Adesão da Guiné Equatorial à CPLP “não teve qualquer impacto na vida”

A Guiné Equatorial e a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) assinalam hoje essa adesão, em 23 de julho de 2014, na 10.ª Cimeira de chefes de Estado e de Governo da organização lusófona, em Díli, com a visita a Malabo do presidente em exercício da CPLP, o chefe de Estado são-tomense, Carlos Vilanova, que foi recebido pelo homólogo equato-guineense, Teodoro Obiang Nguema Mbasogo.

 

Plácido Micó Abogo, que era, há dez anos, em 100 deputados, o único da oposição no parlamento equato-guineense, disse à Lusa que, hoje, “mais de 99% da população da Guiné Equatorial não teve sequer conhecimento de que o país faz parte da CPLP, nem isso teve qualquer impacto na sua vida quotidiana”.

O fundador da CPDS afirmou que a adesão não só não se traduziu na “abertura internacional” que era então expectável, como o Governo em Malabo a “tem utilizado como propaganda política, em vez de aproveitar as recomendações políticas que a integração numa organização desta natureza traz consigo”, nomeadamente “maior abertura política no país, sobretudo no que diz respeito aos direitos humanos, e progresso na gestão política no que diz respeito às liberdades públicas, que supostamente foram compromissos assumidos no âmbito da adesão”.

A título de “exemplo”, o político apontou a “eliminação da pena de morte” no sistema jurídico do país, um compromisso assumido com a adesão, mas a que o “Governo [equato-guineense] resistiu todo este tempo”, e, quando o satisfez, “fê-lo sem muita clareza, sem muita contundência”.

A derrogação da pena de morte no novo Código Penal do país, publicado em 17 de agosto de 2022, é ainda um tema polémico interna e externamente. Em causa está o artigo 26º do código, que determina que, “na aplicação das penas, a pena de morte é totalmente abolida na República da Guiné Equatorial”.

Ora, como escreveu em fevereiro último o anterior ministro da Justiça — o governo equato-guineense foi demitido em bloco na passada sexta-feira -, Sérgio Abeso Tomo, “de uma sã leitura e interpretação do artigo 26.º do novo Código Penal, resulta claro que o artigo em causa significa que a pena de morte pode ser pronunciada na República da Guiné Equatorial, mas não pode ser aplicada ou executada”.

Abeso Tomo, que foi presidente do Supremo Tribunal equato-guineense antes de chegar ao Governo, acrescentou nesse texto, divulgado no Facebook, que “pode inferir-se que, ao prever ‘in limine’ no artigo 26.º do novo Código Penal que ‘na aplicação das penas, a pena de morte é abolida’, o legislador reconhece que a pena de morte continua a existir na República da Guiné Equatorial e deve continuar a ser aplicada pelos tribunais equatoguineenses”.

A última execução da pena de morte no país aconteceu, segundo a Amnistia Internacional, em 2014, porém, isso não impede, segundo Plácido Mico, que “as pessoas continuem a ser executadas ou encontrem a morte extrajudicialmente, nas esquadras de polícia e nas prisões públicas, como infelizmente tem sido noticiado nos últimos 10 anos”.

A Guiné Equatorial não dispõe de “um sistema de justiça propriamente dito, constituído por juízes imparciais”, acrescentou o político da oposição.

O seu “sistema de justiça está às ordens do poder político e é utilizado, fundamentalmente, não só para encobrir a corrupção, mas também para reprimir politicamente as vozes dissidentes, a oposição e os partidos políticos”, afirmou.

Dez anos depois da adesão à CPLP, “a situação dos direitos humanos é pior, porque não houve consolidação das garantias e dos compromissos”, afirmou.

“As pessoas são tratadas de forma desumana, sem qualquer respeito pelas leis do próprio país – isto é o mais lamentável. Apesar de termos leis, muitas das quais são injustas, imperfeitas, e repressivas, a questão é que o pouco que essas leis podem garantir, o Governo viola totalmente e procede de forma totalmente arbitrária quando se trata de perseguir, deter, reprimir, torturar, prender pessoas”, continuou o político.

“Isto tem sido feito nos últimos 10 anos com maior impunidade e com menos pressão internacional”, concluiu Plácido Mico Abogo.

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