América Latina. Governo Lula espiona Paraguai seguindo cronograma da Abin de Bolsonaro

O governo do Paraguai anunciou na terça-feira (1) que convocou o embaixador do Brasil no país, José Antônio Marcondes, para pedir explicações sobre o monitoramento que teria ocorrido por parte da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) ao sistema do governo paraguaio. Um funcionário da Abin disse em depoimento à Polícia Federal que a atual gestão da agência teria mantido operações de invasão hacker à sistemas do governo do Paraguai e de autoridades envolvidas nas negociações da usina de Itaipu.

O Ministério das Relações Exteriores nega que a atual gestão federal, chefiada pelo presidente Lula (PT), tenha feito uma ação hacker contra o governo do Paraguai para obter dados relacionados à negociação bilateral da Usina Hidrelétrica de Itaipu. Isso porque, de acordo com a apuração do UOL, uma operação voltada à invasão de computadores do Paraguai foi criada ainda no fim do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e mantida no início da atual gestão por meio da Agência Brasileira de Inteligência (Abin). A CNN confirmou que o caso é investigado pela Polícia Federal (PF), no âmbito do inquérito da “Abin Paralela”, quando servidores apontaram a ação hacker contra o Paraguai.

Adentrando a história de origem de um conflito que é mais antigo, a Usina Hidrelétrica de Itaipu fica localizada na fronteira entre Brasil e Paraguai e em 1973 ambos países assinaram o “Tratado de Itaipu”, que estabeleceu as regras para a construção da Usina. Dentre elas, estava a determinação de que Brasil e Paraguai deveriam receber de forma igualitária a energia gerada. Em 2023, com os presidentes Lula e Santiago Peña no comando dos dois países, as divergências sobre Itaipu voltaram a ser expostas.

Na prática, devido à falta de infraestrutura no Paraguai, o país teve que ceder grande parte da cota de energia ao Brasil, recebendo em troca um valor muito abaixo do que considerava justo. Em fevereiro deste ano, os dois países concordaram que até maio seria firmado um novo Anexo C do tratado, que diz respeito às condições financeiras de comercialização de energia hidrelétrica, ou seja, as tarifas pagas.

A construção e operação da Usina de Itaipu gerou inúmeras problemáticas ao longo de sua história. No momento de sua construção foram elencados diversos impactos ambientais e sociais da usina, como a devastação da biodiversidade local e a remoção das populações tradicionais, e ao longo da operação da usina novas polêmicas foram surgindo com destaque para a divisão entre as cotas de produção de energia entre o Brasil e o Paraguai e a venda do excedente de energia produzido pelos dois países.

Atualmente, essa hidrelétrica é considerada a principal do sistema energético brasileiro e sul-americano, portanto possui uma importância fundamental na segurança energética da região. Desde o período eleitoral ocorrido no Paraguai, o ex-bispo Fernando Lugo tem declarado que uma das propostas de seu governo seria reivindicar uma revisão no Tratado de Itaipu quanto ao valor pago pelo Brasil pela energia excedente do Paraguai. A imprensa paraguaia tem divulgado com certa frequência que o Brasil deveria pagar pela energia um valor em torno de 2 bilhões de dólares e que o pagamento de cerca de 300 milhões de dólares demonstra uma “atitude imperialista”.

No início do ano passado, uma nova proposta surgiu. Pelo pré-acordo, as tarifas para a energia de Itaipu seriam reduzidas drasticamente a partir de 2026, com a expectativa de que o valor caísse para algo entre US$ 10 e US$ 12 por quilowatt, sem custos adicionais para o Brasil. Esse novo Anexo C do tratado seria um acordo que se basearia nos termos do “Entendimento entre Brasil e Paraguai sobre Diretrizes Relacionadas à Energia de Itaipu Binacional”, de 16 de abril de 2024. O Ministério de Relações Exteriores brasileiro afirmou que também ficou acordado que o Paraguai poderia vender a energia excedente ao Brasil, de maneira direta e disputando mercado com geradores brasileiros. A invasão, citada pelo UOL e confirmada pela CNN, teria acontecido alguns meses antes do governo fechar esse novo acordo sobre os valores pagos.

Esse acordo firmado em maio de 2024 deveria ser assinado até o final de maio deste ano e, a partir do ano passado, o preço da tarifa brasileira já teria uma redução, passando a ser de US$ 19,28 por quilowatt, contra US$ 16,71 anteriormente. O governo brasileiro, no entanto, abriu mão de US$ 300 milhões por ano para garantir que os consumidores não sentissem o impacto do reajuste. O acordo final depende da aprovação das novas condições no Congresso brasileiro, e para o Paraguai o acordo é considerado uma vitória, pois o país receberia mais recursos pela energia que vende ao Brasil e poderia, futuramente, vender o excedente de energia no mercado brasileiro, com essa mudança sendo vista como um avanço importante para o desenvolvimento do Paraguai.

Porém, todos os últimos acontecimentos reacenderam discussões em torno das negociações diplomáticas entre Brasil e Paraguai sobre a operação da binacional, pois não é de hoje que as negociações sobre a divisão da energia e os custos de operação da usina geram tensões diplomáticas entre os dois países. O governo brasileiro emitiu nota após publicação da reportagem que denunciava o ato de espionagem dizendo que a operação havia sido planejada no governo de Jair Bolsonaro (PL).

O tema sobre negociações de Itaipu vão além de ser somente um acordo entre Brasil e Paraguai pois envolve uma reflexão mais profunda sobre a Integração latino-americana que, atualmente, centra-se em torno da questão do comércio internacional e possui um senso de pan-americanismo devido à política dos EUA de integração regional, linha que acentua-se de uma forma específica diante da política atual de Donald Trump que, dentre outros aspectos, envolve a intenção de ter cada vez mais influência na América Latina e minar acordos e avanços que a China possa ter nesse território.

A Associação Latino-Americana de Integração tinha desde sua criação o objetivo de desenvolver um mercado comum latino-americano, a longo prazo e de maneira gradual, mediante a concessão de preferências tarifárias e acordos regionais de alcance parcial. O Mercosul, que surge na onda dos avanços da União Europeia e do NAFTA, também representa uma das mais recentes tentativas de integração regional no subcontinente sul-americano, acordo que atualmente também se encontra em crise e possui inúmeras questões que envolvem o debate sobre quanto cada país teria de Influência dentro do Mercosul, com discussões abertas sobre o quanto o Brasil ocuparia um lugar de maior domínio, já que concretamente é a maior economia do Bloco e busca influenciar os outros países.

A reflexão sobre como se desenvolverá o Mercosul e as demais medidas de Integração latino-americana se relocaliza diante da nova situação mundial, que envolve reorganizações políticas e estratégicas importantes por parte dos países imperialistas e das grandes potências mundiais, com destaque para o desenrolar da política de Donald Trump e a influência desta na América Latina e, mais de imediato, em como as tarifas que Trump impõe à diversos países influenciará, direta ou indiretamente, cada país e os próprios acordos comerciais e financeiros entre os territórios do Cone Sul e da América Latina como um todo.

Como explicitado a partir do exemplo das disputas entre Brasil e Paraguai, uma verdadeira integração da América Latina, ou da América do Sul, encontra barreiras importantes para se concretizar dentro da atual sociedade capitalista. Uma das dificuldades diz respeito à relação entre os países imperialistas, como Estados Unidos, com os países coloniais ou semicoloniais, como o Brasil e os demais países da América Latina, guardadas as devidas diferenças entre eles, pois os países imperialistas vão sempre buscar subordinar os demais territórios aos seus interesses para conseguir manter sua localização no globo, ainda mais em um momento em que o conflito entre Estados Unidos e China ganha novos contornos.

Em relação aos países da América Latina ou do Cone Sul, o que observa-se são as próprias burguesias locais disputando entre si, situação que vai inclusive além dos governos específicos dos países. Os acordos entre as regiões da América Latina possuem limites claros no que diz respeito ao bem estar da população dos países, que fica secundarizado diante dos interesses políticos e econômicos dos governos e dos capitalistas. No caso de Itaipu, faz-se necessário refletir como a energia gerada pela usina atende aos interesses dos trabalhadores e do povo pobre do Brasil e do Paraguai e dos demais países da América do Sul, sem que seja a população a pagar pelas disputas entre os governos dos países.

Outro debate fundamental de ser feito neste período de aprofundamento da crise climática que afeta diversas regiões do mundo de maneiras variadas, é como todo o processo de geração de energia precisa ocorrer sem degradar o meio ambiente, em uma relação harmônica com a natureza, sem a expulsão e maus tratos aos povos originários e esmagamento da fauna e flora das regiões que recebem empreendimentos como o que é a Usina de Itaipu. Construções como essa precisam ser geridas pelos trabalhadores, por especialistas e pelos povos originários para que os resultados não estejam à serviço dos lucros dos capitalistas e dos interesses dos governos, mas sim a serviço de atender aos interesses da sociedade de conjunto.

A Integração da América Latina precisa ocorrer via unidade da classe trabalhadora desses países, se confrontando com o imperialismo e com as burguesias de seus respectivos países, pois o que vê-se ocorrer atualmente são acordos entre governos e as burguesias em prol de seus interesses por meio de disputas onde quem paga a conta é a classe trabalhadora e o povo pobre de toda América Latina e Cone Sul. O único setor que pode combater verdadeiramente o imperialismo e as burguesias de cada país é a classe trabalhadora, aliada aos setores oprimidos, de forma independente.


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