Entenda a crise diplomática entre Brasil e Paraguai: espionagem da Abin, Itaipu e impacto na conta de luz | Santiago Peña | energia | ANDE
A relação entre Brasil e Paraguai enfrenta tensões após a revelação de uma operação de espionagem conduzida pela Agência Brasileira de Inteligência (Abin). As denúncias, que vieram à tona no final de março pelo portal Uol, afirmam que a agência brasileira teria invadido sistemas de computador de altos funcionários do governo paraguaio.
Dentre os espionados, estariam o presidente Santiago Peña, membros do Legislativo, diplomatas e representantes da Administração Nacional de Eletricidade (Ande), a concessionária de energia elétrica do país vizinho.
O objetivo seria obter informações confidenciais sobre as negociações do Anexo C da usina hidrelétrica binacional de Itaipu, um tema que define as bases financeiras da maior geradora de energia da América Latina.
O governo brasileiro, liderado por Luiz Inácio Lula da Silva (PT), nega qualquer envolvimento da atual gestão nas ações de espionagem, atribuindo a responsabilidade à administração anterior, sob o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
Contudo, a justificativa não arrefeceu a indignação em Assunção, desencadeando medidas diplomáticas e investigativas por parte do Paraguai, além de uma retaliação sobre Itaipu.
Paraguai abre investigação criminal e suspende negociações de Itaipu
Em resposta, o Ministério Público do Paraguai anunciou formalmente a abertura de uma investigação criminal para apurar os fatos.
Segundo o órgão, os incidentes, caso comprovados, podem configurar crimes de acesso não autorizado a dados e sistemas de computador, bem como interceptação ilegal de informações — previstos na legislação penal paraguaia.
A investigação poderá, inclusive, levar a pedidos de cooperação internacional com o Brasil, com base na Convenção sobre Crimes Cibernéticos, da qual ambos os países são signatários.
“O Ministério Público reafirma seu compromisso com a proteção da soberania nacional e dos direitos fundamentais contra qualquer forma de interferência indevida e dará continuidade às investigações na forma da lei”, declarou o órgão paraguaio em comunicado oficial.
A reação do governo paraguaio não se limitou à esfera judicial. Em um gesto de forte descontentamento, o presidente Santiago Peña convocou o embaixador paraguaio no Brasil, Juan Ángel Delgadillo, para prestar esclarecimentos sobre o caso.
Adicionalmente, o embaixador brasileiro em Assunção, José Antonio Marcondes, foi formalmente convocado ao Ministério das Relações Exteriores paraguaio para dar explicações sobre as denúncias.
O ponto mais crítico da retaliação paraguaia foi a decisão de suspender, por tempo indeterminado, todas as negociações com o Brasil referentes ao Anexo C do Tratado de Itaipu.
O ministro das Relações Exteriores paraguaio, Rubén Ramírez, classificou a suposta espionagem como uma “violação do direito internacional” e uma “interferência em assuntos internos de um país em outro”. Ele exigiu “esclarecimentos detalhados” por parte do governo brasileiro como condição para a retomada das tratativas.
Bônus de Itaipu, inflação e aumento na conta de luz
Em meio à crise diplomática, um fator interno no Brasil ganha ainda mais relevância: o fim da incorporação pelo Paraguai do “bônus de Itaipu” nas contas de luz residenciais, o que resultou em aumento nas tarifas de energia elétrica e contribuiu para a inflação.
O bônus de Itaipu é um desconto fornecido para a conta de luz de consumidores residenciais e rurais que consomem menos de 350 quilowatts-hora (kWh) por mês. Esse desconto é possível devido ao saldo positivo da Conta Itaipu, que é repassado aos consumidores.
Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgados em março, a inflação do país em fevereiro registrou uma alta de 1,31%, impulsionada pelo aumento de 16,80% na conta de luz residencial.
A alta de 1,48% no Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) em fevereiro é diretamente atribuída ao término do repasse dos recursos excedentes de Itaipu, que concederam descontos nas faturas em janeiro — mês no qual a variação do índice foi nula.
A usina de Itaipu, sendo uma propriedade binacional, gera um excedente de energia que, conforme o Anexo C do tratado, o Paraguai é obrigado a vender ao Brasil a preços preferenciais. Historicamente, parte dos recursos dessa venda era utilizada para abater o custo da energia para o consumidor brasileiro.
Guerra do Paraguai e “velhas feridas” reabertas
A denúncia instaurou um clima de mal-estar diplomático entre Brasil e Paraguai. Em declarações à imprensa argentina, Peña expressou a “enorme preocupação” de seu governo com as notícias, afirmando que “jamais imaginaríamos que seríamos alvo de espionagem por parte de nossos irmãos, nossos vizinhos brasileiros”.
Segundo o presidente paraguaio, o caso “abre velhas feridas” da Guerra do Paraguai (1864-1870), conflito cuja marca histórica é profunda e, de acordo com ele, demonstra que “ainda existem esses sentimentos” de ódio e ressentimento em relação ao seu país.
Apesar do tom inicialmente cauteloso de Ramírez, que antes afirmou não haver provas concretas da suposta invasão, a pressão interna e a gravidade das denúncias levaram o governo do país vizinho a endurecer o discurso e adotar medidas enérgicas.
Negociações futuras, Anexo C e oposição paraguaia
A suspensão das negociações sobre o Anexo C do Tratado de Itaipu coloca em xeque o futuro do acordo energético entre os dois países. O Anexo C, que estabelece a base financeira da usina e as condições de venda da energia paraguaia ao Brasil, é um tema sensível e de importância econômica para ambos os lados.
Em 2024, Brasil e Paraguai haviam chegado a um entendimento para aumentar a tarifa que o Brasil pagará pelo excedente de energia paraguaia nos próximos três anos, além de firmarem um instrumento para modificar o Anexo C, permitindo ao Paraguai vender livremente sua energia no mercado brasileiro.
A assinatura formal desse acordo estava prevista para 30 de maio. No entanto, a crise da espionagem lançou uma sombra de incerteza sobre esse cronograma, bem como o futuro da cooperação energética.
Oposicionistas paraguaios criticaram a decisão de Peña de suspender as negociações, argumentando que a suposta espionagem deveria acelerar a revisão do Anexo C, considerada por eles uma “reivindicação popular de mais de 50 anos”.
A exigência do Paraguai por “esclarecimentos correspondentes” por parte do Brasil põe o governo Lula em uma posição delicada: reconhecer a espionagem, mesmo que culpando gestão anterior, pode inflamar as tensões e dificultar a retomada das negociações; enquanto negar veementemente talvez seja insuficiente para dissipar a desconfiança em Assunção.
© Direito Autoral. Todos os Direitos Reservados ao Epoch Times Brasil (2005-2024)
Crédito: Link de origem