Como a briga de um pequeno agricultor do Peru com uma gigante da energia alemã pode virar o jogo da justiça climática mundial | Clima

O caso, iniciado em 2015 e agora sendo ouvido no tribunal regional de Hamm, na Alemanha, pode estabelecer um precedente para litígios climáticos, processos legais movidos para responsabilizar governos ou empresas por danos causados pelas mudanças climáticas.

Lliuya, com o apoio do grupo ativista Germanwatch, exige que a RWE contribua com cerca de 17 mil euros (105 mil reais) para um projeto de defesa contra inundações de 3,5 milhões de euros (21,84 milhões de reais). “A realidade é que as geleiras estão derretendo e, infelizmente, as montanhas estão sofrendo, e isso tem consequências”, disse Lliuya em uma declaração. “É um risco para mim e para mais de 50 mil pessoas na minha cidade”.

O processo movido por Saul Luciano Lliuya contra a gigante energética alemã RWE levanta a questão crucial do princípio “poluidor-pagador”. Segundo a advogada Roda Verheyen, que representa Lliuya, a responsabilidade recai sobre aqueles que, mesmo agindo dentro dos limites legais, causam consequências inaceitáveis, como as mudanças climáticas.

Lliuya exige que a RWE contribua financeiramente para as medidas de proteção contra inundações em sua cidade, incluindo ampliação de sistemas de drenagem e ampliação de represas, dada sua responsabilidade no aumento dos riscos ambientais. Simulações mostram que a redução do nível da água no lago glaciar, por exemplo, pode diminuir significativamente esses riscos, mesmo em caso de quedas de grandes rochas ou avalanches no lago.

À rede alemã Deutsche Welle, a RWE afirmou que, pensando assim, “qualquer motorista de carro poderia ser responsabilizado”, o que consideram “legalmente inadmissível e a abordagem errada do ponto de vista sociopolítico”. A multinacional, com sede em Essen, na Alemanha, ressaltou que não possui operações no Peru, tampouco assumirá responsabilidade pelos efeitos transnacionais de suas emissões.

O processo judicial movido contra a empresa aproveita uma cláusula jurídica de ‘vizinhança’ do princípio do poluidor-pagador , permitindo que cidadãos de uma região afetada por ações de poluidores distantes busquem reparação. Segundo Verheyen, a corte alemã já reconheceu os efeitos transfronteiriços das mudanças climáticas, o que estabelece uma “relação de vizinhança global”, apesar da distância entre os poluidores e as vítimas. Para a advogada, a vitória no caso evitaria a morte de milhares de pessoas devido à falta de medidas de prevenção adequadas.

O número de litígios climáticos contra empresas tem aumentado, conforme apontado por uma análise publicada pelo Grantham Research Institute on Climate Change and the Environment, da London School of Economics and Political Science, em junho de 2024. Ao todo, segundo o relatório “Global Trends in Climate Change Litigation: 2024 Snapshot”, cerca de 230 ações jurídicas alinhadas com a mudança climática foram movidas contra corporações e associações comerciais de 2015 a 2023, sendo mais de dois terços desses casos iniciados após 2020.

O relatório também destaca um aumento nos casos de “greenwashing” (propaganda ambiental enganosa) e ações do tipo “polluter pays” (poluidor-pagador), à exemplo da impetrada pelo agricultor contra a empresa alemã, com mais de 30 casos globais buscando responsabilizar empresas por danos climáticos. Em 2023, foram registrados 47 novos casos de greenwashing, e mais de 140 casos já foram decididos a favor dos demandantes, confirmando que as comunicações de empresas sobre ações climáticas frequentemente eram enganosas.

Além disso, o relatório observa que os litígios climáticos estão se expandindo para novos países, com casos registrados pela primeira vez no Panamá e em Portugal, e destaca um aumento das ações no Sul Global, representando cerca de 8% de todos os casos registrados. Em 2024, o Brasil registrou 120 casos de litigância climática, conforme boletim do JUMA/PUC-Rio. Esse aumento reflete uma tendência global, impulsionada pela falta de respostas adequadas do setor público e privado frente à intensificação da emergência climática.

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