De volta à vida real? Aprenda estratégias para gostar da sua rotina

Mesmo para quem não saiu de férias, janeiro e fevereiro têm um ar diferente. Algum hormônio está à solta, um aroma distinto circula no ar, a temperatura convida a desacelerar a rotina, fazem-se mais planos com amigos… Algo especial acontece nesses dois primeiros meses do ano. Mas, as crianças voltam às aulas, passa o carnaval e, no calendário, chega março. Aquele mês que impõe que agora sim o ano está valendo. Todos os projetos que foram procrastinados agora precisam ser acelerados. Tudo parece voltar à “normalidade”, como se essa fosse a palavra que define o que não são férias e, ao mesmo tempo, divide águas entre o que é divertido e o que não é.

O cineasta Woody Allen disse certa vez que “a realidade cotidiana pode ser muito deprimente. Assim, as pessoas têm uma necessidade imperiosa de buscar um sentido para suas vidas, de se agarrar à ideia de que há algo especial esperando por elas em algum lugar”, o que, em termos das épocas do ano, se divide entre o rooftop de janeiro e fevereiro e as catacumbas dos demais meses.

É possível que as férias e feriados sejam o único momento perfeito?

— É uma armadilha mortal acreditar nisso – diz Maritchú Seitún, psicóloga especializada em acompanhamento familiar –, porque, se for assim, vivemos mal a maior parte do ano. Criamos uma expectativa altíssima para esses dias de férias que depois se torna impossível de cumprir.

Por isso, segundo ela, é tão dramático que as férias e o carnaval terminem, não apenas pelo que fizemos e vamos sentir falta, mas pelo que não conseguimos fazer e teremos que esperar mais onze meses para que aconteça. A especialista alerta para a influência da sociedade de consumo para que não nos tornemos vítimas:

— Nem tudo o que sonhamos é realmente nosso desejo, mas sim um contágio de publicidades e telas que gastam fortunas para conquistar nossos anseios — avalia.

Em um discurso quando era presidente dos Estados Unidos, Barack Obama disse: “A melhor maneira de não se sentir desesperado é levantar-se e fazer algo. Não espere que coisas boas aconteçam com você. Você deve sair e fazê-las acontecer”.

Será que é possível encontrar uma maneira de se deixar seduzir pelo dia a dia? Em uma entrevista ao jornal The New York Times, Steve Jobs, o criador da Apple, certa vez afirmou: “Nos últimos anos, tenho me olhado no espelho todas as manhãs e me perguntado: ‘Se hoje fosse o último dia da minha vida, eu gostaria de fazer o que vou fazer hoje?’. E sempre que a resposta foi ‘não’ por muitos dias seguidos, soube que precisava mudar algo”.

Uma pesquisa recente do Imperial College de Londres realizada com sua própria comunidade de pesquisadores revelou que 62% deles não trabalhavam na função de sua preferência, mas, entre esses, 43% ainda se sentiam satisfeitos por terem encontrado outros atrativos compensadores. Entre os frustrados otimistas, 56% consideravam essa situação um passo prévio para um futuro mais satisfatório, enquanto 44% haviam escolhido uma atividade paralela que lhes proporcionava tanto prazer que equilibrava o descontentamento de não estarem onde gostariam.

— A vida está longe de ser perfeita – explica Nejra van Zalk, diretora do Laboratório de Psicologia do Imperial College – Com a ambição de torná-la perfeita, criamos cenários que nos colocam em situações idílicas que, quando vividas, estão longe de ser ideais.

Héctor Fernández-Álvarez, criador do modelo cognitivo integrativo em saúde mental da Fundação Aiglé, na Argentina, afirma que entendemos e organizamos a realidade por meio dos significados.

— Quando atribuímos um significado à nossa experiência, entendemos intelectualmente e emocionalmente, mas também julgamos o que é bom e ruim em cada situação. Isso quer dizer que temos pensamentos e sentimentos sobre as situações que vivemos, mas além disso, as avaliamos como boas ou más — afirma a psicóloga Marina Belén González.

As férias podem ser esse tempo para o qual criamos muitas expectativas de prazer.

— Quando elas não são cumpridas, isso também gera uma frustração que se estende ao resto do ano — completa van Zalk.

Em 2020, Jason Crawford publicou o livro “O Problema do Reencantamento”, no qual explica que “nosso mundo se desencantou e precisamos reencantá-lo”. Ele argumenta que esse toque de magia não requer uma tecnologia específica ou políticas sociais, mas sim “uma forma individual de ver o mundo e se relacionar com ele”.

Na verdade, van Zalk sugere que “quem olha o mundo com curiosidade e encontra satisfação no que faz, mesmo que não seja o ideal com que sonha, é porque dedicou tempo a observá-lo com um olhar ativo, interessado, comprometido em encontrar a face que nem sempre se revela. É porque assimilou a magnífica beleza dos detalhes, como a natureza ou o prazer de uma boa companhia, e abriu a mente para essas possibilidades”.

Nossa realidade é uma projeção de nossa mentalidade, “uma construção de nossa percepção, moldada por nossos pensamentos e crenças”, acrescenta Fleur Corbett, também especialista do Imperial College.

—Tentar reduzir a interpretação do que nos acontece ao átomo do presente, em vez de dimensioná-la em grande escala, pode ser uma maneira de realmente nos conectarmos com o que vivemos e detectar os pequenos milagres diários.

Para a Universidade de Oxford, a satisfação pessoal se equilibra com base em duas variáveis. Um estudo sobre o tema realizado há alguns meses com uma comunidade de profissionais entre 25 e 50 anos, aponta para a necessidade de equilíbrio entre projeção e presente.

Os cientistas conseguiram identificar algumas variáveis que podem ajudar a construir uma percepção do mundo que nos aproxime desse equilíbrio.

— Na maioria das vezes, quando falamos em tomar consciência do aqui e agora, nossa natureza neurocerebral nos faz destacar o lado negativo. Mas, na realidade, mudar essa perspectiva é bastante simples. Basta exercitar a valorização do que há de positivo ao nosso redor — explica Matthew Rushworth, um dos responsáveis pela pesquisa. Anotar dois ou três acontecimentos relevantes e positivos do dia é uma prática amplamente difundida entre psicólogos, neurocientistas e coaches.

Chrystalina Antoniades, professora de neurociência clínica de Oxford e coautora do estudo, sugere algumas outras estratégias.

— Estabelecer uma intenção matinal relacionada a um prazer específico em alguma parte do dia pode fazer diferença. Quando você impõe ao cérebro uma determinada direção, assume o controle, em vez de permitir passivamente que o dia simplesmente passe por você — afirma.

— Acontece de não trabalharmos com o que gostamos e, às vezes, ficamos presos às nossas obrigações familiares — relata Seitún. — Lembro de ter reclamado muito, até que um dia reavaliei tudo o que fazia e, para minha surpresa, retomei tudo com uma nova atitude. Saí do “tenho que” para dizer “eu escolho e quero”. Isso tornou muito mais fácil manter as rotinas. Não acontecia comigo no trabalho, porque amo o que faço, mas o mesmo vale para quem não gosta do que faz. Ainda assim, escolheria de novo, porque é isso que permite sustentar a família, tirar férias ou alcançar outros objetivos que só são possíveis por meio do que fazemos.

O estresse pós-férias não é reconhecido como um diagnóstico psiquiátrico, mas “o corpo sente os efeitos da transição entre a liberdade das férias e a volta à rotina”, alerta a psicóloga Silvia Álava Sordo. Algumas condições podem agravar essa diferença.

— Se o descanso não proporcionou uma verdadeira desconexão, seja porque a pessoa continuou ligada ao trabalho ou porque não fez o que realmente queria, pode surgir a necessidade de mais tempo livre — explica Ayelet Fishbach, professora da Universidade de Chicago.

Para a psicopedagoga Mariana de Anquin, o problema da volta à rotina é o que ela chama de “poço da amargura”.

— Quando retornamos a um ambiente desagradável, sentimos que nossa vida se resume a uma sequência interminável de “tenho que”. No entanto, é possível sair desse estado ao mudar a perspectiva: aceitação não é conformismo. É um ato de poder.

A motivação nem sempre surge sozinha, “é preciso buscá-la internamente”, acrescenta González, “valorizando os aspectos positivos da nossa rotina e os motivos pelos quais escolhemos nossas ocupações”.

Todos os especialistas concordam que é importante manter ao longo do ano algum ritual das férias, como “uma noite de jogos em casa, um passeio de bicicleta aos sábados… Algo que tenha sido prazeroso pode se tornar uma válvula de escape para renovar as energias”, sugere Seitún.

Como dizia Vincent van Gogh: “O grande não acontece por impulso, mas é uma sucessão de pequenas coisas que se unem”.

Três estratégias para o dia a dia

  • Seja grato. “Agradeço o que tenho enquanto busco o que quero”, sugere Mariana de Anquin.
  • Faça planos. “Os bons momentos não devem ficar restritos às férias”, afirma Silvia Álava Sordo. “Podemos buscá-los sempre.”
  • Organize sua agenda. “As experiências gratificantes não acontecem por acaso, é preciso reservar um espaço para elas na semana”, conclui Marina Belén González.

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