A maneira como se protege a natureza num país é um espelho do desenvolvimento do mesmo. Em Portugal, apesar do potencial imenso para a vida selvagem, a rede de áreas protegidas é fraca e fragmentada, uma manta de retalhos onde a natureza aqui e ali sobrevive. Mas para a natureza passar de sobreviver para prosperar é preciso mais. Há boas oportunidades para dar mais, para restaurar o encanto perdido e esquecido do mundo natural, e para isso basta apenas olhar a paisagem com um novo olhar.
Uma rede de áreas protegidas é feita de paisagens vivas ligadas por corredores ecológicos, são lugares diversos, de montanhas a planícies, de rios ao mar alto, onde a vida selvagem existe tanto em diversidade como em abundância. Onde os processos naturais (como cheias ou incêndios de baixa intensidade) podem moldar a paisagem, onde a natureza tem o tempo e o espaço para se desenvolver e evoluir.
Primeiro, é preciso encontrar mais espaço para a natureza, não através do arranjo de estatísticas mas através de medidas no terreno. Em terra, o abandono da atividade agrícola em terras marginais não é um problema, é uma oportunidade. Ao juntar terrenos sem donos à compra de terras, o Estado pode tornar paisagens fragmentadas pouco produtivas para a agricultura em zonas naturais compactas que “produzem natureza”, na forma de ecoturismo e de outras formas de rendimentos, como créditos de carbono, de biodiversidade ou de nitratos.
Também é possível complementar as zonas para a natureza com o incentivo a áreas protegidas comunitárias ou privadas, tanto em zonas de baldios como em herdades (como já acontece noutros países e continentes). No mar, trabalhar com os pescadores e comunidades locais para criar zonas em que a pesca é reduzida ou alterada com o objetivo de aumentar a quantidade de peixe ao criar refúgios, tanto em zonas costeiras como em mar alto.
Segundo, é necessário reduzir barreiras e unir zonas naturais através de corredores ecológicos, o que pode ser feito de duas maneiras: uma, ao criar passagens entre zonas humanizadas, como viadutos ecológicos (como já acontece em algumas autoestradas no Norte do país para o lobo); outra, ao diminuir a densidade da pegada humana, fechando estradas em zonas naturais e removendo barragens e açudes obsoletos para unir troços de rios e ribeiros.
Terceiro, sabemos que é decisivo ajudar algumas espécies a recuperar números e a expandir a sua distribuição, através de programas de reintrodução, como é exemplo o caso mediático do lince-ibérico, mas alargados a mais espécies, desde animais, como mamíferos, aves e peixes, a plantas, tendo em conta os lugares onde existiam no passado e o impacto futuro das alterações climáticas.
Uma rede de áreas protegidas é um grupo de paisagens interligadas, em que peixes como o esturjão (hoje extinto em Portugal) podem completar o seu ciclo de vida, migrar para desovar nos rios, desenvolver-se em zonas de estuários e chegar à idade adulta em mar alto. Em que os atuns e baleias podem passar ao longo da costa portuguesa, do Algarve ao Minho, através de uma rede de áreas protegidas em que a pesca é interdita ou é limitada.
Onde as aves em migração têm uma rede de zonas húmidas de norte a sul do país. Uma paisagem em que herbívoros, como os veados, se podem deslocar ao ritmo das estações à procura de abrigo e alimento, entre zonas altas, como planaltos, e zonas baixas, como planícies.
O melhor investimento que se pode fazer hoje, num tempo de desafios ambientais, é no restauro da natureza. A receita para criar uma rede verdadeiramente funcional de áreas protegidas em Portugal não é difícil de imaginar, a vontade para a implementar é que parece difícil de encontrar.
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