A mudança repentina do Imposto sobre Operação Financeira (IOF) decretado pelo governo brasileiro nos remete à clássica metáfora do “peru de Natal”, usada por Nassim Taleb em seu livro A Lógica do Cisne Negro, para ilustrar como percebemos riscos de forma equivocada.
Desde o seu nascimento, o peru vê sua confiança no fazendeiro crescer continuamente. Inicialmente desconfiado, o animal logo se afeiçoa ao homem que, dia após dia, o alimenta com milho e sementes, permite-lhe passear no quintal e o protege de predadores.
Ao longo do ano, o peru engorda e vive tranquilo, cada vez mais certo de que está em boas mãos. No entanto, justamente quando sua confiança atinge o auge — no momento em que sua percepção de risco é mínima — ele é abatido para a ceia de Natal.
Assim como o peru, muitas vezes avaliamos o risco com base apenas no comportamento recente, ignorando que eventos extremos e inesperados possam ocorrer. No entanto, a verdadeira essência da gestão de risco está em maximizar nossa exposição às áreas onde temos controle e minimizar a exposição onde esse controle é inexistente.
Por exemplo, não temos poder sobre discursos políticos, reformas econômicas, mudanças tributárias ou eleições, mas temos total controle sobre como e onde investimos.
Investidores que alocam 100% de seu patrimônio em moeda e ativos locais se expõem a um risco silencioso, mas significativo: a total dependência das condições de um único país. Quando o risco-país aumenta, o câmbio reage quase imediatamente.
Em meados de 2014, por exemplo, o real se desvalorizou de R$ 2,19 para R$ 4,18 frente ao dólar em apenas 13 meses, resultado da percepção de um ambiente interno cada vez mais inseguro. Muitos investidores brasileiros viram seu patrimônio, medido em dólares, encolher pela metade em questão de meses.
O recente anúncio do aumento de cerca de dez vezes na alíquota do IOF sobre remessas de investimento ao exterior e posterior reavaliação acende um alerta importante para investidores brasileiros. A medida reforça a urgência de se pensar em alocações globais como parte de uma estratégia de gestão de risco.
Independentemente do governo, decisões econômicas podem ser tomadas de forma abrupta com consequências inestimáveis. Assim, a diversificação global deixa de ser uma opção e passa a ser uma necessidade.
Fatos como esses podem ser interpretados como passo inicial rumo a medidas mais restritivas dado que, em episódios históricos recentes, países em dificuldades fiscais caminharam de aumentos tributários pontuais para a adoção de medidas ainda mais rígidas.
O caso da Argentina é emblemático: sucessivas intervenções do Estado no mercado cambial resultaram em uma moeda drasticamente desvalorizada e em perda de liberdade financeira para seus cidadãos. Por exemplo, em 2008, 1 dólar valia cerca de 6 pesos argentinos; hoje, ultrapassa os 1.100 pesos.
A súbita mudança de um tributo tão sensível como o IOF escancara o quão estamos expostos a fatores fora do nosso controle. Assim como o peru, podemos ser pegos de surpresa por mudanças radicais e repentinas.
Investir fora não se trata apenas de buscar retornos maiores, mas de blindar o patrimônio contra eventos extremos e imprevisíveis — os chamados “cisnes negros”.
Afinal, como o peru de Natal nos ensina, o maior perigo muitas vezes se esconde quando tudo parece sob controle. Quanto menos você espera, pode ser surpreendido, sofrendo consequências irreparáveis.
*Daniel Haddad é CIO da Avenue
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