Defesa dos cinco jovens nigerianos deportados de Cabo Verde vai apresentar queixa-crime

Cinco cidadãos nigerianos foram deportados de Cabo Verde na quarta-feira, 16 de abril, após passarem três dias retidos na ilha do Sal. Os representantes legais do grupo, que prestaram assistência jurídica desde o primeiro dia, consideram que o caso tem várias ilegalidades e preparam uma queixa-crime contra o Estado.

O caso remonta ao domingo passado, dia 13 de abril, quando um grupo de cinco jovens nigerianos desembarcou na ilha do Sal, proveniente de um voo do Senegal. Conforme explicam tanto um amigo dos jovens como o representante legal, os cinco pretendiam passar duas semanas de férias em Cabo Verde, com visita a quatro ilhas do arquipélago: Sal, Fogo, Santo Antão e São Vicente.

O fotógrafo cabo-verdiano Vadú Rodrigues, amigo da storyteller e ativista Sherifat Abimbola Ogundairo, uma das integrantes do grupo, onde também estavam Oghenero Adaware, David James Udoh, Lily Dada e Jesutomi Aina, todos entre os 25 e os 31 anos, conta que no domingo por volta da hora do almoço (nos EUA) recebeu um telefonema online da amiga a contar que “alguma coisa estava a acontecer com a polícia em Cabo Verde e que não estavam a deixar os amigos dela passar a fronteira nem a ativista estava a entender bem o que se passava”.

A versão é corroborada pela defesa dos jovens que foi acionada ainda no domingo através de amigos cabo-verdianos e que conta que tentou acalmar os viajantes ao chegar no aeroporto. Segundo explica a defesa, antes da chegada do representante legal terá alegadamente havido um episódio de agressão, tendo Abimbola Ogundairo “ficado com a cara inchada e partido os óculos”, “após ter sido imobilizada”.

A defesa admite que pode ter havido tensão de ambas as partes, com os jovens que acabaram por se revoltar com a recusa de entrada mas também pela forma como se sentiram tratados, devido à falta de zelo da polícia que terá respondido também de forma brusca.

A defesa explica que ao que tudo indica as duas jovens, Lily e Abimbola, foram separadas do grupo e levadas para a esquadra, onde terão ficado sem os passaportes e os telemóveis. Mais tarde, nessa noite de madrugada, Abimbola Ogundairo (ver foto) tentou novamente entrar em contacto com o amigo Vadú e pedido ajuda.

Segundo a defesa, só no início da tarde de segunda-feira que os representantes legais foram informados da situação por um agente policial que terá alegado que as jovens não queriam estar no aeroporto e foram levadas para a esquadra, mas salienta a mesma fonte que “não estando detidas não tinham que estar nesse estabelecimento policial”.

Os representantes legais explicam que a partir desse momento só conseguiram contactar com os jovens via telemóvel (que terão sido devolvidos) e foram informados que era necessária uma autorização superior para que a defesa pudessem falar com os jovens pessoalmente, algo que não aconteceu até agora.

Os jovens terão sido ouvidos na terça-feira na esquadra local sem a presença de um advogado, mas já com um tradutor, e que os representantes legais não foram autorizados a fazê-lo.

Por alegadamente não ter apresentado uma motivação para a viagem, os cinco acabaram por ser deportados nesta quarta-feira no voo com destino a Dakar, onde foram recebidos, segundo fonte próxima do processo, por representantes da embaixada da Nigéria no Senegal.

Apesar de no comunicado da Direção de Estrangeiros e Fronteiras (DEF) estarem quatro motivos de recusa, na notificação de recusa de entrada consta, segundo a defesa, apenas que os jovens não conseguiram provar a finalidade da viagem a Cabo Verde, algo que a mesma fonte rebate categoricamente. Diz que os jovens estavam na posse de bilhetes ida e volta (chegada a 13 e regresso a Dakar seria a 27 de abril num voo da Air Senegal), de bilhetes para a ilha do Fogo, com partida a 15 de abril, e depois para São Vicente e Santo Antão, além de reserva efectuada e paga na sexta-feira, dia 11, para cinco pessoas num dos hoteis de Santa Maria, na ilha do Sal, e depois uma reserva de hotel no regresso da ilha de São Vicente antes da partida para o Senegal.

Todos tinham dinheiro, cartões Visa e Mastercard e pediram para ir ao multibanco, para que pudessem mostrar o saldo que tinham na conta (…) inclusive há um deles que ainda foi ao multibanco e que levantou 30 mil escudos. E pediu para mostrar o saldo que tinha na conta”, explica e alega que a polícia não terá mostrado interesse nesse facto.

A defesa diz ainda que este processo contém algumas ilegalidades seja a nível do motivo de recusa, seja porque as pessoas foram levadas para a esquadra mas se “não estão detidas e não lhes foi dada ordem de detenção não têm motivo para serem ouvidas (na esquadra)”.

Depois surgem as acusações de agressão (há fotografias que comprovam o caso, segundo a defesa) e dizem que se trata de uma violação de direitos humanos, tendo já sido feita queixa à Comissão dos Direitos Humanos.

A mesma fonte está ciente de que existem requisitos legais para entrar no país, mas que partir do momento que os requisitos estão preenchidos (os viajantes apresentaram bilhetes de passagem, reservas de avião, etc.) e tendo em conta o acordo de livre circulação entre os países da CEDEAO, que “refere que quando existe acordo entre os países, as pessoas podem apenas apresentar o documento de identificação”, não se justifica o motivo da recusa.

Também questionam o que terá levado à apreensão dos passaportes dos jovens, algo que só pode acontecer em casos de indícios de documentação falsa “o que em momento algum foi indicado”.

Os representantes legais confirmam que após a recusa de entrada o grupo era para ter regressado no mesmo avião a Dakar, ou seja no domingo. “Só que eles é que recusaram regressar naquele dia porque sentiram que estavam a ser injustiçados”.

Queixa-crime

A defesa dos jovens afirma que vai avançar com uma queixa-crime devido às agressões físicas, pelos danos causados, tantos morais como não morais, patrimoniais e não patrimoniais, que vai visar os agentes e o Estado de Cabo Verde e estão a ponderar apresentar uma queixa formal sobre o caso na CEDEAO.

Questionados sobre as possíveis implicações legais para estes jovens depois desta deportação, a defesa acredita que como o motivo de recusa foi porque não conseguiram provar a finalidade da viagem “não se está a falar de um crime”.

A defesa admite que poderá ter havido alguma falta de entendimento desde o início do processo por parte das autoridades locais mas salienta que “não houve interesse em analisar os documentos corretamente“.

DEF afirma ter seguido trâmites legais e nega racismo institucional e violência

As autoridades nacionais, nomeadamente a Direção de Estrangeiros e Fronteiras, DEF, publicou ontem, dia 16, um comunicado de 27 pontos, no qual garantiu que seguiu todos os trâmites legais, rejeitou categoricamente as acusações de racismo institucional e sublinhou que o país é “plural e acolhedor”.

A DEF esclareceu que sete cidadãos nigerianos, oriundos do Senegal, foram impedidos de entrar em Cabo Verde no dia 13 de abril de 2025, por não cumprirem os requisitos legais de entrada. Entre os motivos apresentados pelas autoridades estão a ausência de provas de meios de subsistência, falta de reservas de alojamento válidas e inexistência de termo de responsabilidade assinado por um residente no país.

Destes, cinco passageiros terão pago, adianta a mesma fonte, entre 2.000 e 2.400 dólares americanos a uma suposta organizadora da viagem, também passageira, que apenas dispunha de “400 dólares, um cartão bancário inválido e uma reserva de hotel de duas noites para apenas três pessoas“. O grupo pretendia permanecer 14 dias no país, mas não apresentou garantias para tal, declara a DEF.

As autoridades vão mais longe e afirmam que “há indícios de exploração económica e da confiança por parte de um dos indivíduos, relativamente aos demais do primeiro grupo de passageiros“. A DEF referiu que, após a recusa de entrada, os passageiros causaram desordem no aeroporto, recusando embarcar de volta a Dakar e duas mulheres foram identificadas como “instigadoras” e separadas do grupo temporariamente por razões de segurança e confirmam que os passageiros regressaram ao Senegal no dia 16 de abril.

A DEF afirma ainda que os jovens foram sempre tratados com respeito, que lhes foi garantida alimentação, cuidados de saúde e acesso a telefone, e que não há qualquer evidência de violência policial, “conforme demonstra o circuito interno de videovigilância do aeroporto”.

Face às acusações de racismo, a DEF negou qualquer motivação discriminatória e reiterou “que Cabo Verde é um país plural, inclusivo, que acolhe todos os que escolhem viver ou visitar o país, desde que cumpram com as leis e os procedimentos, não estando em causa a nacionalidade das pessoas, mas as condições com que se apresentam perante a fronteira.”

A mesma fonte alega que, em 2024, apenas 0,04% dos passageiros, de 59 diferentes nacionalidades, foram impedidos de entrar no país, e que cidadãos nigerianos continuam a visitar Cabo Verde regularmente.  Contudo, os números de cidadãos aos quais foi recusada a entrada tanto em 2024 como em 2025 é superior à média citada. “Em 2024, (…) em relação aos cidadãos de nacionalidade nigeriana, entraram no país 1.495 passageiros, tendo sido recusada a entrada a 28”, o que dá cerca de 1,8 %, e “desde o início do ano (2025) e até à presente data, foi autorizada a entrada a 699 cidadãos nigerianos no país (*um número quatro vezes maior do que no período homólogo de 2024), tendo sido recusada a 80”, o que dá cerca de 10%.

Repercussão do caso

O caso que chegou às redes sociais no início da semana através de dois artistas cabo-verdianos amigos dos envolvidos e gerou mobilização e repercurssão, especialmente após a divulgação de denúncias de alegada discriminação e ilegalidades no processo.

O governo de Cabo Verde também já reagiu “sobre a recusa da entrada em território nacional a cidadãos da Nigéria, no dia 13 de abril, na fronteira aérea da ilha do Sal” e partilhou o comunicado da Direcção de Estrangeiros e Fronteiras (DEF).

Entretanto, o caso ganhou repercussão na Nigéria. ​Segundo vários órgãos de comunicação social nigerianos, a Comissão dos Nigerianos na Diáspora (NiDCOM) emitiu um comunicado oficial onde expressou a sua preocupação com a detenção dos jovens, tendo pedido a sua libertação (comunicado foi emitido antes da deportação dos mesmos) e também “apelou às autoridades cabo-verdianas para que tratem os turistas com respeito e dignidade“.

Segundo o site da Channels TV, avança que a NiDCOM comunicou o incidente ao Ministério dos Negócios Estrangeiros da Nigéria e à Direção Consular e de Migração.

Balai Notícias

 

Crédito: Link de origem

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