Como gangues aterrorizam o Peru, em uma epidemia de extorsão e violência

Jorge Tejada examinava os restos carbonizados de um ônibus no estacionamento perto de sua empresa de reciclagem em Lima. Ele havia sido incendiado durante a noite, no que os moradores disseram ser uma retaliação de uma gangue que extorquia empresas de ônibus locais.

Tejada, 50, perdeu a conta de quantos ataques como esse atingiram seu bairro no ano passado. Explosivos detonados em bodegas. Restaurantes crivados de balas. Seu próprio pátio de reciclagem foi incendiado e danificado depois que ele ignorou a exigência de uma gangue de pagar US$ 530 por mês.

Poderia ter sido pior. Um farmacêutico foi morto a tiros atrás do balcão de sua loja e vários lojistas passaram a viver na clandestinidade, disse ele.

Cristina Yachachin, de 70 anos, posa para uma foto durante uma entrevista em sua casa em Pamplona, ​​nos arredores de Lima, em 16 de maio de 2025. O Peru está lutando contra uma onda de extorsões que levou ao assassinato de motoristas de ônibus e ao fechamento de dezenas de escolas e empresas por se recusarem a pagar proteção a gangues criminosas. Foto: Ernesto Benavides/AFP

“Esta costumava ser uma área tranquila”, disse Tejada, descrevendo como a antiga favela se transformou em um distrito oficial da capital através de décadas de trabalho árduo e organização comunitária. “Agora todos vivemos com medo aqui.”

Um número crescente de peruanos sente o mesmo. O país sul-americano está enfrentando uma onda inédita de crimes, alimentada por um aumento nos esquemas de extorsão, à medida que as gangues exercem cada vez mais controle sobre as áreas urbanas.

Os relatos de extorsão em todo o país aumentaram desde 2017, passando de algumas centenas por ano para mais de 2.000 por mês em 2025, de acordo com a polícia nacional. E o número de assassinatos por pistoleiros contratados também aumentou significativamente nos últimos anos, mostram as estatísticas.

As exigências de taxas de proteção chegam às vítimas por meio de mensagens no WhatsApp, notas manuscritas ou visitas pessoais. A retaliação contra aqueles que não pagam é feita por meio de ataques com dinamite, incêndios criminosos, ou homens armados em motocicletas que matam as vítimas nas ruas.

Marlith Bailon, 38, posa para uma foto em sua loja de roupas, que teve que ser fechada devido a ameaças de extorsionários em Lima, Peru  Foto: Ernesto Benavides/AFP

Instabilidade

A epidemia de crimes sobrecarregou as autoridades e ameaça transformar um país latino-americano relativamente tranquilo em uma fonte de instabilidade regional. O banco central alertou que uma epidemia de extorsão está sufocando a atividade econômica, e especialistas dizem que isso está contribuindo para o aumento da migração.

“O país parece estar subindo rapidamente no ranking dos países mais perigosos da América Latina”, disse Eduardo Moncada, cientista político da Universidade de Columbia que se concentra no crime na América Latina. “E essa é uma posição difícil de se estar, porque é muito difícil voltar atrás”.

Até agora, neste ano, dois jornalistas foram mortos a tiros por homens armados em locais públicos. Em janeiro, dinamite foi detonada no escritório de um promotor regional, ferindo duas pessoas. E, em março, dois homens armados atiraram no ônibus de turnê de um popular grupo de cumbia, matando seu vocalista, Paul Flores.

Marilith Bailon, de 38 anos, posa para uma foto ao lado de sua loja, que teve que ser fechada por conta de ameaças de extorsão em Lima, Peru Foto: Ernesto Benavides/AFP

Depois disso, colegas músicos, incluindo Christian Yaipén, vocalista de outra banda de cumbia, relataram seus próprios encontros com bandidos.

“É o país inteiro que sofre com isso”, disse Yaipén aos jornalistas. “Somos todos nós, no Peru, que temos que sair para trabalhar para ganhar a vida e não sabemos se voltaremos para casa vivos.”

Em um dos piores episódios de violência, os corpos de 13 garimpeiros foram encontrados em maio em um local operado pela maior empresa de mineração de ouro do Peru, um massacre que, segundo as autoridades, foi orquestrado por um líder de gangue.

Os esforços da presidente do Peru, Dina Boluarte, para combater a violência com a imposição de estados de emergência parecem ter feito pouco para controlar o crime desenfreado.

A presidente do Peru, Dina Boluarte, discursa em um evento em Nice, França
 Foto: Ludovic Marin/AFP

Boluarte, que está no poder há três anos, sugeriu que o aumento dos níveis de criminalidade é em parte resultado do grande número de imigrantes venezuelanos que chegaram ao país nos últimos anos, embora não haja evidências de que eles cometam crimes em taxas mais altas do que os peruanos.

O ministro do Interior do Peru e a polícia recusaram pedidos de entrevista. Boluarte prometeu lançar uma campanha mais dura contra os grupos criminosos. “Nossa mensagem é clara”, disse ela a jornalistas em abril. “Sob este governo, o crime não tem lugar e essa é a nossa luta diária.”

A extorsão atrai as gangues porque proporciona um fluxo constante de dinheiro e, ao mesmo tempo, ajuda a consolidar o controle sobre um território, disse Moncada, autor de um livro sobre extorsão na América Latina. “Isso permite recrutar moradores locais para que se tornem seus olhos e ouvidos”, disse ele. “Você fica conhecido pela maioria da população por meio dessa relação extrativista, e isso lhe dá muita autoridade.”

A extorsão também requer o uso frequente da violência para instilar medo e garantir a obediência. Alguns bairros de Lima foram tão abalados pelo crime que as escolas passaram a oferecer aulas online.

Uma mãe de um aluno da Escola Pitágoras, em Lima, posa para uma foto; a escola foi vitima de extorsão por parte de gangues Foto: Ernesto Benavides/AFP

Pobres são mais afetados

Os mais afetados pelas quadrilhas de extorsão não são os ricos — que vivem em enclaves seguros e podem pagar por segurança privada —, mas os trabalhadores pobres e pequenos empresários que dependem de uma força policial com falta de pessoal e que também tem sido prejudicada pela corrupção.

De acordo com reportagens da imprensa local, dezenas de policiais foram presos no ano passado e acusados de colaborar com gangues ou traficar armas e munições.

“A estratégia dos criminosos hoje é atacar as áreas mais vulneráveis. E por que as áreas mais vulneráveis? Porque lá há impunidade”, disse Jesus Maldonado, prefeito do maior distrito de Lima, San Juan de Lurigancho. Com mais de 1,2 milhão de habitantes, o distrito tem apenas 600 policiais, muito menos do que os bairros mais ricos, disse Maldonado.

Praticamente qualquer operação voltada para o público que lida com dinheiro pode ser vítima de gangues de extorsão. Lojas de ferragens, boates e até mesmo cozinhas comunitárias e abrigos para cães têm sido alvos, segundo relatos.

Cristina Yachachin, de 70 anos, olha um álbum com fotos de seu filho assassinado por extorsionistas, durante uma entrevista em sua casa em Pamplona, ​​nos arredores de Lima, em 16 de maio de 2025 Foto: Ernesto Benavides/AFP

Um motorista de mototáxi em Lima disse que ganha de US$ 11 a US$ 19 por dia, mas reserva US$ 1,30 para os bandidos. Ele disse que conhece pelo menos cinco colegas motoristas que foram mortos a tiros por resistirem às exigências deles.

Erika Solis, pesquisadora criminal da Pontifícia Universidade Católica do Peru, disse que a violência começou a aumentar no início da pandemia do coronavírus em 2020, quando os lockdowns esvaziaram as ruas e levaram os criminosos a mudar do roubo para a extorsão usando o WhatsApp.

Membros de gangues venezuelanas que chegaram como parte de uma onda migratória também contribuíram para o problema da criminalidade, disseram especialistas.

Turbulência política

Quase uma década de turbulência política, disputas internas no governo e casos de corrupção de alto nível prejudicaram a capacidade do governo de prestar serviços, incluindo policiamento eficaz. O Peru teve cinco presidentes nos últimos cinco anos.

Os críticos dizem que Boluarte e os legisladores contribuíram para a crise da criminalidade ao aprovar leis destinadas a protegê-los de processos judiciais. Boluarte está sob investigação por possíveis acusações de corrupção e violações dos direitos humanos. Ela negou qualquer irregularidade.

Uma lei relativamente nova torna mais difícil manter pessoas acusadas de crimes em prisão preventiva e reduz as penas de prisão para infratores primários.

“Está fora de controle”, disse Marita Felipe, que mora em Lima, sobre a situação da criminalidade. Seu pai, Luis Felipe, 62, foi uma das quatro pessoas mortas a tiros dentro de um micro-ônibus em outubro. Ele havia se aposentado recentemente da polícia após 32 anos e estava voltando para casa quando um homem subiu a bordo e começou a atirar.

Referindo-se ao tempo em que seu pai foi policial, Marita disse: “Em todo esse tempo, nada aconteceu com ele e então o perdemos assim”.

Carlos Saenz, um fabricante têxtil em Lima, fechou sua loja em dezembro de 2023 depois que uma gangue exigindo mais de US$ 5.000 lhe enviou fotos deixando claro que ele estava sendo vigiado. Agora, ele opera uma oficina sem sinalização pública. Ele também comprou uma arma.

“O que acontecerá se eles vierem atrás de mim novamente?”, disse ele. “Quem vai me proteger?”

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