Economia espanhola está cheia de força à custa da imigração. Portugal podia aprender e ganhar com isso
Especialistas avisam que Portugal tem de apostar em políticas de integração para conseguir os frutos que Espanha está a retirar da sua abertura à imigração. Do lado de cá da fronteira há um problema: só os imigrantes podem construir a solução para um problema que bloqueia a sua própria vinda para Portugal
Multiplicam-se os elogios a Espanha. Em 2024, viu a economia crescer 3,2%, em contraciclo com o que se passa na Alemanha ou em França.
Na imprensa internacional, vários artigos vincam um dos fatores determinantes: a “abordagem diferente” em relação à imigração e o alerta deixado pelo primeiro-ministro Pedro Sánchez. “Espanha precisa de escolher entre ser um país aberto e próspero, ou um país fechado e pobre”, disse.
A imigração teve efeitos claros: puxou o desemprego para o nível mais baixo desde 2008, preencheu lacunas do mercado de trabalho, rejuvenesceu a população e financiou o estado social.
Parece-lhe familiar? Talvez porque em Portugal haja uma realidade semelhante, embora com muita margem para aprender com “nuestros hermanos”, dizem os especialistas ouvidos pela CNN Portugal.
Fique a saber que dos 468 mil empregos criados em Espanha em 2024, cerca de 409 mil foram preenchidos por imigrantes ou pessoas com dupla nacionalidade, vindas sobretudo da América Latina. O Banco de Espanha já calculou que a imigração deu um contributo de 20% para o crescimento registado entre 2022 e 2024 em Espanha.
Exemplos concretos do que Espanha está a fazer
O plano do governo espanhol para acelerar a legalização de imigrantes não tem estado livre de críticas por parte da oposição no país vizinho. Até porque traz objetivos muito ambiciosos: dar os papéis a 900 mil migrantes em três anos, para poder responder às “necessidades do mercado laboral e das empresas espanholas”, justifica o executivo.
O documento, que está em fase de consulta pública, foi apresentado no último trimestre de 2024. E prevê que a legalização possa ser feita a partir de três pilares: trabalho, formação e família.
Além das tentativas de redução de burocracia e de prazos para tratar dos processos, o plano aposta num aumento de período de procura de trabalho de três meses para um ano, dando uma margem maior para que os imigrantes encontrem emprego em Espanha.
Para os estrangeiros que façam a sua formação em Espanha, o caminho para a integração laboral também é facilitado. Podem começar logo a trabalhar, no máximo de 30 horas semanais, enquanto estudam.
O acesso é também facilitado para os imigrantes que já tenham um familiar com nacionalidade espanhola. O que se procura é a reunião familiar, mesmo de casais que não sejam casados ou não tenham uma união de facto.
Realidades semelhantes na Península Ibérica
Em 2024, a economia portuguesa cresceu 1,9%, o dobro da União Europeia. E também por cá, se não fossem os imigrantes – com destaque para os brasileiros – os resultados não seriam tão animadores. Porque esta nova população está a suprir necessidades de mão de obra, a estimular o consumo e a reforçar as contas da segurança social. Em 2023, por exemplo, os imigrantes deram um saldo positivo acima dos 2.000 milhões de euros à segurança social.
“Em Portugal também estamos a sentir isso, mas não com a mesma intensidade de Espanha”, atesta o economista Filipe Grilo e professor na Porto Business School.
“Estamos no mesmo padrão de crescimento. A aprendizagem é mútua, talvez a ritmos diferentes. Os imigrantes que estão a chegar são imigrantes laborais. Não têm feito crescer o desemprego, o que significa que estão a encontrar trabalho. Chegam como trabalhadores, mas também como consumidores, já que gastam o seu dinheiro num conjunto de atividades”, junta o sociólogo Pedro Góis, professor na Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, que tem estudo esta questão das migrações.
Em Portugal, os imigrantes já são mais de um milhão. Têm entrado, anualmente, mais de 100 mil. E há vários estudos a garantir que essa escala é para manter – ou mesmo para reforçar – se o país quiser continuar a ver a sua economia a crescer, rejuvenescer e garantir a sustentabilidade da segurança social.
Ainda assim, em contraste com Espanha, e embora reconheça a importância desta mão de obra para manter muitos setores da economia a funcionar, Portugal apertou recentemente as suas regras em relação à imigração. O primeiro-ministro Luís Montenegro alinhou-se com o discurso político que está a ganhar força na Europa para defender que o país não pode ter as “portas escancaradas”.
“Se acharmos que a imigração ultra facilitada nos vai resolver o problema, corremos o risco, por exemplo, de máfias e de problemas no campo da habitação”, avisa o economista Gabriel Leite Mota, também professor no Instituto de Sociologia da Universidade do Porto.
Se precisamos, porque não recebemos mais? O obstáculo da habitação
Se a nossa economia precisa deles, se ainda não há o número suficiente para colmatar todas as necessidades, porque é que não recebemos mais imigrantes? Além da abordagem ideológica do atual Governo, para os especialistas é claro: não temos condições para os acolher de forma digna e sem pressionar ainda mais os serviços públicos.
“Entre 2013 e 2023, os preços das casas subiu 83% em Portugal. Em Espanha, foi menos de 30%. Como podemos acolher imigrantes se não temos habitação para os acolher? Isto não nos permite em Portugal ter um quadro de maior abertura para os receber, a não ser que aceitemos tê-los com pouca ou nenhuma dignidade”, resume o economista João Rodrigues dos Santos, coordenador da área de Economia e Gestão da Universidade Europeia.
Catarina Reis Oliveira, professora no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa e ex-diretora do Observatório das Migrações, assegura que não há falta de interesse de imigrantes que querem vir para Portugal trabalhar. O que há são bloqueios: desde logo, os obstáculos no processo de legalização que os deixa numa situação precária e impede, por exemplo, de aceder a empregos que exigem deslocações ao estrangeiro.
“Não acho que a imigração não queira Portugal. O que acho é que a imigração não teve resposta em Portugal”, afirma, lembrando as dificuldades com o colapso e extinção do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), bem como a alteração recente nas políticas de imigração feitas pelo Governo de Montenegro. “Em bom rigor, a filosofia de Espanha era a que tinha Portugal nos últimos anos”.
Em Espanha, há soluções em curso para reagir a esta realidade: é o caso da maior cadeia de hotéis, a Meliá, que anunciou que está a investir na compra de propriedades para acomodar trabalhadores sazonais. Está assim a tomar uma medida “radical” para conseguir trabalhadores: pagar-lhes o alojamento. Isto porque o grupo se tinha visto forçado a alojar alguns funcionários em quartos de hotel para evitar que se demitissem e não conseguia encontrar alternativa no mercado de arrendamento das zonas mais rentáveis, uma vez que muitos apartamentos estavam convertidos em alojamentos locais.
Impasse difícil de ultrapassar
É um verdadeiro impasse. Portugal precisa de imigrantes para suprir as necessidades na economia, para rejuvenescer a população ativa e o país, para estimular o consumo e garantir uma segurança social mais sustentável. Mas o país não tem as condições necessárias para recebê-los. Para criá-las, por exemplo, na construção de novas casas, seria precisa mão de obra imigrante, perante as lacunas sentidas no setor da construção civil.
“Estamos a hipotecar o desenvolvimento do país porque temos um défice de população ativa. Por exemplo, no Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), tivemos de pedir uma reprogramação. Diria que estamos perdidos num labirinto, quase sem saída”, aponta João Rodrigues dos Santos, que insiste na necessidade da entrada de imigrantes para que o país não “definhe”.
Uma das soluções, segundo os especialistas, passa por uma responsabilização das próprias empresas de construção civil, fornecendo habitações temporárias que vão permitir acomodar os trabalhadores que o setor tanto necessita para produzir e ajudar a contrariar um problema estrutural de Portugal.
Salários: a nivelar por baixo?
A discussão também se coloca em Espanha, onde há esforços para garantir que os imigrantes não ocupam apenas trabalhos que exigem poucas qualificações e com salários baixos. A lógica é simples: se os imigrantes estão dispostos a aceitar salários mínimos ou próximos disso, as empresas poderão sentir-se tentadas a manter a fasquia por baixo.
“Há sim o risco de nivelar por baixo. Não podemos pensar na imigração como um tapa-buracos em certos setores ou funções onde não há disponibilidade de mão de obra”, avisa o economista Gabriel Leite Mota.
“Com os salários que pagamos em Portugal, só vamos conseguir atrair imigrantes pouco qualificados. São os que se ajustam às necessidades. Isso também é hipotecar a sustentabilidade do país. Vamos continuar a empurrar a produtividade da economia portuguesa para níveis inferiores. E uma conjuntura dessa é propícia à fuga de talentos”, completa o economista João Rodrigues dos Santos.
“Quando há mais pessoas disponíveis para trabalhar, o poder negocial das empresas aumenta. Se tivessem dificuldade em contratar, o único movimento que poderiam fazer era aumentar salários”, conclui o economista Filipe Grilo.
Catarina Reis Oliveira avisa que não se deve ver “o imigrante como o bode expiatório de contextos que são subjacentes”, lembrando que também os portugueses que emigram se sujeitam a condições que muitos não encaram como atrativas nos países de destino.
A especialista defende que é necessário “analisar a realidade migratória” que já existe para identificar trabalhadores “sobre qualificados”, como profissionais de saúde, que poderiam ser reencaminhados para cobrir outras necessidades que Portugal também tem.
Já o sociólogo Pedro Góis considera que Portugal está a receber “imigrantes com qualificação suficiente para fazer crescer novos negócios, nomeadamente no setor do turismo”. Quanto a salários, acredita que os setores com maior necessidade de mão de obra intensiva, como a agricultura, terão de fazer ajustes para conseguir captar os trabalhadores que precisam. “Até porque há imigrantes a mudar de setor porque são mais bem remunerados”.
Como garantir que a integração não agrava a pressão no país (e os discursos populistas)
Integração é palavra de ordem, do lado de lá da fronteira, mas também do lado de cá. Porque sem essa integração, há o risco de alimentar guetos e discursos populistas como os que ganham força na Europa, dizem os especialistas.
Integrar significa também que os imigrantes são distribuídos por todo o território nacional, não se concentrando apenas nas áreas urbanas, pressionando ainda mais a falta de habitação e a resposta dos serviços públicos.
“Na generalidade dos territórios, essa integração não é feita. Tem de haver uma adaptação dos serviços do Estado a estas novas realidades. Começaria pela base, tendo mediadores, que fazem a ligação entre a comunidade e estas novas realidades. Não discordo, de todo, que haja alguma regulação, porque isso também permite dignidade. Se há uma enxurrada de pessoas a irem para pequenos concelhos, por exemplo, isso causa um grande constrangimento no curto prazo”, descreve João Almeida, coordenador da associação Rural Move, que trabalha na integração de imigrantes em territórios rurais.
Para o economista Gabriel Leite Mota, essa integração deve ser “conjugada com políticas educacionais, de mobilidade, de regionalização”. “Somos um país muito centralizado. Se conseguirmos políticas que permitam uma ocupação do espaço de forma mais homogénea, também evitamos essa pressão”, diz.
O problema, alerta o economista Filipe Grilo, é que uma grande fatia da atual imigração está a ser absorvida pelo setor do turismo, cujas atividades se desenvolvem sobretudo à volta das grandes cidades como Lisboa e Porto.
“Temos de preparar o país para esta população. Fomos desconstruindo a presença do Estado em muitas regiões do país, que ficaram despovoadas. Temos agora de fazer o processo contrário, projetando um país para o futuro”, conclui o sociólogo Pedro Góis.
Portugal pode ganhar mais em Espanha (e com o seu novo parceiro, a China)
Espanha é o principal destino das exportações portuguesas. E quando os outros dois principais clientes, França e Alemanha, dão sinais de preocupação, deveria Portugal tirar partido da energia que vive a economia vizinha? Os especialistas concordam que sim: Espanha pode ser uma tábua de salvação para Portugal.
“Podemos aprender com Espanha, até pelas ligações económicas com a China. Espanha está a reorientar-se para novas geografias”, aponta João Rodrigues dos Santos.
A Stellantis, com a chinesa CATL, vai construir uma fábrica em Saragoça. Também a chinesa Chery International anunciou que se vai instalar em Barcelona. São oportunidades para a indústria portuguesa de peças automóveis quando a economia do principal cliente neste setor, a Alemanha, está em contração.
“Temos essa oportunidade de nos ligarmos aos espanhóis. E isso pode dar-nos uma oportunidade. Poderíamos era ter feito ao contrário, captando nós esse investimento”, aponta o economista Filipe Grilo.
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