Salomé e outras cinco amigas dedicavam-se apenas à agricultura e pecuária, mas aprenderam a nadar e, agora, vão à praia (de piso rochoso) todos os dias, ver se a maré trouxe algas para transformar em biofertilizantes, explicam à Lusa, enquanto avançam contra as ondas.
Já sem medo de entrar, arrastam pela água cestos de rede que, pouco a pouco, vão ficando cheios.
O meio ambiente agradece e o complemento à atividade agrícola pode fazer a diferença entre Moia Moia se transformar numa aldeia fantasma da ilha de Santiago ou haver uma luz ao fundo túnel.
O projeto AMMAR, sigla em língua cabo-verdiana que significa “Alga Mar Mudjer Agrikultura Resiliensia”, arrancou há quatro meses para “dar novo valor aos recursos marinhos, com foco nas algas, e empoderar as mulheres e comunidades agrícolas rurais”, explicou Edita Magileviciute, presidente da Associação Cabo-Verdiana de Ecoturimo (Eco-CV), motor do projeto, juntando diferentes parceiros internacionais com a comunidade.
Além do grupo de Moia Moia, há outro em Praia Baixo, a poucos quilómetros, com mais sete mulheres.
“Começámos por levar as mulheres ao mar, a molhar os pés, depois com água até ao joelho” e o processo foi avançando, “até já usarem máscaras e barbatanas. Aprenderam a nadar, com muito orgulho”, descreve Edita.
Não saber nadar é o reflexo de uma comunidade com vista para a praia, mas de costas voltadas para o oceano, lugar convencionado para homens pescadores e pouco mais.
“Em Cabo Verde, a maioria das pessoas não se interessa muito pelas questões do mar”, explica Wlodzimierz Szymaniak, docente da Universidade Jean Piaget de Cabo Verde, parceiro do projeto, dedicado ao desenvolvimento de ações de literacia oceânica.
Ainda há “muito trabalho para fazer”, refere, esperando que o projeto sirva de exemplo sobre como as comunidades se podem envolver com o mar, uma premissa para o progresso, visto que o Atlântico representa quase 100% do mapa do arquipélago.
Desde o século XX que há registos de utilização de algas como biofertilizantes na agricultura das ilhas, mas o processo nunca vingou e é aqui que entra o conhecimento e experiência da Universidade de York, no Reino Unido, para limitar o recurso a petroquímicos e melhorar a qualidade dos solos afetados pelas secas recorrentes nas ilhas.
“É um processo simples, testado, e temos colaborado com países nas Caraíbas, onde o sargaço é um problema sério”, explica Leonardo Gomez, investigador da universidade britânica, em frente a dois panelões com água quente, nas instalações do projeto.
O grupo de mulheres de Moia Moia separa e aquece algas selecionadas, conforme a espécie, para uma primeira lavagem, sendo que – após a fase de testes – a água será usada como fertilizante líquido e o produto dará origem a composto sólido.
“O que é interessante neste projeto é articulação entre as algas, a agricultura, as mulheres e o campo científico”, apontou, no meio do grupo, munido de termómetros para avaliar a temperatura da mistura.
A azáfama continua, em redor dos panelões e das algas: será esta uma apresentação especial para impressionar os parceiros, no dia em que foi possível juntá-los em Moia Moía, ou o projeto conta mesmo com participantes comprometidos?
“Acho que é essa a diferença, é que a comunidade está envolvida desde o início,” em vez de se forçar uma ideia estrangeira, apontou Lindsay Stringer, investigadora de York, com carreira académica na área das relações humanas com o ambiente.
No caso, analisa perfis, avalia a influência do projeto e perspetiva o impacto sócio-económico, tendo em conta algo, por vezes, subvalorizado: “não estão só a aprender a nadar ou a conhecer as algas, mas também a adquirir competências de comunicação e de resolução de conflitos”.
No grupo de Moia Moia, todas são mães e todas contam com o apoio dos maridos e companheiros.
“Sabem que somos mulheres batalhadoras”, descreve Salomé Ferreira, pronta a tirar dúvidas sobre algas no Facebook: “Começámos a publicar fotos e muitas pessoas perguntam-nos o que é isto”.
“Desistir? Não”, diz, explicando que, mesmo quando o projeto terminar, querem ganhar as bases para o grupo evoluir de forma autónoma em todo o processo, desde a apanha, no mar, até à comercialização – fase que se seguirá aos atuais testes de produção.
“Todos os dias vamos ver se há muitas algas ou não”, mobilizando-se por telemóvel, para algo que lhes dá saúde.
“É um trabalho leve, divertido, em que vamos ao mar, fazemos exercício físico e desabafamos umas com as outras. Estamos contentes”, resume.
O projeto é um rasgo de vivacidade numa aldeia de onde muitos saem à procura de melhores condições de vida e rendimento.
“Moia Moia está quase no fim, mais de metade já foi para Portugal. A vida está difícil, há pouca água para a agricultura, a pesca também não dá resultados e todos os jovens pensam em emigrar”, relata.
O tema não é fácil, tira os sorrisos das caras e, em silêncio, traz lágrimas aos olhos de algumas mulheres do grupo.
Agora há um sonho sob a forma de algas, reconhece Salomé.
“Calculamos que possa servir para o nosso futuro”, diz, com uma resposta pronta, quando questionada sobre se não vão emigrar: “nós ficamos aqui, para resolver os problemas”.
Lusa
Crédito: Link de origem