Acordo que reconheceu independência do Haiti completa 200 anos e país ainda sofre as consequências

Em 17 de abril de 1825 a França reconheceu a independência do Haiti, em troca do pagamento de uma dívida milionária, que desde o início prejudicou o desenvolvimento do país. O acordo gerou consequências que atravessaram 200 anos e contribuíram para que a nação caribenha se tornasse a mais pobre das Américas atualmente.

Em 17 de abril de 1825 a França reconheceu a independência do Haiti, em troca do pagamento de uma dívida milionária, que desde o início prejudicou o desenvolvimento do país. O acordo gerou consequências que atravessaram 200 anos e contribuíram para que a nação caribenha se tornasse a mais pobre das Américas atualmente.




Manifestante segura um cartaz em francês com os dizeres “Restituição e compensação para o Haiti” enquanto ouve o discurso do presidente francês François Hollande do lado de fora do Palácio Nacional em Porto Príncipe, Haiti, em maio de 2015. (Imagem ilustrativa)

Foto: AP – Dieu Nalio Chery / RFI

Por Juliette Chaignon, da redação da RFI

O Haiti conquistou sua liberdade em 1804, após a vitória dos haitianos escravizados sobre o Exército francês, tornando-se a primeira república negra a ser declarada livre. Mas o reconhecimento por parte da França só veio 21 anos depois, com o acordo firmado entre o então presidente haitiano Jean-Pierre Boyer e o rei francês Carlos X.

Em troca, o Haiti teve que pagar 150 milhões de francos-ouro (moeda vigente na época) pela liberdade e pelo reconhecimento da França. Ao concordar em pagar essa quantia, sob coação e ameaça de guerra do rei Carlos X, o Haiti, sem saber, embarcou em uma espiral de dívidas e dificuldades econômicas, cujos efeitos ainda podem ser sentidos ainda hoje.

“Esse é um pagamento indevido. Os que realmente sofreram danos foram os escravizados”, analisa Jean-Marie Théodat, geógrafo haitiano e professor da Sorbonne.

“O paradoxo é que são os vencedores que estão pagando um resgate aos vencidos, porque os haitianos derrotaram o exército francês para proclamar sua independência”, completa Théodat.

Dívida maior que os recursos

Na época, foi acordado que o valor milionário deveria ser pago em cinco parcelas. A primeira, de 30 milhões de francos-ouro era seis vezes maior que os recursos haitianos. Para pagar o valor, o país foi forçado a tomar empréstimos de bancos franceses, pagando juros e comissões até a década de 1950.

No total, o Haiti teria pago US$ 560 milhões em valores mais atualizados, segundo cálculos do jornal norte-americano New York Times, em uma reportagem publicada em 2022. Esse freio ao desenvolvimento, desde o nascimento da República Haitiana, corresponderia a uma perda de pelo menos US$ 21 bilhões, segundo economistas.

Sem esse atraso, especialistas estimam que o país mais pobre das Américas teria hoje uma economia próxima à da República Dominicana. “Houve elementos de modernização do Estado, como escolas e hospitais, que infelizmente não conseguiram se desenvolver devido a essa falta estrutural de recursos”, analisa o pesquisador Jean-Marie Théodat.

Expectativas de reparação

Dois séculos depois, os haitianos ainda têm grandes expectativas de uma reparação por parte do Estado francês. O país está atualmente passando por uma grave crise econômica e de segurança. As gangues controlam 85% da capital.

Na França, duas resoluções estão sendo levadas à Assembleia Nacional. Uma delas trata de “relações pacíficas” e o “reconhecimento de uma história comum” entre os dois países, proposta pelo partido La France Insoumise (A França Insubmissa, LFI).

“Quando olhamos para a história que une os dois países, tudo o que os regimes e governos franceses fizeram ao Haiti e o dinheiro investido, não é suficiente”, declarou Gabrielle Cathala, deputada da LFI, cuja resolução pede ao governo que reconheça “os crimes contra a humanidade” cometidos no Haiti, mas também que fortaleça a “cooperação”, particularmente na área de segurança.

Outra resolução, apoiada por deputados comunistas e ultramarinos, defende a “reparação” e o “pagamento” da dívida.

“Como se diz em crioulo (dialeto haitiano), o perdão não cura feridas. Certamente precisamos de atos simbólicos, mas também precisamos de medidas concretas para que o povo haitiano possa sair desta situação bastante grave”, afirma Marcellin Nadeau, deputado pela Martinica, território francês ultramarino.

Posição do governo francês

Em janeiro, durante um encontro com o presidente francês, Emmanuel Macron, o ex-chefe de Estado haitiano Leslie Voltaire garantiu que havia levantado a questão da “restituição”, um termo que não apareceu no comunicado de imprensa do Palácio do Eliseu.

Segundo o governo francês, Emmanuel Macron deve anunciar nesta quinta-feira (17), “iniciativas” e o reconhecimento da “força injusta da história que atingiu” o Estado haitiano desde seus primórdios.

O presidente francês também deve lançar um “projeto memorial” para determinar os impactos da atuação do rei Carlos X no desenvolvimento do país.

O chefe de Estado “diz que está pronto para tirar todas as conclusões” quando o trabalho estiver concluído, mesmo que os contornos deste “trabalho histórico aprofundado” permaneçam obscuros.

Na imprensa francesa, nos últimos dias, pesquisadores e especialistas têm destacado a necessidade de reparação, ou mesmo indenização, da França ao Haiti.

“O assunto também está sendo olhado de perto em todo o mundo afrodescendente, porque o Haiti é um símbolo”, explica o pesquisador Jean-Marie Théodat. E o Haiti não é a única ex-colônia francesa a buscar reparações. O assunto também surgiu desde os anos 2000 na Guiana, Martinica e Reunião.

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