Análise: Itamaraty demora em crise com Paraguai e Embraer pode ser afetada

Crise diplomática entre Paraguai e Brasil pode sobrar para Embraer, enquanto Assunção ameaça cancelar compra milionária de aeronaves Super Tucano. Saiba por que essa venda é importante para a Embraer e o que o governo brasileiro está fazendo para solucionar esse imbróglio.

Autoridades paraguaias consideram cancelar compra de seis aeronaves Super Tucano EMB-314, em função da crise diplomática envolvendo possível espionagem da ABIN contra autoridades de Assunção.

De acordo com o portal Relatório Reservado, o presidente do Paraguai, Santiago Peña, considera o cancelamento do contrato firmado em 2024, que conta com financiamento do banco brasileiro BNDES.

O presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, durante reunião com seu homólogo paraguaio, Santiago Peña, no Palácio Itamaraty. Brasília (DF), 15 de janeiro de 2024

A decisão paraguaia teria o objetivo de retaliar o governo brasileiro, após vazamento de suposta operação da Agência Brasileira de Inteligência (ABIN) para obter informações durante as negociações para renovar acordos referentes à usina binacional de Itaipu.

Em resposta, o Paraguai suspendeu as negociações bilaterais sobre a renovação do Anexo C do Tratado de Itaipu, que define as condições para comercialização da energia gerada na hidrelétrica. Além disso, Assunção abriu inquérito próprio para investigar a atuação da ABIN em seu território.

A barragem hidrelétrica de Itaipu, na fronteira compartilhada do Paraguai com o Brasil, em Hernandarias, Paraguai, 16 de março de 2023 (foto de arquivo)
A barragem hidrelétrica de Itaipu, na fronteira compartilhada do Paraguai com o Brasil, em Hernandarias, Paraguai, 16 de março de 2023 (foto de arquivo)

Apesar de a crise envolver órgãos governamentais, é a empresa privada brasileira Embraer que poderá pagar o pato. O contrato com o Paraguai, estimado em R$ 600 milhões, é essencial para manter aeronaves concorrentes fora da América Latina, explicou o pesquisador do Instituto Sul-Americano de Política e Estratégia (ISAPE) e professor do Centro Universitário Ritter dos Reis (UniRitter) João Gabriel Burmann.

“O impacto para a Embraer será reputacional, especialmente pela posição da empresa como líder na América Latina”, disse Burmann à Sputnik Brasil. “Perder essa compra poderá abrir espaço para competidores chineses, turcos e sul-coreanos, que oferecem modelos similares aos Super Tucanos da Embraer.”

As aeronaves que poderiam substituir os Super Tucanos na Força Aérea Paraguaia (FAP) seriam as TAI Hurkus turcas, as KAI KT-1 Woongbi sul-coreanas ou até mesmo as Beechcraft T-6 Texan II norte-americanas. No entanto, são as aeronaves Hongdu JL-8, produzidas pela China em parceria com o Paquistão, que têm mais chances de ocupar o nicho de mercado dos Super Tucanos.

“Isso já aconteceu no caso da Bolívia. Ela ia adquirir os Super Tucanos, mas, por questões políticas e pressões internas, acabou optando pelas aeronaves chinesas”, lembrou Burmann. “É importante evitar que esses países, especialmente China e Turquia, entrem nesse espaço que hoje é do Brasil e dos Super Tucanos na América Latina.”

As seis aeronaves A-29 encomendadas pelo Paraguai devem ser entregues pela Embraer ainda em 2025. De acordo com o portal Aeroin, duas aeronaves já estão prontas na fábrica de Gavião Peixoto da Embraer, no interior de São Paulo.

Pilotos da FAB fazem voo de treinamento no Super-Tucano, na base aérea de Natal, Rio Grande do Norte. Foto de arquivo
Pilotos da FAB fazem voo de treinamento no Super-Tucano, na base aérea de Natal, Rio Grande do Norte. Foto de arquivo

As aeronaves deverão ser utilizadas pela FAP em missões de policiamento do espaço aéreo, em especial para combater voos ilegais. As aeronaves brasileiras ficarão na Base Aérea de Ñu Guasú e poderão ser utilizadas para missões de ataque, apoio aéreo e reconhecimento, informou a revista Sociedade Militar.

“Os Super Tucanos são aeronaves leves de ataque, utilizadas principalmente para ataques ao solo e combate contra insurgência. Ela é particularmente eficiente em terrenos de difícil acesso, como matas, e pode ser operada mesmo com pouca infraestrutura para pouso e decolagem”, disse Burmann.

A aeronave ainda tem baixo custo de produção e manutenção, o que a coloca à frente de suas concorrentes. Por isso, ela atualmente é operada pelas forças aéreas de 16 países, incluindo Chile, Equador, Uruguai e Colômbia.

Super Tucano da Força Aérea Brasileira
Super Tucano da Força Aérea Brasileira

“O Super Tucano já tem muitas horas de voo, muita experiência de combate e uma avaliação boa de seu desempenho”, notou Burmann, “Eu diria que é uma aeronave extremamente eficiente, tanto pelo seu custo, quanto pelos resultados positivos em ambientes operacionais.”

No Brasil, os Super Tucanos são utilizados sobretudo em operações na Amazônia, para realização de patrulha de fronteira, interceptação e abate de aeronaves ilegais. Por estarem equipados com dois canhões leves, os Super Tucanos podem causar danos que obriguem pilotos irregulares a pousar aeronaves suspeitas.

“Os Super Tucanos também já foram utilizados em combate pela Colômbia, especialmente durante suas operações contra a guerrilha FARC”, notou Burmann. “A Colômbia também já usou essas aeronaves equipadas com munição de precisão, em operações na fronteira com o Equador, em conjunto com a Força Aérea dos EUA.”

No entanto, o caso mais singular de uso dos Super Tucanos foi pelas Forças Armadas do Afeganistão. Fornecidas indiretamente pelos EUA, o então governo de Cabul utilizou as aeronaves da Embraer para combater o Talibã durante os primeiros períodos do conflito afegão.

Como resolver essa crise?

Para manter os Super Tucanos na liderança de seu segmento na América Latina, o governo brasileiro terá que solucionar a atual crise diplomática com o Paraguai. Apesar dos contatos entre as chancelarias, o sucesso brasileiro por enquanto é limitado, acredita a professora de relações internacionais da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) Regiane Nitsch Bressan.

“O Brasil tem adotado uma postura de contenção da crise, mas por enquanto não tão bem sucedida”, disse Bressan à Sputnik Brasil. “Existe um esforço para manter os contatos diplomáticos de alto nível para mitigar os danos e preservar o diálogo.”

No entanto, o Brasil precisará redobrar seus esforços para compartimentalizar a crise, isto é, mantê-la restrita à questão de inteligência e não permitir que outros setores sejam afetados.

O presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, à esquerda, conversa com o presidente do Paraguai, Santiago Pena, durante a Cúpula do Mercosul em Montevidéu, Uruguai, 6 de dezembro de 2024
O presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, à esquerda, conversa com o presidente do Paraguai, Santiago Pena, durante a Cúpula do Mercosul em Montevidéu, Uruguai, 6 de dezembro de 2024

“Vemos que há uma insatisfação pública expressa pelas autoridades do Paraguai, indicando que a confiança foi abalada”, lamentou Bressan. “Será necessário conter a crise, separar o que é institucional e o que é político. Apresentar ao Paraguai que houve um desvio de conduta, mas que isso não reflete a política externa brasileira, nem é orientação do governo federal.”

Para a especialista em América Latina, o Brasil deve apostar na transparência seletiva, fornecendo informações ao governo paraguaio sobre a questão da ABIN, sem expor questões sensíveis e os métodos de inteligência adotados pelo Brasil.

“Além disso, o Brasil pode reforçar a cooperação entre as áreas mais sensíveis, ou seja, valorizar as iniciativas conjuntas nas áreas de segurança, narcotráfico, infraestrutura, integração”, considerou Bressan. “Isso ajuda muito a reposicionar nossa relação bilateral como estratégica e mutuamente benéfica.”

Todo esse esforço por parte do Itamaraty valeria a pena, considerando a importância do Paraguai para a segurança regional do Brasil, explicou Bressan.

Pessoas tiram fotos na usina hidrelétrica de Itaipu, na fronteira do Paraguai com o Brasil, em Hernandarias, Paraguai, na quinta-feira, 16 de março de 2023 (foto de arquivo)
Pessoas tiram fotos na usina hidrelétrica de Itaipu, na fronteira do Paraguai com o Brasil, em Hernandarias, Paraguai, na quinta-feira, 16 de março de 2023 (foto de arquivo)

“O Paraguai ocupa posição estratégica nas relações exteriores do Brasil”, disse Bressan. “É fundamental para a estabilidade da fronteira centro-sul, é nosso vizinho, é membro fundador do Mercosul e parceiro estratégico em Itaipu.”

As mudanças no cenário geoeconômico fortalecem a posição do Paraguai, pelo qual passam rotas importantes para o Brasil escoar seus produtos pelo oceano Pacífico, lembrou a especialista.

Um rebocador empurra oito barcaças de minério de ferro extraído no Brasil para o sul ao longo do rio Paraguai em Assunção, Paraguai, 17 de abril de 2025
Um rebocador empurra oito barcaças de minério de ferro extraído no Brasil para o sul ao longo do rio Paraguai em Assunção, Paraguai, 17 de abril de 2025

“Além disso, o Brasil tem muitos investimentos no Paraguai, seja no setor do agronegócio, energia ou infraestrutura”, disse Bressan. “Sem contar a presença física da comunidade brasileira na região leste do Paraguai.”

Todos esses fatores justificam uma ação enérgica do governo brasileiro para resolver a crise, não só em prol da Embraer, mas da segurança regional. “É uma relação próxima, interdependente e bastante sensível”, concluiu a especialista.

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