Gilbert Houngbo, director-geral da Organização Internacional do Trabalho: “Em Cabo Verde greves esporádicas não devem ser vistas como problema ”
No último sábado, a Universidade de Cabo Verde (Uni-CV) foi palco do Fórum Académico que recebeu como convidado Gilbert Houngbo, director-geral da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que proferiu uma Aula Magna sobre justiça social, desenvolvimento sustentável e os desafios estruturais do mundo laboral em África e no mundo.
Durante a sua intervenção, Houngbo destacou a importância estratégica de Cabo Verde no cenário internacional, elogiando a postura do país no seio da OIT e a sua adesão recente à Coligação Global para a Justiça Social, uma iniciativa lançada pela organização em Novembro de 2023 com o objectivo de alinhar políticas económicas, sociais e ambientais em prol de um futuro mais equitativo. Segundo Houngbo, “Cabo Verde é um país dinâmico, aberto ao mundo, e tem demonstrado iniciativa e decisão política ao assumir um papel activo na promoção da justiça social”.
O director da OIT defendeu que o caminho para um futuro sustentável passa, necessariamente, pela justiça social.
“A justiça social pressupõe garantir condições de trabalho justas, acesso equitativo à educação, à saúde, à protecção social – em suma, garantir dignidade em todas as dimensões da vida”, afirmou, citando a histórica Declaração de Filadélfia, de 1944, que consagra o princípio de que “o trabalho não é uma mercadoria”.
No seu discurso, Gilbert Houngbo alertou para os múltiplos desafios enfrentados pelas populações mais vulneráveis — mulheres, jovens, trabalhadores rurais e aqueles em situação de informalidade.
“Em África, mais de 83% dos empregos ainda são informais, afectando a qualidade de vida de mais de 400 milhões de pessoas. Isso não pode continuar a ser encarado como uma fatalidade”, destacou.
Transformações globais e impacto na juventude africana
A intervenção de Houngbo também abordou as profundas transformações do mundo laboral, impulsionadas por factores como mudanças climáticas, instabilidade geopolítica, pressão económica e revoluções tecnológicas.
O Director-Geral da OIT advertiu que esses factores afectam de maneira desproporcional os jovens, particularmente na África Subsaariana, onde mais de 75% exercem actividades precárias e mais de 20% estão fora do emprego, da educação ou da formação.
Diante desse panorama, o director da OIT destacou que “essa realidade exige uma acção urgente e coordenada. Mas não devemos resignar-nos. Trata-se de um apelo à reflexão e à adaptação das nossas escolhas políticas, económicas e sociais”.
Coligação Global para a Justiça Social: uma resposta multilateral
O centro do discurso de Houngbo girou em torno da Coligação Global para a Justiça Social, lançada como resposta às múltiplas crises globais e às crescentes desigualdades entre países e dentro das sociedades. A coligação visa reunir governos, universidades, empresas, sindicatos e a sociedade civil para debater e implementar políticas concretas em favor da equidade, da inclusão e da sustentabilidade.
Segundo Houngbo, já aderiram à coligação instituições como a Universidade de Yaoundé (Camarões), a Universidade de Roma (Itália), universidades sul-africanas e a Universidade de Coimbra (Portugal). A presença da Uni-CV no movimento global foi saudada como um passo relevante para o posicionamento internacional de Cabo Verde.
Emprego, competências e transições digitais e verdes
Um dos pontos mais relevantes da palestra de Houngbo foi a abordagem sobre o futuro do emprego, que deve passar, inevitavelmente, por uma nova geração de competências.
“A ascensão da automação e da digitalização, bem como a transição para uma economia verde, requerem trabalhadores capacitados em áreas como programação, análise de dados, comunicação, liderança e diversidade cultural”, enfatizou.
Embora a digitalização avance lentamente no continente africano, Houngbo reconheceu o seu impacto crescente, inclusive em sectores tradicionais como a agricultura, a manufactura e os serviços.
Ainda assim, o Director-Geral da OIT alertou para o risco de exclusão de segmentos da população caso as políticas educacionais e de formação profissional não acompanhem essas mudanças.
Paralelamente, a transição verde representa tanto desafios quanto oportunidades. “Há hoje 16,2 milhões de empregos nas energias renováveis no mundo, mas a maioria está concentrada no Leste Asiático. A África, incluindo Cabo Verde, deve investir na formação de profissionais para áreas como energia solar, eólica, gestão da água e agricultura sustentável”, apontou.
Em entrevista à TCV o director-Geral da OIT recomendou que o Governo aposte na formalização da economia destacando que este é um problema que afecta não só Cabo Verde como também o continente africano e parte da América do Sul.
O Director-Geral da OIT defendeu que o governo pode alcançar esse objectivo “através da facilitação do regime fiscal”.
“Trabalhamos vários eixos no sentido de encorajar a transformação da economia informal em formal que vai facilitar a criação de empresas outro aspecto é ter uma política fiscal mais simplificada, sobretudo para as micro, pequenas e médias empresas”.
Para Houngbo a saída de jovens de Cabo Verde não é dramática e defende que esta saída é demonstrativa de uma boa formação dos jovens cabo-verdianos que procuram o estrangeiro para encontrar empregos melhores alertando, no entanto, para a necessidade de haver um equilíbrio.
“Nós defendemos dois elementos, particularmente em sectores chave como o Turismo, que é encorajar o sector privado a melhorar a situação do emprego através de melhores salários e ao nível público através de uma melhor cobertura social”.
Para o Director-Geral da OIT o facto de haver situações esporádicas de greve não deve ser encarado como um problema.
“A liberdade de associação sindical é um princípio sagrado. Pensamos que em Cabo Verde o direito à greve se realiza de acordo com a legislação. Por isso, o facto de haver greves esporádicas é perfeitamente gerível. O que constatei na reunião de Concertação Social é que os três parceiros estão dispostos a contribuir para o diálogo”, concluiu Gilbert Houngbo.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1226 de 28 de Maio de 2025.
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