‘JAM sessions’ é o espaço de opinião semanal de João Almeida Moreira, correspondente de A BOLA no Brasil
O Brasil é o país com a maior fauna do mundo: são 130 mil espécies, cerca de 20% de toda a diversidade biológica do planeta, muitas delas de répteis. E, no entanto, entre os 430 tipos de serpentes, 292 de lagartos terrestres, 82 de lagartos subterrâneos, 38 tipos de tartaruga e seis formas de jacaré espalhados pelas selvas do país não vive nenhum camaleão. Não vivia.
A partir de dia 26, morará um, na Barra da Tijuca, Rio de Janeiro: Carlo Ancelotti, o maior camaleão, ou camaleonte, como se diz em Itália, do futebol mundial vai treinar a seleção do Brasil, o sexto país da carreira, o primeiro fora da Europa.
No último 20 de abril, após vitória do Real Madrid por 1-0 sobre o Athletic Bilbao, o treinador disse que o 4x4x2 é o seu sistema preferido. E Carletto foi, de facto, escravo do esquema que aprendeu com o mentor Arrigo Sacchi no Milan até, como conta em Quiet Leadership [Liderança Tranquila, de 2016], vetar a contratação de Roberto Baggio pelo Parma, em 1998, porque um 10 lhe baralhava o arranjo tático, e perceber que ideias demasiado fixas talvez não o levassem longe. Nascia ali o camaleão.
Em 2001/02, no Milan, já sem preconceito contra os 10, recuou um deles, Pirlo, para acomodar outros dois, Rui Costa ou Rivaldo, atrás dos atacantes. No mesmo clube, mas em 2006/07, inventou o sistema árvore de natal para caberem no onze o regista Pirlo e os incansáveis Gattuso e Ambrosini, numa primeira linha, e os criativos Seedorf e Kaká, numa segunda.
Em 2009/10 ouviu de Roman Abramovich que queria um Chelsea de ataque e como um Zelig, a personagem-título do filme de Woody Allen de 1983 que se adaptava à linguagem consoante o interlocutor, deixou a cautela italiana na gaveta e inventou um losango que ganhou, além da FA Cup, a Premier League com 103 golos marcados.
No PSG, nova adaptação e novo título, em 4x4x2, mas com Beckham a fazer de Pirlo na segunda metade da temporada. Em 2013/14, num 4x3x3 que potenciava CR7, quase lado a lado com Benzema, optou pelo canhoto Bale à direita e Di María como vértice interior no triângulo do meio-campo do Real Madrid vencedor da Champions. Em 2016/17, herdou um Bayern, de Pep Guardiola, com dois extremos brilhantes, Ribéry e Robben, e um ponta de lança letal, Lewandowski, por isso adequou-se outra vez e optou por um 4x3x3 com um trio composto por Xabi, Vidal e Thiago Alcântara no meio.
Esse trio precedeu outro, ainda mais histórico, composto por Casemiro, Modric e Kroos, que ganhou a Champions de 2021/22 com Valverde, mais fechado, e Vinícius, mais aberto, nas alas, e Benzema a 9. Com Bellingham no plantel, em 2023/24, o regresso de uma espécie de losango com o craque inglês no vértice mais ofensivo e uma dupla de ataque que pode agora reencontrar, Rodrygo e Vinícius, para ganhar nova Champions.
O que o Brasil pode esperar de Ancelotti? Os melhores em campo. Como? O camaleão saberá.
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