Após dizer que Lula foi ‘cooptado pela CIA’, procurador-geral da Venezuela diz querer relação melhor com Brasil em 2025 

A relação entre Brasil e Venezuela ficou estremecida no segundo semestre de 2024. O governo brasileiro não só não reconheceu a vitória eleitoral de Nicolás Maduro como, mais tarde, vetou a entrada do país caribenho no Brics. Em entrevista ao Brasil de Fato, o procurador-geral venezuelano, Tarek William Saab, disse que essa página está virada e que 2025 será um ano de fortalecimento dessas relações.

“Acho que estamos em um momento muito importante em 2025 para que as relações entre o Brasil e a Venezuela, entre o governo do presidente Nicolás Maduro e o de Lula se fortaleçam, voltem a ser o que eram nas melhores épocas, na era de Hugo Chávez. Naquele então, aliás, como governador de Anzoátegui, fui anfitrião e recebi o Lula três vezes, como presidente do Brasil, nos mandatos anteriores”, afirmou.

Saab também esteve envolvido diretamente nessa crise. Em outubro, ele chegou a dizer que Lula foi “cooptado” por ideias dos EUA e pela CIA e que ele já não era mais o mesmo desde que saiu da prisão. Para o procurador, a ideia agora é retomar um caminho de “cooperação” para que os povos de Brasil e Venezuela tenham benefícios.

Um dos principais pontos de cooperação entre os dois países é o combate ao garimpo ilegal na fronteira. A ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, foi em maio à Caracas para assumir a presidência do Fundo para o Desenvolvimento dos Povos Indígenas da América Latina e do Caribe (FILAC). Ela aproveitou a viagem para discutir com o governo venezuelano uma articulação para combater o garimpo ilegal na Terra Indígena (TI) Yanomami, em Roraima, na fronteira com o país vizinho.

Segundo Saab, há um diálogo permanente e uma cooperação entre as polícias dos dois países para combater o desmatamento ilegal nessa região. Desde que Guajajara foi a capital venezuelana, os dois países têm trabalhado em conjunto para realizar ações mais enfáticas na região.

“Nós temos uma Diretoria-geral de Direitos Humanos que, por sua vez, tem uma Diretoria de Meio Ambiente que está atenta a todos esses diálogos do ano passado, para oferecer a nossa contribuição, a fim de que tudo ocorra com base na defesa de um direito humano muito importante, que é o direito ao meio ambiente. E vamos em frente”, afirmou Saab.

Reforma constitucional

O procurador será responsável por coordenar o principal projeto do governo: a reforma constitucional. Ele foi escolhido por Maduro para ser presidente da comissão que vai discutir uma reforma Constitucional em 2025. Discutir mudanças na Carta Magna, no entanto, não é algo novo para ele. Saab foi deputado constituinte em 1999, em um projeto para redigir um novo documento, logo depois da eleição de Hugo Chávez.

À época, ele foi presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Constituinte. Para Saab, há uma diferença clara entre os dois processos, já que a atual reforma vai propor mudanças em alguns artigos da Constituição e não redigir um documento do zero. Para ele, o principal desafio dessa nova Constituição é se adaptar à realidade.

“Ir nos adaptando aoss novos tempos é o principal ponto. Estamos em 2025. Quando a Constituição de 1999 foi criada e aprovada, o mundo não era o mesmo. Estamos em uma era digital, uma era moderna. Eu acredito no princípio de progressividade dos direitos humanos. Portanto, é preciso se adaptar à realidade de maneira positiva. Tudo o que for feito será positivo, será progressivo, será correto, será melhor, para melhorar”, disse.

Chávez havia tentado uma nova reforma em 2007, que foi reprovada pela população em referendo. Segundo o procurador, a tendência é que essa reforma seja aprovada porque o governo vai promover uma participação popular ampla.

Confira outros trechos da entrevista.

Brasil de Fato: Você foi preso, uma prisão política, em 2002, durante o golpe contra o ex-presidente Hugo Chávez. Como foi aquele momento para você? Como aquilo mexeu na sua vida e no seu compromisso com a revolução?

Tarek William Saab: Eu era presidente da Comissão de Política Externa da Assembleia Nacional. Eu era um deputado e tinha imunidade parlamentar. Um grupo de, eu diria, centenas de pessoas,
centenas, incluindo civis que foram para a frente da minha casa e policiais. Eu calculo que, de policiais, havia um grupo de 30. Eram membros da Direção Nacional de Serviços de Inteligência e Prevenção (Disip), estavam de moto nas primeiras horas da manhã do dia 12 de abril.

Já estava consumado o golpe de Estado contra Hugo Chávez por parte de um setor fascista, infiltrado nas Forças Armadas, e foi o primeiro golpe midiático-empresarial. Foi promovido pelos meios de comunicação da época e pela Fedecámaras, que impuseram o presidente da Fedecámaras como ditador, Carmona Estanga. A partir do momento em que se consumou o golpe contra Hugo Chávez, na madrugada do dia 12 de abril, iniciou-se uma perseguição em toda a nação.

Já antes, em 11 de abril, houve assassinatos por parte de franco-atiradores centro-americanos que estavam nos hotéis Éden e Ausonia. Franco-atiradores centro-americanos que foram detidos pelo governo Chávez naquele momento. O governo ainda não tinha sido derrubado. Eles foram detidos. Depois da destituição de Chávez, foram soltos e partiram. Eram centro-americanos. Alguns de El Salvador, outros da Guatemala etc.

No dia 12 de abril de madrugada, Hugo Chávez é preso e levado à polícia militar e começa a repressão. Nesse contexto, eu sou detido por volta das 12h de 12 de abril. Na verdade, fui sequestrado, não dá nem para falar em detenção. Seria uma detenção se tivessem quebrado minha imunidade parlamentar, a Suprema Corte concordasse, e depois o correto, segundo a Constituição, seria uma prisão domicilar até que a Assembleia Nacional me destituísse do cargo de deputado.

Nada disso foi feito. Fui sequestrado, levado em uma viatura. Lá dentro, os policiais me bateram selvagemente com o fuzil, me chutaram no chão. Porque eu só perguntava: “Aonde estão me levando?” Eles me mandavam calar a boca, diziam que não iam contar. Ficaram dando voltas comigo por, mais ou menos, uma hora. Para mim, eles tinham outra intenção. Acho que a ideia, olhando para trás, agora que já faz.23 anos, era me assassinar.

Não sei se depois mudaram de ideia, porque senão para que fizeram as coisas desse jeito? Havia gente filmando a detenção. Depois me levaram à polícia municipal de El Hatillo. Ali havia procuradores do Ministério Público, completos traidores que queriam que eu assinasse uma planilha onde eu dizia que tinha sido bem tratado, e eu não quis assinar. Eu não quis assinar. Depois me passaram para outro veículo, veja só, rumo a um destino desconhecido. Continuei insistindo… Já era um carro sem placa. “Aonde estão me levando?” E me levaram até a Disip, no Helicoide.

Se chamava Disip (Direção Nacional de Serviços de Inteligência e Prevenção), não Sebin. Ali então, assim que entrei, vi na televisão as imagens da minha detenção. Estava na RCTV, dirigido por Ravell. Na notícia diziam: “O ex-deputado está sendo levado…”. Imagina só, “ex”!

“Estão batendo nele” e não sei o quê. Era uma zoação. Não era que estavam transmitindo a informação a meu favor, não. Estavam justificando o que estavam fazendo comigo. Nesse momento já haviam matado 11 pessoas, mais de 12. E começou uma caçada contra todos nós.

Hugo Chávez foi detido e quase houve um magnicídio, tentaram matá-lo. Depois me levaram ao escritório do diretor de investigações e pude ver na TV a autoproclamação do ditador Carmona Estanga. Eu pude ver, ele se autoproclamou, dissolvendo todos os poderes. Aí o diretor de investigações disse: “Olha, você não é mais deputado”.

Então, me levaram a um sótão e fiquei lá o dia 12 todo, até o dia 13. E aí veio a contra-ofensiva das Forças Armadas e do povo, pedindo a volta de Chávez.

Eles se enfraqueceram e, sem dizer nada, por volta do meio-dia me soltaram. Eu poderia dizer que, ao meio-dia de 13 de abril, a ditadura de Carmona estava derrotada. Não durou nada. Durou menos de 48 horas. Então me liberaram sem dizer muita coisa. Primeiro disseram que me levariam a tribunais militares. Quer dizer, eu, um civil, em tribunais militares. Porque, supostamente, eu tinha armas de guerra. Onde estavam? De jeito nenhum. Não havia provas de nada, mas eles iam inventar um pretexto para me deixar preso por anos em uma prisão militar. Por quê? Porque era o fascismo completo.

Minha família não foi respeitada naquele momento. Me arrancaram da casa onde eu vivia com a minha família. Posso dizer que eles não merecem nunca tomar o poder. São pessoas doentes e eu disse naquela época. A tomada de poder pela extrema direita fascista na Venezuela replicaria o que ocorreu com os palestinos em Gaza. Um extermínio, eu falei em maio ou junho de 2024. Eu lancei esse alerta, nós não podemos aceitar que pessoas dementes, doentes de ambição de poder cheguem aqui.

Então, eu acredito que somos uma geração revolucionária digna, preparada e formada para vencer e liderar esse processo, a partir de tudo isso que vivenciamos.

Falando um pouco agora sobre o procurador fora da vida profissional e política. Você escreveu muitos livros, inclusive alguns de poesia. Como isso surgiu na sua vida? Existe desde a infância? Como foi seu processo de aproximação com a arte?

Bom, eu comecei a escrever poesia quando ainda era menor de idade. Escrevi meu primeiro poema na sala de aula, quando tinha uns 15 anos, no 4º ano do Liceu Briceño Méndez. Antes disso, eu sou um leitor muito orgânico.

Aos 15 anos, eu já havia lido Hermann Hesse, prêmio Nobel de Literatura, o filósofo Friedrich Nietzsche, um poeta libanês, Khalil Gibran. Eu escutava músicas com mensagens, como a trova cubana, Silvio Rodríguez, Pablo Milanés. Lia poetas como Pablo Neruda, Vicente Aleixandre, já nessa idade. Eu ia muito a uma livraria que se chama Txiki e à livraria Minerva, em Tigre, para comprar livros editados em espanhol em editoras da Espanha, da Argentina.

E eu militava em uma organização revolucionária, o PRV. Em 1977, eu me envolvi na militância com a esquerda revolucionária, no Partido da Revolução Venezuelana, liderado por Douglas Bravo, ex-comandante guerrilheiro. Portanto, tudo isso me levou a ter uma sensibilidade poética, de tanto ler e admirar os poetas. Depois comecei a ler os simbolistas franceses, os surrealistas, André Breton, Baudelaire, Lautréamont…

Isso me deu uma formação, a tal ponto que eu comecei a estudar pela primeira vez na universidade na faculdade de Letras na Universidade dos Andes, em Mérida. Estudei lá durante dois semestres, um ano. Não gostei do curso.

Estudar Letras na universidade não era o objetivo. Mas fiz aquilo querendo ser um poeta, para que me ensinassem a ser um poeta melhor. Mas o que te ensina a ser um poeta melhor é ter um talento próprio, ter um interesse pela leitura, pela pesquisa e pela escrita, o exercício da disciplina.

Então, o meu primeiro livro, “Los ríos de la ira”, já vai fazer 40 anos. Comecei a escrevê-lo entre 1984 e 1985. Um livro de mais de 200 páginas. E eu tinha apenas 22 ou 23 anos. Ele vai ser reeditado este ano. Vai ser reeditado, 40 anos depois.

E este ano vou editar uma nova coletânea de poemas. Se chama “Un tren viaja al cielo de la noche”, o que me levaria a 14 livros publicados, dos quais 11 são de poesia e 3 são uma crônica de viagem chamada “Los niños del infortunio”. Foi uma viagem que fiz ao Paquistão, enviado pelo meu grande irmão Fidel Castro para ver as brigadas médicas cubanas no Paquistão. Isso ocorreu na primeira semana do ano de 2006.

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