‘Evangélicos não passarão de 35% da população’, diz sociólogo crítico da tese de transição religiosa no Brasil

Antigo crítico da tese de que o Brasil viveria uma transição para maioria evangélica, o sociólogo especializado em religião Paul Freston defende que, mesmo no longo prazo, os protestantes não devem passar de 35% da população. A análise do inglês naturalizado brasileiro, autor de diversos livros na área, vai na contramão de outros especialistas no tema, que viram suas previsões não se confirmarem nos dados do Censo 2022 sobre religiões divulgado pelo IBGE na semana passada.

O senhor esperava que o arrefecimento do crescimento evangélico se desse agora e nesse ritmo?

Há pelo menos 15 anos estou dizendo que dificilmente o Brasil teria uma maioria evangélica e que a gente estava muito mais perto do fim da fase de crescimento acelerado do que no começo dela. Por isso, o Censo não surpreendeu. Mesmo previsões sérias pensavam que seria em torno de 30%, e deu só 26%. Outro ponto é a migração religiosa. Em um texto que também tem 15 anos, apontei que o protestantismo recebe pouco mais de uma em cada duas pessoas que abandonam o catolicismo. E o que a gente viu nesse último Censo é que o catolicismo declinou 8,3 pontos percentuais e o protestantismo cresceu 5,2 pontos percentuais, o que corrobora o que eu estava dizendo.

O senhor afirma que os evangélicos terão um teto de 35% da população brasileira. Com os dados do Censo 2022, a previsão está mantida?

Ela começa a me parecer ainda mais razoável. Alguns fatores dificultam o crescimento dos protestantes a partir de agora. Sendo 26% da população, é inevitável o surgimento de evangélicos não-praticantes. Antes, dizia-se que não existia isso. Mas quando há apenas uma pequena minoria, que ainda sofre algum preconceito pela maioria, não vai ter não-praticante mesmo, porque é muito custoso socialmente se declarar assim. Na medida que cresce, as coisas mudam. Nessa franja, de gente que se declara evangélica, pode haver migração tanto para sem religião como até para o catolicismo. Esse é um fenômeno ainda pequeno no Brasil e pouco estudado, mas já pode ser visto nos EUA. Outro fenômeno possível é uma transição para o judaísmo ou pelo menos de formas fortemente influenciados pelo judaísmo.

Livro de Paul Freston — Foto: Divulgação

A aproximação do ex-presidente Bolsonaro com as lideranças evangélicas também pode impactar?

Sim. Essa associação precoce com o populismo de direita pode implicar um custo numérico. Há muitos anos, ainda antes do bolsonarismo, escrevi que os problemas das igrejas, como escândalos, também impedem esse crescimento. No caso da política, essa associação fortíssima da comunidade evangélica com o governo Bolsonaro terá um preço a pagar em termos de adesões.

Até os anos 1980, o mundo pentecostal se caracterizava como apolítico. “Crente não mete com política”, se dizia. Na prática, sempre vai ter uma certa reação a qualquer forma exagerada de engajamento político. Todo mundo que acha isso errado, por razões ideológicas ou pragmáticas, pode se afastar. Quanto mais forte for a associação, como “Ah, você é evangélico? Então você é bolsonarista”, mais reação existe.

Além do surgimento dessa franja de não-praticantes, que outros desafios os evangélicos passam a ter depois desse crescimento nos últimos 30 anos?

As religiões evangélicas no Brasil se mostraram muito capazes de realizar transformações individuais. Agora, quando se trata de transformações sociais, a realidade é outra. Enquanto eram 2% da população, ninguém exigia isso. Mas quando passaram para 25%, todo mundo fica de olho. Bom, cadê os efeitos, né? Quando não tem, isso cria um desgosto, o que impacta na adesão de novos fiéis.

Outra tese sua é que os católicos têm um piso de 40%. Mantém essa previsão?

Na minha idade, provavelmente não vou viver para saber se tive razão (risos), mas mantenho. Há um núcleo sólido de praticantes de pelo menos 25% a 30% da população, e fora isso uma franja em que boa parte pode ser convertida em um núcleo mais sólido também. Então, dificilmente cai abaixo de 40% e possivelmente se manterá em torno de 50% da população.

O que aconteceu com a Igreja Católica para ela chegar a esse patamar?

Toda a religião que já foi obrigada por lei, como no Brasil, perde adeptos quando isso muda. É inevitável porque ela se acostumou mal a não ter concorrência. Primeiro, ela não sabe como reagir, e depois vai descobrindo aos poucos. A gente vê isso no caso da Igreja Católica, mais notoriamente a questão da renovação carismática. É o método de combater o fogo com o fogo. E não é por acaso que a renovação carismática é uma forma de catolicismo que se originou nos Estados Unidos, onde sempre foi minoritária e teve que absorver certas características, entre aspas, protestantes. Foi bem apropriado que esse tipo de catolicismo se desse bem no contexto brasileiro no momento em que a Igreja aqui começou a enfrentar essa concorrência de verdade.

Alguns demógrafos argumentam que em 244 cidades e que em dois estados, o Acre e Rondônia, os evangélicos já predominam, o que indicaria que esse fenômeno pode ocorrer no resto do país.

Bom, o Acre hoje é o Brasil de amanhã? Em outros sentidos não é. Por que seria em termos religiosos também? A gente sabe que economicamente não é o Brasil do amanhã. É uma parte que reflete uma série de coisas. O Brasil agro tem importância econômica, mas em termos demográficos, não. Seria absurdo a gente imaginar que todos os espaços do Brasil vão acabar em porcentagens iguais de cada religião em algum momento no futuro e pensar, portanto, que o estado tal já chegou lá, e os outros vão acompanhar.

Como o senhor viu o aumento de 1,4 ponto percentual de pessoas sem religião?

Para mim, a maior surpresa do Censo foi o crescimento pífio do sem religião. Estava prevendo um crescimento de alguns pontos a mais. E isso merece toda uma investigação.

Havia uma sensação de que o Brasil apresentava indícios de secularização em nível individual. Em 2010, o Brasil estava crescendo economicamente em um ritmo acelerado e parecia que se tornaria um país de renda média. Se isso tivesse se concretizado, talvez tivéssemos um índice um pouco mais alto de sem religião. E será que a pandemia não impactou também? O efeito da crise sanitária nisso é uma coisa a pensar também.

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