Abre-se assim o calendário das próximas duas semanas – de 14 a 25 de maio – em que Cannes será palco do maior festival cinematográfico do mundo, que lhe serve de estandarte há 77 anos. Curtas e longas-metragens integrarão as secções competitivas, bem como a Seleção Oficial e a Quinzena dos Cineastas – ambos programas não competitivos, paralelos ao festival – num ano histórico para o cinema português, de legado e de luta, para fazer frente à maquinaria que pesa sobre os seus cineastas.
Grand Tour, de Miguel Gomes (22 de maio), é um regresso, 18 anos depois, à principal competição e candidato à Palma de Ouro. Mau por um Momento, de Daniel Soares (24 de maio), concorre pelas curtas-metragens e Miséricorde (20 de maio), uma coprodução francesa, espanhola e portuguesa, tem estreia mundial na secção Cannes Première, integrando a seleção oficial do festival.
Na Quinzena dos Cineastas, dia 23, têm exibição os filmes Quando a Terra Foge, de Frederico Lobo, e O Jardim em Movimento, de Inês Lima. As Minhas Sensações São Tudo o Que Tenho Para Oferecer, de Isadora Neves Marques (20 de maio), foi selecionado para a competição da Semana da Crítica, e seguiram ainda Algo Viejo, Algo Nuevo, Algo Prestado, coprodução entre a Argentina e Portugal e, por último, A Savana e a Montanha.
A Savana e a Montanha
De Paulo Carneiro – Quinzena dos Cineastas, dia 18
Recuamos ao início. Em 2020 Paulo Carneiro viu um vídeo, filmado por um popular da localidade de Covas do Barroso, no distrito de Vila Real, que o impressionou. Viam-se os caminhos que as máquinas da britânica Savannah Resources, encarregada da prospeção de lítio na região, haviam aberto. As marcas na terra eram prelúdio para o que seria uma reconfiguração total da zona, do modo de vida das gentes, com a abertura da maior mina a céu aberto da Europa, e a razão para que fosse urgente resistir.
Decidiu viajar até à terra, começou a criar vídeos para a página da associação Unidos em Defesa de Covas do Barroso mas percebeu que era no cinema que estava a amplitude da luta. Afinal, esta é uma realidade “sobre a qual as pessoas nas cidades não têm ideia”, diz à SÁBADO.
O filme, a sua terceira longa-metragem, depois de Bostofrio, où le ciel rejoint la terre (2018) e Via Norte (2023), é o retrato de “uma luta que se faz na secretaria”, com pessoas “que se sentiam derrotadas” mas que, como na ficção, “renascem e mostram toda a sua força”. Recusa o rótulo de cinema ativista, porque “o que ganha aqui é o gesto de cinema, que não tem a fórmula especulativa do filme ativista”, e diz-se agradecido por constar na lista do festival, mas não quer deixar de falar de uma outra luta, esta, também por detrás das câmeras.
“Cannes é uma área restrita, claro que é bom fazer parte mas é preciso ter capacidade. Ficámos quase em último lugar no concurso de apoio à finalização do filme, é irónico. Óbvio que estou muito contente, é um passo muito grande para alguém que quer continuar a fazer filmes mas estamos muito frágeis porque a presença requer um cash flow grande, tudo custa muito dinheiro”, começa por dizer.
O filme é um retrato da luta dos habitantes de Covas do Barroso contra a exploração de lítio
D.R.
“Estamos a pedir que nos emprestem dinheiro, as minhas preocupações passam por pagar tudo para que a cópia consiga chegar, portanto ainda não aceitei completamente que estou em Cannes. Existe um apoio do Instituto do Cinema e do Audiovisual (ICA) para ir a estes festivais mas só o recebes muito tempo depois. Se tivéssemos tido este apoio à finalização, não estaríamos nesta situação. Vamos meio coxos, não conseguimos mostrar o filme no mercado porque cada exibição custa €1.200. Estou a endividar-me, é meio triste mas espero conseguir ter retorno. O filme tem apoio da Câmara Municipal de Boticas e do Instituto de Cinema do Urugai, foi assim que o conseguimos fazer, sem apoio do ICA”.
As Minhas Sensações São Tudo o Que Tenho Para Oferecer
De Isadora Neves Marques – Semana da Crítica, dia 20
Quarta curta-metragem da realizadora, que em 2022 recebeu um Tigre no festival de cinema de Roterdão por Tornar-se um Homem na Idade Média, obra que também constou da seleção do Indie Lisboa, o filme retrata a visita de Lourdes à casa de campo de Vicente e Carl, os pais, para lhes apresentar a namorada.
Decorrida ao longo de um fim de semana, a trama do filme debruça-se sobre o conceito de família, as diferenças de classe, o isolamento psicológico e a alienação, explorando a forma como Lourdes e Lana se conheceram através de um comprimido que lhes permite aceder às sensações e pensamentos de outras pessoas.
Grand Tour
De Miguel Gomes – Seleção Oficial, Competição, dia 22
Regresso de um filme português à competição oficial do festival, 18 anos depois de Juventude em Marcha, de Pedro Costa, Grand Tour marca também o regresso de Miguel Gomes ao certame e é um dos mais aguardados pela crítica.
Produzido por Filipa Reis, com Gonçalo Waddington e Crista Alfaiate – Edward e Molly – nos principais papéis, além de Manuela Couto, Jani Zhao e Diogo Dória, tem como pano de fundo o continente asiático no ano de 1917, mais concretamente Rangum, na antiga Birmânia, e dois noivos que paralelamente procuram fugir e encontrar-se.
Segundo a sinopse oficial, “Edward, um funcionário público do Império Britânico, foge da noiva Molly no dia em que ela chega para o casamento. Nas suas viagens, porém, o pânico dá lugar à melancolia. Contemplando o vazio da sua existência, o cobarde Edward interroga-se sobre o que terá acontecido a Molly… Desafiada pelo impulso de Edward e decidida a casar-se com ele, Molly segue o rasto do noivo em fuga através deste Grand Tour asiático.”
Quando a Terra Foge
De Frederico Lobo – Quinzena dos Cineastas, dia 23
Coprodução portuguesa e espanhola, a curta-metragem, que levou seis anos a completar, foi rodada na raia transmontana. É apenas o terceiro trabalho enquanto realizador de Frederico Lobo, depois do documentário Bab Sebta (2008, com Pedro Pinho) e de Revolução Industrial (2014, com Tiago Hespanha), que desta feita se aventurou totalmente a solo no processo.
“Entre o nevoeiro, num pleno labirinto do tempo, onde máquinas sondam as profundezas geológicas da montanha, um pastor vai em busca de uma vaca tresmalhada e a infância encontra o seu regresso. A Serra transforma-se, o ciclo continua”, resume a sinopse.
O Jardim em Movimento
De Inês Lima – Quinzena dos Cineastas, dia 23
Homónima do conceito criado pelo paisagista francês Gilles Clément para designar tanto um tipo de jardim em que as espécies vegetais se podem desenvolver livremente como uma filosofia de jardim que redefine o papel do jardineiro, a curta-metragem da setubalense Inês Lima tem nos exteriores o seu forte.
“Acompanhados por duas guias botânicas, um grupo de caminhantes embarca numa viagem pelas paisagens deslumbrantes do Parque Natural da Arrábida. À medida que exploram as diversas espécies deste ecossistema, observam neste lugar uma transformação inquietante, não pelo curso natural do tempo, mas pela orquestrada apropriação da presença humana”.
O Jardim em Movimento marca também a estreia profissional da realizadora, cujo trabalho foi já apresentado em festivais nacionais e internacionais como a Cinemateca Portuguesa, o Museu MALBA (Argentina) ou o Centro Cultural Tabakalera (Espanha).
Ângelo de Castro, Ana Luísa Martins e Margarida Paias são os protagonistas
Agência da Curta Metragem
Mau por Um Momento
De Daniel Soares – Competição de curtas-metragens, dia 24
“O dono de um atelier de arquitetura participa com a sua equipa num team-building. O evento corre mal e o arquiteto é confrontado com a realidade do bairro social que estão a gentrificar”. Eis a estrutura do mais recente trabalho de Daniel Soares, produzido por O Som e a Fúria e Kid With a Bike.
Argumentista e fotógrafo, estreou-se no cinema em 2021 com a curta-metragem O Que Resta. Em 2022 participaria na Locarno Spring Academy onde viria a formular o seu segundo trabalho, Please Make It Work, sobre uma portuguesa emigrada na Suíça, empregada de limpeza, que procura lidar com o seu chefe, com a filha e com os ventos montanhosos.
O filme conta com a participação de João Villas-Boas, Ana Vilaça, Isac Graça e Cláudia Jardim
D.R.
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