra isso”, afirma Iancuba Indjai, deputado da Assembleia Nacional Popular e uma das lideranças históricas do Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), que organizou a luta pela independência da Guiné-Bissau e de Cabo Verde nos anos 1970 sob o protagonismo de Amílcar Cabral.
“Ele (Sissoco Embaló) não tem mais a competência de representar a República da Guiné-Bissau nos termos constitucionais. Guiné-Bissau, infelizmente, com este presidente, é reconhecida como um narcoestado. Recentemente foi apreendido um avião com drogas. Meses depois, prende-se um barco com três toneladas de drogas saindo da Guiné-Bissau. Nós estamos vivendo um Estado que utiliza drogas para fins políticos”, completa.
Sissoco Embaló argumenta que seu mandato vai até 4 de setembro. Há exatos cinco anos, em 2020, esta foi a data em que o Supremo Tribunal de Justiça (STJ) do país reconheceu sua vitória no segundo turno das eleições presidenciais contra Domingos Simões Pereira, do PAIGC. No início de fevereiro, o STJ ratificou a posição de Embaló e confirmou o fim de seu mandato para setembro. O presidente, inclusive, já anunciou a data das eleições gerais no país: 30 de novembro.
O deputado guineense, porém, diz que o anúncio do atual presidente “é inconstitucional e fora da lei eleitoral guineense”. A oposição quer que o pleito seja realizado em até 90 dias, com prazo limite para o final de maio.
Segundo Indjai, a crise política na Guiné-Bissau iniciou em dezembro de 2023, quando o atual chefe de Estado do país dissolveu o parlamento e não realizou novas eleições legislativas, como prevê a Constituição do país.
“O presidente Umaro Sissoco Embaló violou as leis normais da nossa Constituição. Uma Assembleia Constitutiva não pode ser derrubada em menos de um ano. 12 meses têm que passar. Ele, em quatro meses, derrubou o nosso Parlamento, dissolveu o nosso Parlamento. Nós estamos, neste momento, preparados para que ele organize as eleições. Todas as forças progressistas da Guiné-Bissau vão se juntar e vamos derrotar esse senhor”, explica Indjai em entrevista exclusiva ao Brasil de Fato.
Iancuba Indjai é aluno da antiga Escola Piloto, considerada a base da formação ideológica do PAIGC durante a luta de libertação nacional. Ele conheceu Amílcar Cabral ainda na infância e conviveu com o líder revolucionário na adolescência.
“Cabral não só organizou o partido, como conseguiu tornar um partido revolucionário neste país, conseguiu mobilizar o povo, conseguiu unir as diferentes etnias do país. Temos 36 grupos étnicos. Cabral conseguiu, na base do princípio da unidade de luta, unir esse povo para lutar contra o colonialismo português”, pontua.
Ao fazer um paralelo com as lutas revolucionárias em cursos nos países vizinhos do Sahel, atualmente governado por juntas militares com ideais anticolonialistas, Indjai acredita que a resposta do povo de Guiné-Bissau ao “governo neocolonial” de Umaro Sissoco Embaló deve vir das urnas e sem o suporte militar.
“O povo é quem manda, o povo é quem faz a luta, é do povo para o povo. Os militares podem acelerar o processo. Os militares podem contribuir para que o povo assuma a sua responsabilidade. Mas o princípio de Cabral é que não há nenhuma força superior ao povo”, explica.
“O povo vai ganhar, o povo da Guiné -Bissau é um povo que merece saborear a vitória do sacrifício que ele fez durante 11 anos para a conquista da independência nacional, com arma na mão, sendo o primeiro o povo africano a ganhar as eleições, a ganhar a guerra contra os colonialistas em África. Então o povo da Guiné -Bissau merece todos os logros, todos os sucessos que resultam desse tipo de revolução”, finaliza Indjai.
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