Nas ciências sociais, há um conceito chamado de “path dependence”, que explica como o desenvolvimento de um sistema ou processo é influenciado por sua história. É como se o destino fosse explicado pelos passos dados e os caminhos escolhidos. E, ao que parece, as mulheres gestantes têm uma responsabilidade ainda mais séria: as escolhas de estilo de vida durante a gravidez têm efeitos de longo alcance no neurodesenvolvimento da criança.
“Sabemos da importância de um estilo de vida saudável durante a gestação como forma de prevenção de doenças em crianças. Mas um estudo finlandês recente mostrou que o estilo de vida materno e fatores como dieta, nível de adiposidade, diabetes mellitus gestacional e sintomas depressivos/ansiosos durante a gravidez têm efeitos de longo prazo no desenvolvimento motor da criança até os 5 ou 6 anos de idade”, explica o ginecologista e obstetra Nélio Veiga Junior, mestre e doutor em tocoginecologia pela Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas. O estudo foi publicado em março no Clinical Nutrition Espen.
No estudo, as crianças foram testadas quanto ao desempenho motor, incluindo habilidades motoras finas (precisas e detalhadas como as que envolvem os pequenos músculos das mãos, dedos e pulsos) e grossas (potentes e coordenadas como as que envolvem braços, pernas e troncos) e equilíbrio, bem como quanto a possível transtorno de coordenação do desenvolvimento.
“Todas as mães que participaram do estudo estavam com sobrepeso ou obesidade com base no índice de massa corporal na gravidez. A composição corporal das mães foi medida usando pletismografia por deslocamento de ar e o diabetes gestacional foi diagnosticado através de teste oral de tolerância à glicose, a curva glicêmica. A ingestão alimentar durante a gravidez foi avaliada com um questionário de consumo de peixe, e os padrões alimentares, que foram divididos em duas categorias — saudável e não saudável, determinados a partir de diários alimentares”, explica o médico.
Das crianças que participaram do estudo, 14% foram diagnosticadas com transtorno de coordenação do desenvolvimento na idade de 5 a 6 anos. “Esse número é quase três vezes maior do que a prevalência média do transtorno entre a população geral de crianças. Esse estudo é o primeiro a examinar o transtorno do desenvolvimento da coordenação em crianças cujas mães tiveram sobrepeso ou obesidade durante a gravidez”, explica o médico. Os pesquisadores também descobriram que crianças cujas mães tinham maior massa de gordura corporal ou porcentagem de gordura corporal estavam em maior risco de transtorno de coordenação do desenvolvimento na idade de 5 a 6 anos.
“Com base nas descobertas, parece que uma maior quantidade de gordura corporal durante a gravidez da mãe se reflete no pior desenvolvimento motor da criança. Essa piora pode ter consequências como aprendizagem e desenvolvimento mais lento do que outras crianças da mesma idade, dificuldade de comunicação ou socialização e dificuldades para falar ou atrasos na fala. Por esse motivo, as mães devem redobrar a atenção quanto ao estilo de vida durante a gravidez”, completa o médico.
O estudo também descobriu que uma dieta materna mais saudável no início da gravidez foi associada a um melhor desenvolvimento motor na criança, especialmente em habilidades motoras brutas aos 5 e 6 anos de idade. “Uma associação semelhante foi encontrada entre o consumo materno de peixe e as habilidades motoras finas e brutas da criança. Uma dieta saudável inclui alimentos versáteis, como vegetais, frutas, pão de centeio e peixe, que fornecem vitaminas e minerais importantes para o desenvolvimento da criança. O peixe também é uma fonte importante de gorduras insaturadas, especialmente ácidos graxos ômega-3, que são necessários para o desenvolvimento do cérebro fetal”, explica o médico.
“É provável que direcionar orientação nutricional pré-natal para mães com sobrepeso ou obesidade antes da gravidez beneficiaria as próprias mães, por exemplo, ao conter o ganho excessivo de peso durante a gravidez, ao mesmo tempo em que apoia o desenvolvimento motor futuro de seus filhos. Além disso, o exercício físico na gravidez pode ser um importante passo para o controle de doenças metabólicas gestacionais que também afetam a saúde do bebê”, reforça Nélio.
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