Cerco contra imigrantes leva a pânico entre torcedores residentes nos EUA e segurança no Mundial de Clubes vira incógnita
W. está há quatro anos na Filadélfia, com toda a documentação em dia, mas tem evitado sair de casa para fazer serviços de limpeza. Também não se animou para ver o Flamengo estrear no Mundial de Clubes, nesta segunda-feira, diante do Espérance, com medo da atuação do Serviço de Imigração e Alfândega (ICE, na sigla em inglês) e do Serviço de Alfândega e Proteção de Fronteiras (CBP) nos jogos do torneio, que começa hoje nos Estados Unidos.
— Está feio, muito feio. A gente está muito apreensivo. Os imigrantes estão com muito medo. Hoje, nem fui trabalhar. Estão fazendo muitas batidas nas ruas, nos mercados, nos bares… Onde tem aglomeração e sabem que é de imigrante, eles vão em cima, estão pegando mesmo — conta a brasileira de Rondônia sobre a rotina de tensão constante. — Estão levando todo mundo, sem exceção. Já prenderam gente, estão pegando firme.
A angústia de W. reflete o estado de espírito de muitos estrangeiros em meio ao acirramento da repressão a imigrantes no governo do presidente Donald Trump. Milhares de pessoas foram presas e deportadas nos últimos meses, levando a protestos pró-imigração na Califórnia. Em um movimento de resposta, Trump mobilizou tropas da Guarda Nacional para reprimir os atos.
A realidade afeta imigrantes de diversas regiões, e a Fifa até agora não se posicionou de forma enfática sobre o assunto. Mas se viu obrigada a reduzir os preços dos ingressos para atrair público para o Mundial. Por conta das incertezas, muitos torcedores que compraram bilhetes para os jogos estão revendendo suas entradas.
— Um monte de gente que comprou ingresso para o jogo do Flamengo agora está vendendo com medo de que façam “batidas” lá — conta W. — Quando Trump assumiu, eles pegavam pessoas com ficha criminal. Agora, estão pegando todo mundo.
Funcionária de um bar que preparou eventos para torcedores do Flamengo na Filadélfia, A. notou a mudança de expectativa. Segundo ela, há duas semanas a animação era “enorme”. Mas a circulação de notícias, além de conteúdos de desinformação, afastou o público.
— Tinha muita gente doida para vir, mas essas fake news deixam o pessoal assustado, com medo de revistarem documentos durante o jogo. Os que vêm de fora têm documentação, mas os torcedores daqui se preocupam, porque a ICE está todos os dias pegando o pessoal — reafirma a mineira.
Ela se refere a uma notícia divulgada pela rede NBC, segundo a qual haverá fiscalização na partida de abertura, hoje, entre Inter Miami e Al Ahly, em Miami, na Flórida. A reportagem citou uma publicação do CBP nas redes sociais, já apagada, sugerindo que agentes estariam presentes durante a primeira rodada do torneio.
O maior foco dos policiais é o setor de construção civil. Trabalhadores mexicanos, brasileiros, portugueses e até japoneses foram detidos, segundo os imigrantes. Com isso, muitos funcionários que não são documentados deixam de pegar o transporte para ir às obras. As batidas acontecem nos canteiros e até em postos de gasolina. E se dão com agentes à paisana, em carros particulares. Mas os casos não se restringem a esse perfil.
— Tem uns que nem pedem registro, já deportam direto. Com documento ou sem, estão mandando todo mundo embora — diz W.
Em meio aos protestos na Califórnia, um porta-voz do ICE não respondeu a um pedido de comentário feito pela agência AFP. Já o presidente da Fifa, Gianni Infantino, disse não se preocupar com o impacto de uma possível mobilização do ICE no torneio intercontinental.
— O mais importante para nós é garantir a segurança de todos os torcedores que vierem às partidas. Essa é a nossa prioridade. Essa é a prioridade de todas as autoridades aqui. E queremos que todos que vierem assistir às partidas se divirtam — disse Infantino a repórteres num evento em Miami.
Fato é que, na véspera do início do Mundial, ainda havia ingressos disponíveis para todas as partidas do torneio, segundo a plataforma oficial de vendas. Há entradas a partir de 26 dólares (R$ 144) para a partida entre Flamengo e Espérance. O bilhete mais barato para Palmeiras x Porto, por sua vez, custa 41 dólares (R$ 227). E é possível assistir a Botafogo x Seattle Sounders por 42 dólares (R$ 232).
É possível comprar ingressos até para a grande final, mas os preços são bem mais altos. Já há setores esgotados para a partida no MetLife Stadium, em Nova Jersey, e os ingressos restantes custam a partir de 715 dólares (R$ 3.960).
A chegada de torcedores aos Estados Unidos tem se intensificado, mas o clima não é de Copa do Mundo. Apesar do cenário, o presidente da Fifa Gianni Infantino se mostrou otimista:
— Não queremos ver estádios vazios. Acredito que eles estarão bem cheios — disse em entrevista à AFP.
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