Abril em Portugal – Luciano Amaral


Passam daqui a três dias 50 anos sobre o golpe militar de 25 de Abril de 1974 e, como era de prever, sucedem-se as expressões delicodoces sobre o ‘dia inicial inteiro e limpo’, a ‘luz ao fim da longa noite’ ou a necessidade de ‘cumprir Abril’. Isto é esquecer que o 25 de Abril foi um evento algo estranho. Samuel Huntington disse em 1991 que “a terceira vaga de democratização começou, de forma implausível e involuntária, vinte e cinco minutos depois da meia-noite, na quinta-feira, 25 de Abril de 1974, em Lisboa, quando uma estação de rádio tocou a canção ‘Grândola, Vila Morena’”. Note-se as qualificações ‘implausível e involuntária’. De facto, ninguém tinha imaginado as coisas assim. Imaginava-se uma evolução interna do regime autoritário em direcção à liberalização e, depois, à democracia, já que a oposição era completamente inoperante para tomar o poder. No fundo, foi o que aconteceu em Espanha.

O destino de Portugal como democracia liberal estava essencialmente traçado pela Guerra Fria: de Berlim para cá, deveriam existir regimes desse tipo; para lá, os autoritarismos socialistas. Duas coisas complicaram tudo. Uma, a Guerra Colonial, que tinha criado uma massa de militares insatisfeitos. Outra, os protagonistas, os quais, ao mesmo tempo que aceitavam a quase inevitabilidade da democracia, mantinham reserva mental sobre ela: Marcello Caetano não era democrata; António de Spínola tinha uma estranha vocação autoritária; o PCP via a restauração das ‘liberdades burguesas’ como uma mera etapa para o socialismo de tipo soviético; mesmo o PS namorava então o esquerdismo e o ‘não-alinhamento’. Só o PPD de Francisco Sá Carneiro defendia a solução de forma mais clara. E depois havia uma multidão de pequenos partidos maoistas, trotskistas, castristas, que começaram a ter grande influência sobre o Movimento das Forças Armadas (MFA).

Uma vez derrubado o regime, estes projectos encavalitaram-se uns nos outros: o autoritarismo de Spínola; um MFA em roda livre, dilacerado entre PCP, esquerdismo e moderação; um PCP a perder controlo sobre os acontecimentos; um PS pronto a radicalizar para ganhar espaço. Ao fim de uns meses, o presumivelmente ordeiro processo de democratização tinha-se transformado em ‘revolução’. Depois, foi preciso juntar os cacos para voltar à casa de partida.




Passam daqui a três dias 50 anos sobre o golpe militar de 25 de Abril de 1974 e, como era de prever, sucedem-se as expressões delicodoces sobre o ‘dia inicial inteiro e limpo’, a ‘luz ao fim da longa noite’ ou a necessidade de ‘cumprir Abril’. Isto é esquecer que o 25 de Abril foi um evento algo estranho.


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