O Início da Quaresma e a Celebração em Cabo Verde
Após a folia do Carnaval, a Quarta-feira de Cinzas marca o início de um período de reflexão e preparação espiritual para a Páscoa. Em Cabo Verde, essa data é celebrada com profundo respeito e devoção, especialmente na ilha de Santiago, onde a tradição combina momentos de oração e penitência com um banquete repleto de sabores típicos.
A Igreja Católica orienta os fiéis a começarem o dia com jejum e oração, reforçando a necessidade de introspeção e arrependimento. Nas primeiras horas da manhã, muitas pessoas já se dirigem às igrejas para participar da missa e receber as cinzas, símbolo da fragilidade humana e do compromisso de renovação espiritual. O Padre António Ferreira, destaca a importância desse rito: “O ato de receber as cinzas nos lembra que somos pó e ao pó retornaremos, reforçando nossa humildade diante de Deus e a necessidade de mudança interior.”
Preparação para o Banquete Tradicional
Se a manhã é dedicada à reflexão, a tarde é marcada pelo convívio e pela partilha. Dias antes da celebração, os mercados municipais ficam repletos de pessoas em busca de ingredientes essenciais para a refeição. O movimento é intenso, e os feirantes aproveitam para oferecer os melhores produtos. João Lopes, comerciante no mercado de Sucupira, observa que “o interesse por peixe seco, mandioca, batata-doce, xerém, cuscuz, mel, couve entre outros aumenta muito nessa época, pois fazem parte do cardápio tradicional da Quarta-feira de Cinzas.”
Dona Júlia Tavares, moradora de Assomada, compartilha a rotina de preparação: “A gente começa a organizar tudo com antecedência para garantir que no dia não falte nada. Desde cedo, colocamos as panelas no fogo para cozinhar os pratos típicos. A refeição precisa ser farta, mas sem carne, pois é um dia de sacrifício e respeito às tradições.”
O Significado do Almoço Coletivo
Ao contrário do que acontece no jejum rigoroso de outras tradições religiosas, em Cabo Verde a Quarta-feira de Cinzas é um momento de abundância alimentar – um contraste curioso com a penitência recomendada pela Igreja. Esse costume se tornou um evento social, onde famílias, amigos e vizinhos se reúnem em um verdadeiro banquete sem carne. Entre os pratos preparados estão o xerém, peixe seco e verduras como mandioca e batata-doce, acompanhado de cuscuz de milho adoçado com mel.
A tradição tem forte significado comunitário, fortalecendo os laços familiares e sociais. “Aqui, ninguém fica de fora. Se alguém aparecer de surpresa, é bem-vindo para se sentar à mesa e compartilhar da refeição”, diz Dona Júlia, reforçando a ideia de hospitalidade que caracteriza o povo cabo-verdiano.
A Tradição ao Longo das Gerações
Embora o mundo esteja mudando e muitas tradições estejam se perdendo, a celebração da Quarta-feira de Cinzas continua firme no arquipélago. “Nós ensinamos essa prática aos mais jovens porque acreditamos que ela carrega valores essenciais, como a fé, o respeito ao próximo e a importância da partilha”, explica Dona Júlia. Muitas famílias fazem questão de transmitir o conhecimento sobre os rituais religiosos e gastronômicos, garantindo que a tradição permaneça viva por muitas gerações.
Além do aspeto religioso, essa prática também reforça a identidade cultural cabo-verdiana. “A Quarta-feira de Cinzas aqui tem um significado especial, que vai além do sentido religioso. É um momento de conexão com nossas raízes, um dia de reflexão e, ao mesmo tempo, de alegria por estarmos juntos, partilhando o que temos”, acrescenta João Lopes.
Reflexão e Comunhão
Independentemente das mudanças que o tempo traz, a Quarta-feira de Cinzas segue sendo um pilar importante na cultura de Cabo Verde. Seu significado vai além do simples ato de receber as cinzas na igreja ou de seguir as regras do jejum. A data simboliza renovação espiritual, partilha e reafirmação dos laços comunitários.
Em um mundo cada vez mais acelerado, momentos como este servem para lembrar a importância da reflexão, da conexão com a fé e da preservação das tradições. Em Cabo Verde, essa data continua sendo um dia especial, celebrado com respeito, devoção e, claro, uma mesa farta repleta de pratos típicos que contam a história de um povo resiliente e acolhedor.
Anícia Cabral – Correspondente
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