O deputado e dirigente da UNITA Alcides Sakala declinou hoje a medalha comemorativa dos 50 anos da Independência de Angola por persistirem “omissões no reconhecimento da memória nacional”.
Por Orlando Castro (*)
Numa carta endereçada ao Presidente da República, Alcides Sakala Simões, deputado e presidente da Comissão de Relações Internacionais, Cooperação Internacional e Comunidades Angolanas no Estrangeiro da Assembleia Nacional, agradece o gesto de apreço, mas adianta que não vai estar presente nem se fará representar.
“Esta decisão decorre de uma reflexão profunda sobre o momento político e histórico do país e da constatação de que persistem omissões no reconhecimento da memória nacional, nomeadamente a exclusão de Holden Roberto e de Jonas Malheiro Savimbi – dois líderes que desempenharam papéis centrais no processo de luta pela libertação nacional”, justifica o político da UNITA.
Angola conquistou a independência a 11 de Novembro de 1975, mas o momento histórico foi marcado por profundas divisões entre os três movimentos nacionalistas. O MPLA, liderado por Agostinho Neto, a FNLA, de Holden Roberto, e a UNITA, dirigida por Jonas Savimbi – proclamaram separadamente a independência do país, cada um a partir dos territórios que controlava.
O MPLA acabou por assumir o controlo de Luanda e formou Governo, com Agostinho Neto a tornar-se no primeiro Presidente da República Popular de Angola. No entanto, a FNLA e a UNITA rejeitaram reconhecer esta legitimidade e o país entrou numa violenta guerra civil que durou quase três décadas.
Alcides Sakala, na missiva dirigida a João Lourenço, frisa que “a história de Angola é feita de múltiplas vozes e percursos” e que “ignorar alguns dos seus protagonistas fundamentais enfraquece o esforço de reconciliação e de construção de uma identidade nacional inclusiva”.
O político salienta ainda que “ninguém pode mudar o passado”, mas é necessário assumi-lo “com integridade e sentido de história”, como base para “um futuro mais justo e pacificado”, afirmando a necessidade de um “olhar inclusivo” sobre o percurso comum dos angolanos.
O Presidente angolano condecora hoje e na sexta-feira 697 personalidades, incluindo pessoas ligadas à cultura e às artes, políticos, antigos guerrilheiros e desportistas.
Esta será a segunda cerimónia de entrega das medalhas comemorativas dos 50 Anos da Independência Nacional, que se dividem em duas categorias: a Classe Independência, que reconhece o contributo de figuras históricas na luta contra o colonialismo e na fundação do Estado angolano, e a Classe Paz e Desenvolvimento, que distingue o papel de cidadãos na consolidação da paz e na construção do país.
A segunda ronda de homenagens – com 252 distinguidos na Classe Independência e 445 na Classe Paz e Desenvolvimento – surge meses depois de uma primeira cerimónia controversa, marcada pela exclusão de Jonas Savimbi e Holden Roberto, e pela ausência de alguns dos condecorados, entre os quais o ex-presidente da UNITA, Isaías Samakuva, os nacionalistas José Samuel Chiwale, Ernesto Mulato e Miraldina Jamba, também da UNITA.
Também hoje alguns dos condecorados declinaram a medalha, como o activista Rafael Marques de Morais, enquanto outros não compareceram, como o cantor Bonga, ou fizeram-se apenas representar, como os escritores Pepetela e Luandino Vieira.
O ciclo de condecorações vai prosseguir nos próximos meses, com novas cerimónias previstas até ao final de 2025.
Alcides Sakala, é um meu velho e querido amigo dos tempos (entre muitos outros) dos bancos da escola no Huambo. No dia 1 de Setembro de 2009, altura em que ele era o responsável pelas relações externas da UNITA, acumulando com as funções de porta-voz, e a propósito de se dizer que era a personalidade mais aceite para sucessão de Isaías Samakuva, escrevi o texto que se transcrevo na íntegra e “ipsis vervos”:
«Liderar a UNITA seria uma boa aposta. Liderar Angola seria, digo eu que sou obviamente suspeito, ainda melhor. O Alcides é uma das mais carismáticas e prestigiadas personalidades que poderia, ao contrário do que agora acontece, ajudar Angola a ser um verdadeiro Estado de Direito Democrático.
Mas como quem nasce direito tarde ou nunca se entorta, não creio que haja algum bem material que possa levar o Alcides a deixar de ter a postura erecta e digna dos seus antepassados.
Sempre que falo dele digo meu velho e querido amigo porque tenho orgulho nisso e por saber que ele foi, é e será um lapidar exemplo para os angolanos onde, obviamente, me incluo.
Na sua intervenção no debate sobre o Orçamento Geral dos Estado, faz este mês três anos, o Alcides disse com toda a clareza: “Vivemos numa sociedade marcada pela riqueza excessiva de uns e pela pobreza extrema da maioria”.
É por isso que, tal como ele, também acredito que dizer o que pensamos ser a verdade é a melhor qualidade dos grandes Homens. O Alcides é um grande Homem, qualidade cada vez mais rara em Angola.
Recordo que, no seu primeiro discurso então como presidente da bancada parlamentar do maior partido da oposição, o Alcides Sakala disse que “a maior parte da população vive no limiar da pobreza, com menos de um dólar por dia, sendo incapaz de satisfazer as suas necessidades básicas”.
E acrescentou que “só o crescimento da economia nacional fora das áreas estratégicas do petróleo e dos diamantes poderá resolver o problema do desemprego e combater as desigualdades sociais”.
É por isso que defende a necessidade de “um orçamento virado para o crescimento e para o progresso social e não algo que mantenha imutável a situação de pobreza, o nível de analfabetismo e as assimetrias regionais”.
O Alcides Sakala tem a sabedoria de quem sentiu, tantas vezes de forma dolorosa, os dois lados da História de Angola e, honrando esse conhecimento, continua a lutar para que os milhões que têm pouco passem a ter algo mais.
Juntando a experiência das matas à dos grandes areópagos da política internacional, o Alcides Sakala vai continuar a mostrar que nunca se esqueceu que Angola não se define – sente-se.
E de uma coisa todos podemos ter a certeza: Alcides Sakala sente Angola como poucos, como muito poucos»
(*) Com Lusa
Crédito: Link de origem