Uma das principais apostas do Plano de Contingência Nacional de enfrentamento à dengue, zika e chikungunya está travada em Minas Gerais. Apesar de a Biofábrica Método Wolbachia, uma instalação de 1.125 m² no bairro Gameleira, na região Oeste de Belo Horizonte, ter sido inaugurada em um grande evento em abril de 2024, no auge da pior epidemia de dengue registrada no Estado, a tecnologia que promete reduzir a capacidade de infecção dos mosquitos Aedes Aegypti ainda não entrou em operação. A reportagem de O TEMPO apurou que os testes de conformidade da biofábrica foram reprovados, e o Termo de Conclusão da Obra sequer foi assinado. A tecnologia, que deveria ter entrado em operação em janeiro, já está há quase quatro meses atrasada. Até essa terça-feira (25 de março), a dengue já matou 26 pessoas em Minas Gerais, e mais de 32,4 mil casos foram confirmados só este ano.
A demora na entrega da instalação prejudica, principalmente, os moradores de Brumadinho e outros 21 municípios ao longo da bacia do rio Paraopeba, região afetada pelo rompimento da barragem do Córrego do Feijão, em 2019, e escolhida para receber os primeiros mosquitos infectados com a bactéria Wolbachia — tornando-os incapazes de transmitir arbovírus. A biofábrica faz parte do acordo de reparação da tragédia e foi construída pela mineradora Vale após um estudo da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) apontar o risco de um surto de dengue no rastro da lama, cinco anos antes da epidemia da doença no Estado. Embora a situação emergencial de saúde tenha passado, as infecções por dengue continuam sendo um problema: Brumadinho registra, em média, seis casos prováveis da doença por semana, segundo a Secretaria de Estado de Saúde (SES-MG). Minas enfrenta, ainda, a volta do sorotipo 3 da dengue, com maior risco de contágio.
A Fiocruz, responsável pelo método Wolbachia no Brasil em parceria com o World Mosquito Program (WMP), informou que a biofábrica construída pela mineradora Vale — obra com valor aprovado de cerca de R$ 20 milhões — não passou nos testes que avaliaram os parâmetros de temperatura e umidade necessários para a tecnologia. Além disso, foram identificados outros problemas na estrutura física da instalação. “Após três meses de testes, diversas intercorrências foram encontradas, impossibilitando o início da operação. Todas as informações foram devidamente repassadas aos responsáveis para que a biofábrica estivesse em condições operacionais o mais rápido possível”, afirmou.
O secretário de Estado de Saúde, Fábio Baccheretti, admitiu o caso à reportagem: “Foram identificados problemas de climatização, alguns problemas relacionados à drenagem de água, e isso está sendo consertado pela Vale, que fez a obra”, disse. Segundo a Fiocruz, devido às falhas apontadas, o Termo de Conclusão de Obra ainda não foi assinado. “Aguardamos um posicionamento da Vale e da Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais para a adoção de soluções efetivas, de modo que o World Mosquito Program Brasil e a Fiocruz possam cumprir sua missão no acordo de reparação e levar mais saúde às populações de territórios que já sofreram perdas irreparáveis”, afirma.
A mineradora, no entanto, tem uma interpretação diferente sobre as intercorrências apontadas pelos especialistas. “No entendimento da Vale, desde o início da Operação Assistida [fase de testes da Fiocruz e da WMP], a estrutura disponibilizada permanece operacional”, afirma a empresa. Segundo a Vale, os problemas identificados são “comuns” nessa etapa de avaliação e poderiam ser corrigidos paralelamente à operação da biofábrica, mesmo que a Fiocruz considere inviável até mesmo a assinatura da conclusão da obra. Ainda assim, a mineradora afirma que segue realizando as adequações.
Não há, porém, uma data prevista para a reinauguração, agora funcional, da Biofábrica Método Wolbachia. Conforme a Secretaria de Estado de Saúde, a estimativa é que a produção dos mosquitos com Wolbachia comece ainda este ano. No entanto, “somente após a validação da SES-MG e da Fiocruz/WMP de que as instalações estão adequadas para a operação será possível definir uma data para o início da Biofábrica”, informou o Executivo.
Problema atrasa uso de tecnologia em todo o Estado
O entrave não só atrasa o enfrentamento à dengue nas cidades afetadas pelo rompimento da barragem de Brumadinho, mas também em todo o Estado e, possivelmente, em outras cidades do Brasil. “A expectativa é que logo tenhamos uma nova arma contra a dengue, em larga escala. Inicialmente, na bacia do Paraopeba, mas queremos expandir a entrega da tecnologia para todo o Estado. Já conversei com a Fiocruz e com o Ministério da Saúde para que possamos ajudar todo o Brasil, inclusive. Porque é uma biofábrica com uma capacidade produtiva muito ampla”, afirma o secretário Fábio Baccheretti.
De fato, na inauguração da biofábrica, em abril do ano passado, o Estado anunciou que a instalação seria capaz de produzir, semanalmente, 2 milhões de “Wolbitos” — como são chamados os mosquitos Aedes aegypti infectados com a bactéria Wolbachia, capaz de impedir que eles transmitam arboviroses como dengue, zika e chikungunya. O procedimento consiste na liberação controlada desses “Wolbitos”, que se acasalam com os mosquitos locais, gradualmente estabelecendo uma nova população e reduzindo o ciclo de transmissão.
Atingida considera que atraso é desrespeito à reparação
Para Maria Regina da Silva, de 61 anos, que perdeu a filha, Priscila Helen Silva, de 29, no rompimento da barragem de Brumadinho, o atraso na implementação da tecnologia é um desrespeito à reparação da tragédia. “Esses projetos de reparação são muito importantes para nós. Queremos ver esses projetos funcionando, queremos que eles dêem certo, porque são uma forma de ressignificar a vida das vítimas. Queremos acreditar que elas morreram, mas deixaram um legado”, diz.
“Vamos colher os resultados desse atraso”, alerta infectologista
Na avaliação da médica infectologista Luana Araújo, deixar uma iniciativa considerada prioridade no combate à dengue e outras arboviroses à mercê de problemas processuais é falhar com as metas de saúde. “Passamos pela pior epidemia de dengue da história, e 2025 não é um ano fora de risco. Temos a reintrodução do sorotipo 3, com a população suscetível. É complicado ver medidas que foram anunciadas como prioridade se atrasarem. Lá na frente, vamos colher os resultados dessa ineficiência, e, normalmente, eles são bastante negativos”, afirma.
Araújo reforça que, uma vez que a Biofábrica Método Wolbachia faz parte do acordo de reparação de Brumadinho, a responsabilidade de garantir o cumprimento do compromisso e o início da tecnologia nas áreas atingidas é ainda maior. “Mesmo que essa obra seja realizada por uma empresa, ela é de interesse público, pois está ligada a uma reparação. Essas tragédias desequilibram o meio ambiente dessas regiões, tornando as populações mais vulneráveis a diversas doenças, como a dengue”, acrescenta.
Os primeiros cinco anos de operação da Biofábrica Wolbachia terão um investimento de R$ 57 milhões, custeado pela mineradora Vale. Após esse período, a estrutura e a administração serão repassadas à Fiocruz, que já gerencia outras biofábricas semelhantes no país. O terreno da instalação, no Gameleira, em BH, pertence ao Estado de Minas Gerais.
O que diz a Secretaria de Estado de Saúde na íntegra?
“A Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais (SES-MG) informa que após a conclusão da obra da biofábrica Wolbachia, em abril de 2024, a Fiocruz/WMP iniciaram as tratativas referente a Operação Assistida. Essa etapa consiste na realização de testes nas instalações, para garantir que os padrões exigidos para operação sejam alcançados. Durante os testes, foram identificadas necessidades de intervenções, a fim de garantir o pleno funcionamento da Biofábrica.
A Vale S.A está realizando as intervenções necessárias. O Estado estima que a operação para produção de mosquitos com Wolbachia inicie em 2025. No entanto, somente após a validação da SES-MG e da Fiocruz/WMP de que as instalações estão adequadas para a operação será possível precisar uma data de início da operacionalização da Biofábrica junto à Fiocruz/WMP.”
O que diz a Vale na íntegra?
“Desde a conclusão das obras, as instalações do Projeto Biofábrica Wolbachia foram liberadas para a Fiocruz/WMP dar início à fase de Operação Assistida, etapa originalmente prevista, e que envolve acompanhamento por especialistas para garantir que todos os equipamentos e processos funcionem corretamente.
É comum que, durante esta etapa, sejam necessários ajustes para o adequado funcionamento dos sistemas e, no caso da Biofábrica, o tratamento de eventuais apontamentos. Destaca-se ainda que, no entendimento da Vale, desde o início da Operação Assistida, a estrutura disponibilizada permanece operacional.
A Vale mantém diálogo constante com a Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais de forma a assegurar que as instalações estejam funcionais e aptas para a operação de forma satisfatória, e aguarda manifestação da SES-MG e da Fiocruz/WMP para formalização da entrega e prosseguimento para a fase de operação definitiva da Biofábrica Wolbachia.”
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