
O cenário global dos investimentos em tecnologia vive hoje uma transformação importante: empresas buscam reduzir radicalmente os custos legados para financiar o futuro da inovação. No entanto, no Brasil, enfrentamos uma realidade bastante particular: enquanto no mercado internacional há um debate entre CFOs e CIOs sobre gastos excessivos com software, cloud e infraestrutura, nosso cenário é diferente. Os executivos de tecnologia brasileiros ainda têm uma autonomia que, por vezes, não é acompanhada por uma visão financeira alinhada às melhores práticas globais.
Lá fora, essa discussão já amadureceu, com empresas impondo reduções drásticas dos custos de TI. Uma pesquisa recente da Constellation Research aponta que muitas organizações ainda pagam caro por sistemas legados e por softwares como serviço (SaaS), sem um retorno à altura. Esse desalinhamento fica ainda mais claro no Brasil, especialmente diante da realidade econômica local: taxas de juros elevadas, alta volatilidade cambial e custos dolarizados.
A particularidade do mercado brasileiro
Aqui, o dinheiro é mais caro e isso impacta diretamente os investimentos em tecnologia. Ao adquirir soluções em dólar, as empresas enfrentam custos flutuantes e imprevisíveis, pressionando ainda mais o orçamento anual destinado à inovação. Muitas organizações se vêem presas em ciclos de renovação contratual com fornecedores internacionais que reajustam preços em dólar, sem garantir entregas proporcionais em inovação ou eficiência operacional.
Além disso, a dependência de sistemas ERP legados continua sendo um desafio significativo para as empresas brasileiras. De acordo com a 5ª edição da pesquisa Panorama Mercado de Software de 2024, divulgada pelo Portal ERP, mais de 71% dos usuários de sistemas ERP relataram que seus softwares de gestão necessitaram de adaptações, personalizações ou customizações para atender às demandas específicas de processos e regras de negócios de suas empresas. Entre os participantes da pesquisa, 39% relataram que seus sistemas de gestão tiveram de passar por alguma customização e outros quase 32% responderam que muitas adaptações foram realizadas. No Brasil, esse desafio é ainda mais agravado pela inflação cambial e pelos custos dolarizados, que pressionam os orçamentos e limitam investimentos em áreas estratégicas como inteligência artificial, automação e inovação digital. A manutenção desses sistemas legados restringe a flexibilidade necessária para integrar novas funcionalidades e responder às mudanças do mercado em tempo hábil, destacando a urgência de revisar modelos operacionais e modernizar o ambiente de TI de maneira estruturada.
Investimentos mal feitos: onde estão os erros?
Na minha experiência liderando iniciativas tecnológicas, observo que muitas empresas brasileiras têm investido de forma pouco racional. Entre os erros mais comuns está o famoso “lift and shift” para a nuvem, que nem sempre gera eficiência esperada. Simplesmente migrar aplicações legadas para ambientes de cloud, sem a devida otimização, resulta frequentemente em custos ainda maiores. Outro erro comum é a manutenção eterna de contratos onerosos com fornecedores de ERP e software, que consomem boa parte do orçamento sem entregar melhorias significativas ao negócio.
No Brasil, mais que nunca, o foco deve ser em ROI imediato e tangível. O dinheiro, caro e limitado, não permite extravagâncias tecnológicas sem benefícios claros e rápidos. Precisamos romper o ciclo de investimentos tradicionais e caros em tecnologia ultrapassada, realocando verbas para iniciativas mais estratégicas.
Como fazer investimentos mais racionais?
Primeiro, é essencial analisar cada investimento em tecnologia com base no resultado efetivo para o negócio. Em vez de manter sistemas legados extremamente caros, que drenam recursos apenas para sustentar operações antigas, devemos olhar para o suporte independente, otimização dos sistemas existentes e abordagens mais pragmáticas à inovação tecnológica.
Segundo, é importante respeitar uma regra prática que recomendo frequentemente aos clientes: nunca gastar mais de 60-70% do orçamento anual em manutenção e operação. Os 30-40% restantes precisam ser direcionados à inovação. Esta prática exige disciplina e visão estratégica, mas é o único caminho sustentável para competir globalmente sem sacrificar resultados financeiros.
Por fim, diante da imprevisibilidade do dólar, recomendo uma avaliação cuidadosa das soluções locais ou híbridas, com estratégias que permitam reduzir a exposição cambial, adotando modelos de suporte e contratos que possam ser precificados em reais ou, ao menos, protegidos contra flutuações excessivas da moeda.
O futuro: como alinhar o Brasil às tendências globais?
O mercado global já aponta para uma redução radical dos custos legados de tecnologia como caminho para financiar a inovação em IA e transformação digital. O Brasil não pode ficar de fora dessa tendência, especialmente diante das restrições cambiais que nos impõem desafios adicionais.
É papel dos líderes de TI, ao lado dos CFOs, buscar modelos mais inteligentes e ágeis, adaptados à realidade econômica brasileira. Não podemos replicar integralmente os modelos de investimento globais sem considerar o impacto da taxa cambial e do custo do capital local. Cada real investido precisa gerar retorno claro e imediato, garantindo equilíbrio entre eficiência operacional e inovação tecnológica.
Na Rimini Street, temos acompanhado empresas brasileiras que vêm adotando esse modelo com sucesso, reduzindo drasticamente seus gastos com sistemas legados e realocando essas economias para inovação efetiva. O resultado tem sido positivo não só no balanço financeiro, mas também na capacidade real dessas empresas de competir globalmente.
No fim, racionalizar os investimentos está além de uma estratégia financeira inteligente; é um passo decisivo para o futuro da inovação tecnológica no Brasil.
Helio Matsumoto, Chief Technology Officer da Rimini Street na América Latina.
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