Crescimento acima de 7% deve ser incentivo para fazer melhor

Numa conjuntura em que é rara uma boa surpresa, a notícia na semana passada do crescimento do PIB em Cabo Verde em 7,3% acima dos há muito almejados 7% foi bem-vinda. Já não se trata de taxas do PIB que resultam da recuperação económica em 2021 (7%) e em 2022 (15,8%), depois da violenta recessão que tinha levado à contracção da economia de 20,8% em 2020.

É uma taxa do PIB que, depois de um suposto regresso à normalidade de um crescimento próximo do potencial, em 2023, (5,4%) e em linha com as projecções do FMI e de outras instituições para os próximos anos, deixa perceber a existência de alguma capacidade de crescer mais, se submetido ao estímulo certo, no caso, ao aumento do número de turistas para cerca de um milhão e duzentos mil.

A satisfação face aos dados publicados não deve obscurecer o facto de que o turismo continua a ser o principal motor do crescimento da economia e que por essa razão entre outras urge diversificar a economia para diminuir a vulnerabilidade do país em caso de choques externos, particularmente os que podem afectar o fluxo turístico. Em 2020, a paralisação das viagens internacionais devido à pandemia da covid-19 precipitou Cabo Verde numa das maiores recessões registadas a nível mundial. O grau de vulnerabilidade então revelado deverá sempre servir de lembrete para a urgência em se tornar a economia nacional mais resiliente.

Ninguém garante que na próxima crise haverá o mesmo nível de ajuda internacional que nos anos da pandemia contribuiu para mitigar os efeitos dos empregos perdidos, das receitas do Estado não cobradas e da falta de meios para lutar contra a pobreza crescente. Aliás, com a fragilização das organizações multilaterais devido ao processo de mudanças em curso no mundo não é expectável que continue a haver meios, vontade e coordenação na mesma dimensão dos anos atrás. Nem sequer persistirá o espírito de cooperação para enfrentar ameaças globais, que acompanhou o processo de globalização, no meio da guerra comercial ora desencadeada à volta das tarifas alfandegárias. Razões mais do que suficientes para não se quedar pelo regozijo actual e pela auto congratulação.

Também é preciso ter em atenção que focar na diversificação da economia significa trabalhar de forma articulada, encadeada e dirigida no sentido da consolidação de um empresariado nacional e, por essa via, tornar mais abrangente o efeito de arrastamento da procura externa na economia, com a criação de empregos qualificados, a formalização da economia e melhor distribuição de riqueza no país. Isso só será possível se houver vontade geral em identificar os obstáculos que têm dificultado as reformas indispensáveis e ultrapassá-los, em debater construtivamente as diferentes vias para se chegar a soluções viáveis e sustentáveis e compreender a urgência de se adoptar uma nova atitude em relação aos problemas do país.

Há que, por exemplo, debater que modelo de agricultura se quer para o país e não ficar só pelo esforço de mobilizar água. No mesmo sentido, que futuro se pode descortinar para a pecuária que vá além dos pequenos criadores e do espectáculo de animais a passear pelas lixeiras. A pesca precisa dar um salto e para isso é preciso equacionar como aumentar a captura não só para explorar industrialmente os recursos marinhos como também para aumentar os rendimentos dos pescadores e assegurar um futuro para as conserveiras e seus trabalhadores. Também há que direccionar o esforço de digitalização para tornar mais acessíveis, rápidos e de menor custo os serviços prestados aos utentes, da mesma forma que uma preocupação fundamental em fazer cair os preços da água e de energia deve orientar todo o investimento nas energias renováveis e na promoção da eficiência energética.

Felizmente que para a criação e a operacionalização da vontade geral necessária para avançar com mudanças de fundo leva vantagem quem já tenha arreigado um sentido de pertença à comunidade nacional e de partilha de um passado e de um futuro comum. Cabo Verde pode ter a desvantagem de ser um país arquipélago com nove ilhas, com pequena população e relativamente isolado, a cerca de 600 quilómetros do continente, mas destaca-se pelo facto do seu povo manifestar há séculos uma consciência de nação que é transversal na sociedade e a todas ilhas. Ajuda também ter sido o seu território beneficiado ininterruptamente da existência de uma administração pública largamente autóctone que facilitou a passagem sem grandes sobressaltos para a condição de país independente.

O nível de institucionalização, como diria o Prémio Nobel da Economia de 2024, Daron Acemoglu, favoreceu o país que não teve que passar pelas mesmas convulsões das outras ex-colónias portuguesas traduzidas em guerras civis de base étnica-política e nas dificuldades enormes em construir um Estado moderno e minimamente eficaz. Em África, Botswana e os países insulares como Maurícias, Seychelles e Cabo Verde, foram dos únicos a não se deixarem bloquear no seu desenvolvimento por conflitos étnicos e pela incapacidade de construir instituições que não fossem extractivas. Mesmo assim, Cabo Verde ainda teve que arcar com as deformações institucionais resultantes do regime de partido único que discriminava ideologicamente, desincentivava a iniciativa individual e o investimento e se revia na luta de classes. O facto de Cabo Verde, diferentemente dos países insulares referidos, se situar actualmente numa posição inferior entre os que se encontram na faixa dos países de desenvolvimento médio-baixo deve-se em grande parte ao atraso no crescimento resultante de oportunidades então perdidas.

Quando se se depara com um mundo em processo de mudança histórica, que tudo leva a crer não irá beneficiar os países menos desenvolvidos, é fundamental que se procure identificar e, de seguida, reforçar os factores que têm-se revelado vantajosos. Nesse sentido, ganha a maior importância cultivar em Cabo Verde o espírito de união e aprofundar a institucionalização para melhor servir as pessoas, para promover o investimento e a actividade empresarial e para mobilizar a sociedade para uma aposta forte e consequente no capital humano. Um combate permanente deve ser feito contra as tendências que, pelo exacerbar de questões identitárias ou apelos a novas formas de luta de classes, provocam erosão social e prejudicam a coesão nacional num momento que hoje muitos já classificam do fim de uma era.

Claramente que, se outrora o mundo não esperava por ninguém, muito menos vai acontecer agora que a ordem internacional existente desde há oitenta anos está a desmoronar-se. A satisfação em saber que o país está a crescer acima do esperado não deve, pois, levar à complacência nem a optimismos excessivos. A boa nova deve, sim, constituir um incentivo maior para se construir uma base mais alargada e mais ágil para a criação de riqueza de forma a fazer o país mais resiliente e ser um factor de renovação da confiança no futuro. 

Humberto Cardoso

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1219 de 9 de Abril de 2025.

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