Capriles: Lula poderia ter feito muito mais pela Venezuela – 31/05/2025 – Mundo

Em meio a uma eleição legislativa marcada por baixa participação, repressão prévia e ausência de transparência, o chavismo voltou a assegurar o controle quase absoluto da Assembleia Nacional da Venezuela. Enquanto a maioria da oposição optou por boicotar a votação de domingo (25), o ex-candidato presidencial Henrique Capriles decidiu ir na contramão e concorrer a uma vaga no Legislativo.

Ele foi eleito e, em entrevista por videoconferência à Folha, defendeu que a abstenção “foi um presente para a ditadura” e afirmou que sua entrada no Parlamento tem como objetivo “recolocar a voz dos descontentes” na arena institucional.

Para Capriles, o silêncio da comunidade internacional após a fraude de 2024 fortaleceu Maduro. Sobre o presidente do Brasil, diz que Lula “poderia ter feito muito mais”, e que se realmente se incomodasse com a fraude “deveria ter mantido a pressão” sobre a ditadura.

Por que o sr. decidiu participar desta eleição?

Meu objetivo não era apenas entrar na Assembleia Nacional, mas fazer com que a voz dos venezuelanos descontentes voltasse ao Parlamento. Não é possível que mais de 80% dos venezuelanos rejeitem o regime e, ainda assim, sejamos minoria no Legislativo. Quis fortalecer essa minoria.

O regime cometeu fraude novamente, no último domingo?

Não foi necessário, porque a oposição entregou o resultado ao regime ao convocar a abstenção. Houve dois vencedores: a abstenção e a ditadura.

A estratégia de boicotar a votação [defendida por vários líderes da oposição, incluindo María Corina Machado] fracassou pelo menos quatro vezes no passado. E voltou a fracassar no domingo. Não podemos seguir insistindo no mesmo caminho. Não há nada de épico na abstenção.

O sr. reconhece os números divulgados pelo Conselho Nacional Eleitoral?

Claro que duvido deles. O regime está divulgando uma abstenção alta, mas creio que foi ainda maior do que o anunciado. O governo agora diz que o número de eleitores é menor do que o real.

Na realidade, há 21 milhões de eleitores na Venezuela, mas a ditadura afirma que se trata de apenas 13 milhões, que seriam os eleitores “ativos”, ou seja, os que têm o cartão da pátria [documento de identificação] e que votaram nas últimas eleições. Tudo isso para justificar uma abstenção menor. É mais uma mentira.

Esse setor da oposição que boicotou as eleições legislativas está te criticando, acha que o sr. está pactuando com o regime.

Não é verdade, sou um político e estou fazendo política. Não acredito em uma mudança radical na Venezuela que venha apenas de quem fica em casa postando críticas nas redes sociais ou de quem permanece no exílio dando entrevistas e palestras. A política existe para evitar a guerra. Se quero mudança para o meu país, me recuso a sair da política.

Sou muito crítico da oposição que vive nos EUA. Entendo que muitos foram forçados a sair do país, mas poderiam estar fazendo mais pelos venezuelanos.

O que eles fazem, por exemplo, para impedir que imigrantes venezuelanos sejam enviados para uma prisão de segurança máxima em El Salvador? Como podem se calar diante desse horror? De que servem seus aliados em Washington e junto ao partido republicano se não conseguem impedir isso?

Estão pactuando com a ideia de que todo venezuelano exilado é membro do Tren de Aragua [gangue venezuelana]. Um absurdo!

Mas o sr. não teme que, com sua participação nas eleições, se rompa a unidade da oposição que se conseguiu alcançar em julho de 2024?

Não. Muitos opositores queriam manter essa unidade, mas a verdade é que aquele plano fracassou. Não se pode defender uma unidade em torno da ideia de simplesmente não fazer nada.

Qualquer nova unidade precisa ser construída em torno da ação, da ideia de ter um plano. Não podemos ter uma unidade em torno da ideia de não fazer nada.

Mas muitos opositores estão inabilitados, ou foram pressionados a deixar o país. O sr. mesmo já foi inabilitado. Não fazer nada pode ser, também, por falta de opção.

Sim, e sou solidário a estes colegas, como sou solidário aos que estão presos. Mas, justamente porque não estou inabilitado que me vejo na obrigação de fazer algo.

O sr. sente que terá apoio popular?

A Venezuela hoje é muito diferente da que vimos em julho de 2024 [quando houve eleições presidenciais com suspeitas de fraude]. Naquele momento, os venezuelanos saíram às ruas para votar em massa, havia otimismo e esperança. Agora há um desânimo generalizado. Existe uma apatia dominando o cenário. Será um desafio para esse pequeno grupo de opositores eleitos animar as pessoas novamente.

E qual será o plano?

A ideia é tentar formar um verdadeiro bloco opositor dentro da Assembleia. Somos poucos os opositores reais —diria que somos 13. Hoje [28 de maio] teremos nossa primeira reunião para construir uma estratégia. Queremos formar uma bancada que faça oposição crítica à ditadura, distinta da falsa oposição cooptada pelo chavismo. Não seremos uma oposição light.

É um desafio enorme. As pessoas estão céticas, e com razão. Mas precisam se ver representadas, mesmo que seja por uma bancada minúscula.

Outro desafio será lutar pela liberação dos presos políticos, entre eles vários colegas com quem estive lutando junto durante todos esses anos de chavismo.

O que acha do papel dos EUA na atual situação da Venezuela?

Há venezuelanos esperançosos com a ideia de que [Donald] Trump virá resgatar a Venezuela, que derrubará Maduro. Isso não vai acontecer. Ele não quer esse papel. Essa mudança precisa partir de nós.

Trump não recebeu Edmundo González na Casa Branca porque não quer repetir a experiência com Juan Guaidó. Quem lembra de Guaidó como um caso de sucesso hoje em dia? Eu o apoiei na época, mas a empreitada toda acabou sendo um fracasso. Os EUA não apoiarão outro governo paralelo.

Não teme ser perseguido, inabilitado, até a posse?

Sim, é uma preocupação que a posse seja apenas em 5 de janeiro. Até lá, o regime pode nos perseguir ou tentar nos inabilitar. Mas vamos correr esse risco. Estou sem passaporte. Portanto, não sairei de Caracas até esse dia. Meu foco está na composição dessa oposição dentro do parlamento.

O sr. acha que o governo brasileiro deveria ter se pronunciado nessas eleições? O argumento oficial é que não é praxe pronunciar-se em eleições consideradas locais ou regionais.

Lula poderia ter feito muito mais por nós. É positivo que tenha feito críticas a Maduro na época das eleições presidenciais do ano passado. Mas, como líder regional, poderia ser mais vocal contra esse regime, que hoje governa tranquilamente. Todos se manifestaram após a fraude de 2024, mas, depois, nada mais foi feito. Maduro percebeu isso e continua no poder sem obstáculos. Se a comunidade internacional, se Lula realmente se incomodasse com a fraude, deveria ter mantido a pressão.

É um erro pensar na eleição de domingo como um processo apenas local ou regional. Ela terá impacto direto na vida dos venezuelanos, dentro e fora do país —imigrantes, exilados, presos, refugiados. Muitos deles estão na Colômbia, no Brasil, nos EUA, na Espanha e em outros países da região. Por isso, não se pode tratar essa eleição como algo pontual ou apenas interno.


Henrique Capriles, 52

Político mais jovem a presidir a Câmara dos Deputados da Venezuela, em 1999, é um dos principais opositores à ditadura venezuelana. Duas vezes candidato à Presidência, é advogado e foi prefeito da cidade de Baruta de 2000 a 2008, quando derrotou o atual ministro da Justiça do regime, Diosdado Cabello, nas eleições para o governo do estado de Miranda.

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