O diretor do portal de investigação jornalística Maka Angola, que é umas das 697 personalidades distinguidas com as medalhas comemorativas do 50.º aniversário da independência nacional, que vão ser entregues hoje e na sexta-feira pelo Presidente da Republica, declinou a distinção, justificando nada ter feito para a merecer.
“Felicito os condecorados que realmente deram o seu melhor por Angola e pelos angolanos. Eu nada fiz para merecer tal distinção e por isso declino-a”, disse à Lusa o ativista dos direitos humanos.
Questionado sobre o caráter simbólico desta cerimónia que se enquadra nas comemorações da independência de Angola, a 11 de novembro de 1975, Rafael Marques de Morais salientou que “a independência está a ser comemorada com cólera”.
“(São) 50 anos de independência e ainda temos surtos de cólera que ceifam centenas de vidas de angolanos, porque não há investimento no saneamento básico, não há investimento na saúde”, criticou, acrescentando que se está a celebrar o triunfo da corrupção e da má governação.
“Não é esta a forma de celebrar a independência”, reforçou, afirmando que os cidadãos hoje não precisam de celebrações, “precisam de entregas, de criação de um ambiente que lhes permita ter melhores condições de vida, ter empregos, ter educação básica para que os seus filhos tenham um futuro”.
E sem isso, “qualquer celebração de 50 anos é apenas um artificio”, vincou.
Rafael Marques afirmou igualmente que Angola atravessa uma fase “em que cada vez mais se veem atos administrativos, atos políticos, que são contra o desenvolvimento e contra a paz social”.
Deu como exemplo o facto de ser condecorado com uma medalha para o desenvolvimento ao mesmo tempo que as autoridades obstaculizam a entrega de uma escola primária, alegando falta de computadores.
Segundo o ativista, a escola construída numa zona rural próxima da capital da província da Lunda Sul, com “o esforço” partilhado da sociedade civil, organizações da sociedade civil e setor privado, não foi aceite pela direção local da educação porque “não está completamente equipada, porque faltam computadores, quando é uma zona que não tem energia elétrica”,
“Nós não entregámos uma escola, não conseguimos entregar um património construído com muito carinho, com amor por aquelas crianças, numa zona onde há muito pouco investimento na educação, porque alguma autoridade local decide que não, que tem de ter computadores, numa escola rural onde não há energia elétrica”, indignou-se.
Para Rafael Marques são “absurdos” como este que levam a questionar se a ideia de promover ou apoiar o desenvolvimento é real, já que no dia-a-dia se assiste a atos administrativos e atos políticos deste género, “ações que cada vez mais fragmentam a sociedade angolana e efetivamente impedem o desenvolvimento humano no país.
“Então não posso compactuar com isso”, frisou.
O Presidente angolano condecora nestes dois dias 697 personalidades, incluindo escritores como Pepetela, músicos como Bonga e Paulo Flores e ativistas como Rafael Marques de Morais.
Esta será a segunda cerimónia de entrega das medalhas comemorativas dos 50 Anos da Independência Nacional que se dividem em duas categorias: a classe Independência, que reconhece o contributo de figuras históricas na luta contra o colonialismo e na fundação do Estado angolano, e a classe Paz e Desenvolvimento, que distingue o papel de cidadãos na consolidação da paz e na construção do país.
Entre os homenageados na classe Independência destacam-se o escritor Pepetela (Artur Pestana), que foi também guerrilheiro do MPLA, partido no poder desde a independência; o cantor Bonga, uma das vozes mais conhecidas de Angola; o arcebispo emérito de Lubango e mediador no processo de paz, Zacarias Kamwenho; o músico Waldemar Bastos (já falecido), que viveu em Portugal e projetou a música angolana a nível internacional; e Luandino Vieira, escritor que foi também perseguido pelo regime colonial.
Na classe Paz e Desenvolvimento vão ser distinguidas personalidades da cultura, desporto e sociedade civil, incluindo José Eduardo Agualusa, escritor internacionalmente premiado; Paulo Flores, um dos cantores mais populares de Angola; o ativista dos direitos humanos Rafael Marques de Morais; Pedro Mantorras, antigo futebolista do Benfica; Eduardo Paim, conhecido como “pai” da kizomba; e Marcolino Moco, antigo primeiro-ministro.
Esta segunda ronda de homenagens – com 252 distinguidos na Classe Independência e 445 na Classe Paz e Desenvolvimento – surge meses depois de uma primeira cerimónia controversa, marcada pela exclusão de Jonas Savimbi (UNITA) e Holden Roberto (FNLA), figuras centrais na luta pela independência do país.
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