Burnout e qualidade de vida: Ele ficou doente, virou ‘CEO da longevidade’ e agora ensina executivos a dormir melhor e a meditar

Foto: Werther Santana/Estadão

Guilherme LimaCEO da Soul 8, clínica que ajuda líderes a melhorar desempenho a partir do autocuidado

Guilherme Lima acumulava conquistas na carreira no mercado financeiro quando desmaiou repentinamente enquanto trabalhava em 2017. O diagnóstico: burnout. O episódio serviu de ponto de virada para o estilo de vida que levava – mudou o sono, a alimentação e a prática de exercícios físicos. Antes chegava a trabalhar 80 horas por semana. A partir dali, abriu espaço, por exemplo, para cochilos ao longo do dia após viagens de trabalho. “Parecia estranho no início, mas quanto mais faço essas pausas, mais percebo que estou certo em fazê-las”, afirma.

Seis anos depois da descoberta da síndrome, Lima decidiu largar a trajetória bem-sucedida para ajudar outros executivos a mudar o estilo de vida.

Hoje, aos 50 anos, divide seu tempo entre o Brasil e a Austrália, onde vivem seus dois filhos, e comanda a Soul 8, clínica localizada na Vila Olímpia, zona sul de São Paulo. O espaço oferece programas personalizados para profissionais de alto escalão aprimorarem a performance por meio do autocuidado.

“A maior dificuldade dos executivos talvez seja o ideal de super-homem. Eles acham que precisam correr seis vezes por semana e fazer musculação oito vezes, senão estão falhando”, ressalta o CEO da longevidade, como é conhecido.

Confira trechos da entrevista:

Como foi o início da sua carreira?

Fiz Administração na UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro). Trabalhei um tempinho no Citibank, em seguida entrei na McKinsey (empresa global de consultoria empresarial) bem jovem, fiquei lá por 13 anos.

Sai, fiz MBA em Harvard e voltei para a McKinsey, comecei a ter uma carreira com foco internacional. Fui para Amsterdã, Espanha e para os Estados Unidos. Depois fui para o HSBC liderar a estratégia global, primeiro baseado em Londres e depois em Hong Kong. Foi uma época de muitas fusões e aquisições.

Assumi minha primeira posição no comitê executivo. Reestruturamos a região, vendemos o negócio no Brasil, e depois fui para a Ásia liderar a operação de Wealth, que era uma das áreas mais rentáveis do HSBC. Foi uma experiência muito bem-sucedida.

O que estava acontecendo na época em que teve burnout?

Em 2017, ficava em cada país por um ano e meio, dois anos, uma vida completamente insana. Eu tenho um filho de 9 anos que nasceu com um problema no crânio, ele teve várias outras complicações. Na época, deram a ele uma expectativa de vida de apenas 10 anos, foi uma situação horrorosa. Mas hoje ele está superbem.

Pesquisei tudo o que podia e encontrei o maior especialista do mundo, que ficava no Texas. Mas nós morávamos em Hong Kong. Então, a cada seis semanas, eu tinha que voar de Hong Kong para o Texas para ajustes no capacete que ele precisava usar. Ele passou por uma cirurgia com apenas oito semanas de vida e, uma vez por semana, eu acordava de madrugada para fazer teleconferência com os médicos do Texas e acompanhar o tratamento.

Isso tudo afetou minha vida pessoal. Também estava vivendo uma crise no meu antigo casamento e foi mais uma grande mudança na minha vida.

Além de tudo isso, liderava a operação do HSBC na Ásia. Estava à frente de mercados estratégicos como China, Hong Kong e Cingapura. O trabalho ia bem, mas estava me consumindo demais.

Guilherme Lima atuou por mais de 20 anos no mercado financeiro internacional.  Foto: Werther Santana/Estadão

O esporte, que sempre foi minha válvula de escape, simplesmente deixou de funcionar. Minha produtividade despencou. Sempre fui muito focado, mas cheguei a um ponto em que tinha apenas duas ou três horas realmente produtivas no dia. O resto do tempo sentia que estava apenas ‘lutando por pontos’ nas reuniões.

Guilherme Lima, CEO da clínica Soul 8

Quando você está em um negócio gigantesco, o grande perigo é que pode ser arrastado pela maré. Você entra em uma reunião atrás da outra e, se não tomar cuidado, acaba apenas reagindo, sem direcionar estrategicamente o que precisa ser feito.

No período do burnout, ganhei peso de forma desproporcional, me destruía tentando correr no mesmo ritmo de antes, sem conseguir treinar como antes.

Certo dia, estava em um auditório e desmaiei. Fui parar no hospital, tive um verdadeiro wake-up call.

Eu tinha 43, 44 anos e pensei: “Preciso me adaptar a uma nova realidade, onde não me sinto tão bem e não sou tão produtivo”. O mais interessante é que essa acabou sendo a melhor fase da minha carreira.

Você vivia uma carreira bem-sucedida. Como encarou a descoberta do burnout?

Fiquei três dias no hospital. No primeiro dia, basicamente fiz uma bateria de exames, queriam entender o que poderia ter causado o desmaio repentino. A conclusão foi de que não havia nada estruturalmente errado.

No entanto, ao analisarem os exames, perceberam que estava desenvolvendo problemas metabólicos. Por uma questão genética, havia um risco real de desenvolver diabetes.

Minha saúde cardiovascular também não estava boa. Ou seja, uma série de fatores estavam evoluindo para problemas mais sérios, algo que, cinco anos antes, era inimaginável.

Pelo contrário, até então tinha uma saúde excelente, mas, de repente, tudo começou a desandar. E aí, aconteceu algo interessante. Quando você passa por um burnout, chega um momento em que você precisa dar um basta e se perguntar: “O que vou fazer de diferente?” Para mim, essa resposta não era óbvia.

Guilherme também atribui a exaustão que vivenciou aos desafios pessoais que enfrentou.

 Foto: Werther Santana/Estadão

Não podia simplesmente mudar o contexto da minha vida. Não dava para virar para o meu filho e dizer: ‘Filhão, deu, o papai não vai mais cuidar de você’. Nem podia falar: ‘Ah, vamos dar um tempo nesse divórcio, porque agora realmente não é um bom momento’. Os problemas não desaparecem só porque queremos.

Guilherme Lima, CEO da clínica Soul 8

O que foi positivo nesse processo é que decidi encarar essa questão como um problema estrutural. Quando você enfrenta uma crise em uma empresa, arregaça as mangas e analisa tudo com o máximo de rigor. Mas, muitas vezes, não aplicamos o mesmo senso de urgência quando se trata da nossa saúde e estilo de vida.

Foi exatamente isso que fiz: tratei minha saúde com a mesma seriedade e estratégia que aplicaria a qualquer desafio na empresa. Criei um senso de urgência e usei a minha capacidade analítica para estruturar uma solução. No fim das contas, qualquer executivo está acostumado a resolver problemas complexos. Decidi aplicar essa mentalidade à minha vida.

O tempo de trabalho por semana, isoladamente, não mede produtividade de forma eficiente. Por exemplo, você pode estar no escritório, mas tão improdutivo que demora 10 minutos para ler um e-mail que levaria apenas um minuto em condições ideais.

Um ponto fundamental para mim foi perceber que, ao reduzir as horas de trabalho e melhorar a qualidade do meu sono, aumentei minha qualidade de vida. Isso impactou diretamente minha eficiência. Quando trabalhava 80 horas por semana, não era porque podia fazer mais, mas porque precisava compensar minha baixa eficiência. E, ainda assim, não ficava satisfeito com os resultados.

Guilherme Lima

Após o diagnóstico, o que mudou na sua rotina de trabalho?

Olha, mudou drasticamente. O que acontece é que não se trata do número de horas trabalhadas, mas de como você utiliza esse tempo. Vou dar alguns exemplos.

Me concentrei em ter uma equipe muito boa para me apoiar. O que realmente mudou foi a minha performance. Minha capacidade de foco aumentou.

Minha estabilidade para lidar com desafios e dias difíceis também melhorou muito. O segredo está em como você absorve esses impactos e conduz as situações de forma harmoniosa, sem perder a capacidade de inspirar. Esse é o verdadeiro desafio.

A primeira coisa que fiz foi cuidar do meu sono, que não é apenas uma questão de número de horas. Obviamente, quem dorme sete horas tem uma chance maior de ter um sono de qualidade do que quem dorme apenas cinco, mas, mesmo com cinco horas, é possível extrair o melhor possível desse tempo.

Busquei entender como minimizar interrupções e criar uma higiene do sono para realmente manter uma boa capacidade cognitiva e emocional. Esse fator, por si só, já desbloqueou vários outros.

Guilherme Lima

A segunda coisa foi a forma como comecei a utilizar o tempo dedicado ao esporte. Isso é até engraçado, porque brincava que “homem de verdade” tinha que correr pelo menos 8 quilômetros, e eu nunca andava, só corria. Mas passei a caminhar.

O dia em que entendi que andar tem um impacto maior e melhora a capacidade cardiovascular, minha visão sobre atividade física mudou completamente. A partir disso, montei uma rotina encaixada na minha agenda para maximizar o impacto.

Com esse novo estilo de vida, vieram outras mudanças?

Sempre tive o rigor de definir um horário para terminar o expediente. As viagens a trabalho são complicadas, mas o que comecei a fazer foi adaptar minha nutrição ao meu estilo de viagem. Passei a levar as refeições que queria consumir dentro do voo.

Também aprendi a gerenciar melhor minha alimentação nos períodos mais críticos, como reuniões de board o dia inteiro. Pensei em alternativas para levar comigo alimentos melhores.

Outro ponto importante é o jet lag (problemas com fuso horário). Para quem viaja para Londres com frequência, por exemplo, isso acontece bastante. Ajustar períodos na agenda para se acostumar ao fuso horário é fundamental. Bloquear duas horas no meio do dia para dormir e não se sentir culpado por isso faz toda a diferença.

Guilherme Lima diz que os executivos precisam entender que, se você não cuida do seu corpo, na verdade, está prestando um desserviço à empresa e à equipe. Foto: Werther Santana/Estadão

O fato de levar meu sono a sério foi o que me levou a essas mudanças. Uma das principais dificuldades como executivo é entender que, se você não cuida do seu corpo, da sua alimentação e não separa tempo para se exercitar e descansar está prestando um desserviço à empresa e à equipe que lidera.

Guilherme Lima

As pessoas costumam se sentir culpadas por bloquear tempo na agenda para treinar ou para dormir e se recuperar do jet lag. Mas, na realidade, é justamente isso que permite ter alto desempenho e manter a produtividade.

O sono foi fundamental. Reservo períodos no meio do dia para dormir. Parecia estranho no início, mas quanto mais faço essas pausas, mais percebo que estou certo em fazê-las.

A terceira coisa é a nutrição. Não se trata de seguir uma dieta restritiva e impraticável, mas de adotar escolhas realistas. Por exemplo, pedir comida japonesa e levar para o voo é algo totalmente viável. Dá para fazer sem grandes dificuldades.

O que motivou a decisão de largar uma carreira estável no mercado financeiro para tocar o próprio negócio?

Chegou um momento em que percebi que, para mim, a realização pessoal de desenvolver um projeto nessa área era maior do que continuar colecionando medalhas no setor financeiro. Eu já tinha conquistado medalhas suficientes, sabe?

Tive o privilégio de fazer coisas incríveis. Fui membro do comitê operacional global da BlackRock, liderei uma parte importante da operação deles na Ásia e ocupei posições de CEO global e regional. Mas sempre tive muita curiosidade e nunca consegui trabalhar com algo pelo qual não tivesse paixão.

Em 2023, saí da BlackRock e passei a me dedicar integralmente ao negócio. Estou fora do Brasil há 20 anos. Meus filhos são australianos, moramos um tempo em Hong Kong e depois nos mudamos para a Austrália. Acabei iniciando esse negócio no Brasil porque vejo um potencial imenso aqui.

Como foi convencer executivos, que geralmente enfrentam uma rotina exaustiva, a incorporar mudanças reais no dia a dia?

Mostramos o que deveriam alcançar do ponto de vista da saúde. Isso pode ser complementado com uma questão estética ou não, mas o importante é que ajudamos a tangibilizar o que querem.

A segunda coisa é altamente analítica. A gente coloca os melhores profissionais, usa a melhor tecnologia e coleta uma quantidade enorme de dados.

O foco está em pessoas que têm pouco tempo, um alto nível de responsabilidade e que precisam de escolhas eficientes para cada hora disponível. Não dá para errar. É preciso ser muito sábio em como utilizar as horas fora do trabalho para ter o melhor rendimento e estabilidade.

Agora, a terceira coisa, que acho a mais bacana, é que dá para fazer muita coisa sem precisar viver uma rotina de sacrifícios. Quando você faz as contas, entende e equilibra, percebe que existem muitas opções que cabem na sua realidade e que ainda assim são prazerosas.

Quais aspectos os profissionais de alto escalão costumam negligenciar mais em suas rotinas?

De forma geral, os desafios que as pessoas enfrentam antes de trabalhar com a gente são bem comuns. Uma coisa que faz um clique é que essas pessoas respondem muito bem a planos e metas. A partir do momento em que conseguimos estruturar isso, o impacto fica claro.

Para Guilherme, a maior falha dos executivos é negligenciar a qualidade do sono e a importância do descanso. Foto: Werther Santana/Estadão

A maior dificuldade dos executivos talvez seja o ideal de super-homem. Eles acham que precisam correr seis vezes por semana e fazer musculação oito vezes, senão estão falhando. Vejo pessoas treinando mais do que deveriam, e não sabem treinar de forma inteligente. Isso acaba gerando desgaste e, muitas vezes, lesões.

Guilherme Lima

Eu corri maratona por muitos anos e, 90% dos meus amigos estavam sempre se recuperando na fisioterapia por causa de lesões. Isso acontece exatamente por treinarem de forma inadequada, não respeitarem os limites e não entenderem a combinação entre os tipos de treino. Às vezes, menos é mais.

Inclusive, você ajuda executivos a melhorar a qualidade do sono. Isso inclui até meditação. Como vocês abordam o sono e a meditação nesse contexto?

Primeiro, se você quer perder peso ou ganhar músculo, sem sono não consegue. Então, quando você não conserta o sono, compromete a parte metabólica. A segunda parte é a parte cognitiva. O terceiro elemento é a parte emocional.

O sono REM, que é o sono com a maior parte dos sonhos, faz com que consiga mudar a sua resposta emocional a coisas traumáticas. Então, se você não tem isso, a probabilidade de tomar uma decisão impulsiva, perder a paciência ou não conseguir controlar a sua expressão facial é maior.

Guilherme Lima

Todos esses aspectos se conectam diretamente com a capacidade de um CEO. E aí, o que você faz? A primeira surpresa que as pessoas têm, em geral, é que acham que vou dizer para elas dormirem nove horas por noite. Esquece. O desafio com o sono está nas quatro fases que possui. Essas fases oscilam durante a noite, em períodos de 15 a 90 minutos. Portanto, perder 15 minutos de sono, porque foi ao banheiro, pode eliminar metade de uma fase de sono.

Buscamos entender como as pessoas caem no sono. Há também a higiene do sono, que envolve escuridão, temperatura adequada, rotina de uso de telas, etc. Ainda é possível tratar as interrupções de sono, como respiração inadequada ou picos de glicose.

Guilherme Lima ensina a executivos como a meditação pode auxiliar a qualidade do sono.  Foto: Werther Santana/Estadão

Agora, por que falamos de meditação? Uma das coisas mais importantes que acontecem entre as fases de sono são as ondas cerebrais. As ondas cerebrais durante o sono REM são mais elevadas, enquanto no sono profundo, são mais baixas. A capacidade de oscilar entre essas ondas cerebrais vai permitir que você transite mais facilmente de uma fase do sono para outra.

Guilherme Lima

Com a meditação, você começa a trabalhar de forma mais flexível entre diferentes ondas cerebrais. Em resumo, o que fazemos quando alguém entra aqui e diz: “Puxa, meu sono está ruim”, primeira coisa, meu amigo, não é a quantidade de horas. Não é isso que vou te dizer. O que importa é como você está caindo no sono.

Analisamos as informações, vemos o que está gerando interrupções no sono e trabalhamos em cima disso.

Quais são os resultados na rotina de profissionais?

Se você observar sua capacidade cognitiva, quando há um nível de sono profundo de pelo menos 60 minutos, a cognição aumenta. A quantidade de horas que você consegue trabalhar com mais foco também cresce. O seu grau de felicidade melhora.

Quando você combina uma boa saúde metabólica com um nível adequado de atividade cardiovascular, vai produzir serotonina e diminuir o nível de cortisol. Assim, toda a sua parte hormonal vai funcionar melhor. Você sabe que, na liderança de um negócio, o quanto é equilibrado e inspiracional tem um impacto imenso. Você está o tempo todo na frente de um espelho.

Eu diria que é tão simples quanto isso: você toma melhores decisões, trabalha melhor e tem uma capacidade maior de ser um líder inspiracional, porque todos os elementos metabólicos e hormonais estão funcionando no lugar certo.

Qual a sua dica para profissionais que estão buscando mudar o estilo de vida?

Investigue seu sono. Queria que alguém tivesse me dito isso antes de ter burnout. Cuide do seu sono e entenda que não é só o número de horas. Nada vai melhorar enquanto você não melhorar seu sono.

Ande. Andar é uma das coisas mais fenomenais, porque melhora a qualidade do sono, melhora o equilíbrio calórico, libera uma série de hormônios positivos. Infelizmente, existe um preconceito imenso sobre andar. As pessoas acham que andar não é esporte. Muito pelo contrário.

Terceiro: faça musculação da forma correta. Procure um profissional excepcional em musculação e faça de uma forma equilibrada.

Crédito: Link de origem

- Advertisement -

Deixe uma resposta

Seu endereço de email não será publicado.