Chávez retorna nos braços do povo

Há 23 anos, em 11 de abril de 2002, tinha início na Venezuela uma tentativa de golpe de Estado contra o presidente democraticamente eleito, Hugo Chávez. Incomodados com as reformas sociais e econômicas e com a nacionalização das reservas petrolíferas, empresários, magnatas da imprensa e setores reacionários do Exército e da igreja se uniram para tentar depor o líder venezuelano.

A quartelada teve como pretexto os confrontos violentos ocorridos entre manifestantes contrários e favoráveis a Hugo Chávez em Caracas. O presidente venezuelano chegou a ser deposto e substituído por Pedro Carmona, líder da maior associação patronal do país.

O golpe, entretanto, teve vida curta. Os militares de baixa patente permaneceram leais ao presidente deposto e uma gigantesca mobilização popular forçou os golpistas a retrocederem. Apenas dois dias após o Golpe, Chávez seria restituído à Presidência.



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As reformas de Chávez

Hugo Chávez foi eleito presidente da Venezuela em 1998, com 56% dos votos. Sua eleição representou não apenas a profunda insatisfação popular com o modelo econômico neoliberal que vigorava no país desde os anos 80, mas também o fim do Pacto de Punto Fijo — a aliança entre os partidos políticos tradicionais que dominaram a Venezuela por quatro décadas.

Assim que tomou posse, Chávez organizou um referendo popular sobre a convocação de uma nova Assembleia Constituinte. O referendo foi aprovado por 70% dos eleitores. Por ocasião da instituição da nova ordem constitucional, o líder venezuelano submeteu seu mandato à validação popular e foi reeleito com ampla margem de votos. A coligação de centro-esquerda que apoiava seu governo obteve 120 dos 131 assentos legislativos.

O amplo apoio popular e a refundação do Estado venezuelano permitiram ao governo fazer alterações estruturais profundas. O Senado foi extinto e o legislativo tornou-se unicameral, convertendo-se em Assembleia Nacional. As prerrogativas do poder executivo foram ampliadas, dando a Chávez maior autonomia para governar por decreto.

Utilizando-se desse expediente, Chávez reconheceu os direitos civis das comunidades indígenas, instituiu o projeto de reforma agrária e nacionalizou setores da economia, nomeadamente o de hidrocarbonetos — provocando a ira de grandes petroleiras, como Shell, Chevron e a ExxonMobil, e tornando-se alvo das críticas acirradas do governo dos Estados Unidos.

A articulação golpista

As mudanças conduzidas por Chávez causaram profunda insatisfação entre os latifundiários, grandes empresários e setores conservadores da sociedade venezuelana, que começaram a articular uma reação vigorosa ao governo chavista.

Representantes das Forças Armadas, magnatas da mídia, lideranças políticas liberais e conservadoras, magistrados e setores da igreja católica também se aliaram ao empresariado para compor uma frente abertamente golpista.

No segundo semestre de 2001, empresários venezuelanos financiaram uma grande “campanha cívica” conclamando a população a aderir às manifestações antigovernamentais. Os protestos tinham ampla cobertura na imprensa escrita e na mídia televisionada, que insuflava o povo a comparecer às ruas, ao mesmo tempo em que censurava as manifestações de apoio ao governo Chávez.

Uma série de protestos foram realizados entre dezembro de 2001 e janeiro de 2002, com participação expressiva da classe média e da elite venezuelana, sob um discurso ufanista de “dever cívico” e uso abundantes das cores da bandeira e dos símbolos nacionais.

Em março de 2002, a oposição firmou o “Pacto Democrático contra Chávez”, dando continuidade às tentativas de inviabilizar o governo venezuelano.

O pacto reunia a Federação Venezuelana de Câmaras de Comércio e Produção (Fedecámaras, a maior associação patronal do país), a Conferência Episcopal, a cúpula da Universidade Católica Andrés Bello e a Confederação Venezuelana dos Trabalhadores (CTV, central sindical dirigida por opositores de Chávez).

Algumas semanas antes, os presidentes da Fedecámaras e da CTV tinham viajado para Washington, onde tiveram uma reunião com o governo de George W. Bush. Em 9 de abril, a CTV decretou uma greve geral, que contou com apoio do próprio patronato e da imprensa venezuelana. Dois dias depois, 11 de abril, CTV e Fedecámaras convocaram uma grande marcha, em que se desenrolaram os eventos que serviriam de pretexto para a tentativa de golpe.

golpe contra hugo chávez
Populares leais a Chávez se reúnem em frente ao Palácio de Miraflores, após saberem que o presidente não havia renunciado
Luigino Bracci Roa / Wikimedia Commons

As mortes na Puente Llaguno e a quartelada

A manifestação antigovernista novamente contou com a forte adesão da classe média. Os líderes dos manifestantes alegaram que a marcha teria como destino a sede da PDVSA, a petrolífera estatal venezuelana.
Contudo, o percurso foi alterado durante a manifestação e a marcha seguiu na direção do Palácio de Miraflores — a sede do governo venezuelano, onde estava ocorrendo um outro ato de apoio a Hugo Chávez.

As duas manifestações não chegaram a se encontrar, mas no caminho ocorreram vários tumultos violentos envolvendo partidários e opositores do governo Chávez, resultando na morte de 17 pessoas e deixando mais de 100 feridos.

Franco-atiradores abrigados nos prédios do centro de Caracas alvejaram manifestantes opositores e chavistas, aparentemente tentando causar uma convulsão que justificasse uma intervenção da cúpula militar. A imprensa venezuelana imediatamente responsabilizou o governo de Chávez pelas mortes e divulgou imagens que supostamente mostravam chavistas atirando contra a população no alto do Viaduto Llaguno.

O documentário A revolução não será televisionada, entretanto, publicou imagens comprovando que a rua embaixo do viaduto estava vazia e que o grupo que estava no viaduto tentava contra-atacar um sniper. No dia 12 de abril, o alto comando das Forças Armadas da Venezuela, representado pelo vice-almirante Héctor Ramíres Pérez e pelos generais Efraím Vásquez Velasco e Lucas Rincón Romero, destituíram Hugo Chávez do governo, usando como justificativa sua suposta responsabilidade sobre o derramamento de sangue do dia anterior.

Chávez foi preso e Pedro Carmona, presidente da Fedecámaras, foi instituído na Presidência. Carmona imediatamente dissolveu a Assembleia Nacional e o Supremo Tribunal e anulou a Constituição de 1999.
Ele também destituiu o Procurador-Geral da República e a Controladoria-Geral da União, e suspendeu os mandatos de todos os governadores e prefeitos eleitos.

Por fim, Carmona ordenou o fechamento das rádios e redes de televisão comunitárias. Estados Unidos e Espanha imediatamente reconheceram e declararam apoio ao governo golpista.

O golpe derrotado

Para desestimular a resistência dos apoiadores do governo, as redes de televisão divulgaram uma carta comunicando a renúncia de Hugo Chávez — um documento falso, forjado pelos golpistas. A notícia de que Chávez não havia renunciado, entretanto, começou a ser difundida “boca a boca”. Gigantescos protestos populares começaram a eclodir em todo o país após o anúncio da prisão do líder.

As manifestações foram brutalmente reprimidas, causando a morte de 19 pessoas. As redes de televisão, entretanto, censuraram as informações sobre os protestos e as mortes, buscando lugares tranquilos de Caracas para realizar tomadas ao vivo e fabricar a sensação de normalidade. Notificado pela família de Chávez de que o mandatário não havia renunciado, o governo de Cuba passou a difundir publicamente a informação de que a renúncia era falsa e alertou os governos da região através de seu corpo diplomático.

Os presidentes dos países latino-americanos, reunidos em um encontro do Grupo do Rio em San José, na Costa Rica, emitiram comunicado conjunto condenando o golpe de Estado na Venezuela, isolando o governo golpista.
A cúpula dos militares também não conseguiu mobilizar as bases. A maioria dos soldados, pertencente às classes mais baixas da população venezuelana, apoiava o governo Chávez e se recusou a continuar reprimindo as manifestações contra o golpe que se avolumavam pelo país.

Um destacamento de militares pró-Chávez retomou o Palácio de Miraflores, ao passo que outra unidade das Forças Armadas em Maracay também se rebelou contra o golpe. A forte reação popular, a condenação dos países latino-americanos e a falta de adesão das bases das Forças Militares impediram que o golpe se concretizasse.

Na madrugada do dia 14 de abril, Chávez foi libertado da prisão e reconduzido ao Palácio de Miraflores por militares leais da Guarda Presidencial, acompanhado por uma multidão de 200 mil manifestantes que cercavam a residência presidencial.

A cúpula dos militares foi inteiramente destituída e as lideranças políticas envolvidas no golpe foram presas ou processadas. A rede de televisão RCTV, que participou ativamente da articulação do golpe, perdeu sua concessão e saiu do ar em 2006.

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