1 Tanta coisa e tanto eco e afinal coisa tão previsível. Sim, sim, sim, não há outro ponto de partida: todos os sinais estavam “lá”, nesse indefinido e indefinível “lá” que é o ar do tempo que vivemos.
Revendo a espantosa matéria: primeiro, o Chega foi desde o seu infausto parto adubado pela intencionalíssima vontade socialista de o fazer crescer para roer o PSD. Com artesãos estrategicamente colocados na presidência da Assembleia da República, segunda maior instituição do Estado português, Ferro Rodrigues e Augusto Santos Silva fizeram ambos o que puderam, e puderam muito, enquanto o PS lhes seguia a passada. E, depois, foi amparado por considerável parte da media que lhe gastava o nome num misto de vertiginoso deleite e atração fatal. Com dois “elevadores” desta potência, o astuto Ventura não precisou de muito mais: bastou-lhe ir dizendo com veemência e virulência o que aqueles de quem ninguém tinha feito caso queriam ouvir. Esses “aqueles” há muito entregues apenas a eles próprios. Isto é, o solo do descontentamento já estava dramaticamente pronto para receber adubo: ninguém no centro-direita/centro-esquerda – à excepção talvez de Pedro Passos Coelho – vira os sinais acesos ou ouvira as campainhas de alarme, tocadas pelos “aqueles” que tinham ficado para trás. Já eram muitos, cresceram e multiplicaram-se, hoje contam-se pela nossa – minha, pelo menos – vergonha.
E agora? Agora que sabe Ventura? Que o habilita para escolher – e acertar na escolha – gente para servir em cargos de alta sageza e delicadeza nacional? Que o recomenda para partilhar segredos de Estado? Para discutir e reflectir sobre alta política? Numa palavra, em que se poderá transformar o líder do Chega para se tornar apto a concretizar as tarefas que o esperam, agora que os tremendos “dois terços de votos” rumaram do centro para a direita mais à direita?
Quem é André Ventura?
Agora? Agora é tudo pior, “em política há sempre pior” como me dizia alguém. Pior, mais complexo, muito mais ruim.
E ruim talvez seja o mais adequado adjectivo, detestável adjectivo.
2 No PS também só não viu quem não quis. Foram largos e cheios os meses em que Pedro Nuno Santos dirigiu a “casa” sem engenho e arte para ela. Era preciso não ser tão impetuoso, instável, imponderado, imprevisível e por vezes irrascível. E outras, zangado com o mundo; não ter valsado durante meses, entre um “sim” ou um “ não” ao Orçamento de Estado da AD; não ter mimado uma Comissão de Inquérito ao primeiro-ministro para depois se arrepender e desistir dela; e a seguir voltar a insistir no tema; ter com ímpeto votado a queda do governo contra a opinião ponderada de pares próximos; ter fechado o partido à sua volta, fazendo subir a divisão e a tensão internas, menorizando o peso do silencioso mas poderoso exército “costista”.
O seu “treino” de liderança política não augurava nada de sólido e ainda menos de futuro. Basta pensar no contraste entre um líder socialista sóbrio e compenetrado, vestido ficticiamente de “primeiro-ministro” nos debates televisivos, e o verdadeiro Pedro Nuno das arruadas, entregue à sua verdadeira natureza – particularmente ressentida no modo como nesta campanha preferia substituir o argumento pela acusação, valorizando o insulto como instrumento eleitoral.
Só não viu quem não quis. A derrota era certa, só a sua amplitude pode surpreender.
E agora? Um retiro, uma longa pausa, uma travessia. O que for preciso. Mas por favor senhoras e senhores socialistas, cuidado com a indispensabilidade do PS. O que aí está já é suficiente “desconhecido” para que tudo não seja feito, a começar pelo impossível
3 Todo o espaço à direita do PS subiu nestas eleições: IL, PSD-CDS, Chega.
O espaço à esquerda levou um rombo assassino. Não sei o que Luís Montenegro vai fazer com isto, nem para onde se irá virar. À hora a que escrevo julgo até que nem ele ainda sabe. Escolha uns ou outros, ou escolha concertar-se e negociar com ambos à vez, uma coisa é certa: e o país? Valeria a pena pensar em Portugal. Parece uma ironia e nem sequer subtil. Não é. Há quanto tempo ninguém escolhe Portugal como prioridade absoluta com tudo o que isso implica de começar a fazer já o que António Costa não fez em oito anos e três governos, três? É que havia mais vida além da preocupação com as “contas certas” (herança de Passos Coelho até aí vista – entre o riso e o desprezo – como despaciência, pois lembramo-nos de Pedro Nuno Santos a querer partir as pernas aos banqueiros já não me recordo de que nacionalidade, talvez de todas).
4 Ou olhamos para estas coisas a sério ou não sairemos de uma cepa torta mediana, modesta, pequenina, irrelevante, onde estamos há quase dez anos.
Onde esteve o carburante para o motor do nosso progresso? E a visão, o anúncio de reformas, a vontade da criação de riqueza, o fôlego do desenvolvimento, o cuidado com o nosso lugar na UE (e pensar que integramos o núcleo dos doze primeiros Estados membros)?
5 A seguir Luís Montenegro remediou mas não mais que isso. Impôs um outro modo de estar na política – mais avesso ao comentário a toda hora e momento, mais praticante da reserva do que da praça pública. Fez o que podia? Talvez, falta o essencial. E agora podendo ou não, terá de meter uma quinta para chegar lá. Mas não por causa do Chega ou do medo de não ganhar as próximas eleições.
Por causa de Portugal.
6 Era preciso não continuarem a cansar-nos com a premente necessidade de “estabilidade e a governabilidade” se elas não servirem para nada. Há quase uma década que não servem. Caramba.
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