Quando se começou a falar na possibilidade da candidatura presidencial do Almirante Gouveia e Melo fui bastante céptico: achava que ter gerido de forma competente e eficaz uma campanha de vacinação em tempo de pandemia era certamente demonstrativo de capacidade de liderança e organização logística mas também que fazer bem o seu trabalho — mesmo que um trabalho exigente — seria qualificativo insuficiente para a Presidência da República. Mais ainda quando o protagonista tem falta de experiência política e quando o seu pensamento — sobre a política e sobre o país — é pouco conhecido.
Mais recentemente, vi com alguma surpresa vários amigos de inclinação liberal e/ou conservadora alinharem-se com a candidatura do Almirante – incluindo um, que muito estimo, e está em posição pública de destaque como um dos sete fundadores no movimento Honrar Portugal, Rodrigo Adão da Fonseca, também ele colunista do Observador. Perante estas adesões e os resultados francamente animadores — ainda que muito preliminares – de Gouveia e Melo nas sondagens, vale a pena reflectir um pouco sobre o fenómeno da candidatura do Almirante.
Um primeiro factor a considerar é que o Almirante Gouveia e Melo corporiza a rejeição dos partidos e, em particular, a saturação de boa parte do eleitorado com os dois grandes partidos do centro: PS e PSD. A crise política (mais uma…) que culminou com novas eleições legislativas antecipadas é mais um factor que favorece a candidatura de Gouveia e Melo. O reforço do desgaste dos principais partidos e das principais figuras a eles associadas favorece naturalmente ainda mais uma candidatura externa. Mais relevante talvez: Gouveia e Melo personaliza essa rejeição de uma forma aparentemente benigna e abrangente, apresentando-se com um perfil moderado e inclusivo associado a uma figura forte. É sabido que a política portuguesa dá geralmente bom acolhimento a figuras percepcionadas como providenciais — especialmente em momentos de crise — e o slogan “Honra Portugal”, assim como a própria imagem do Almirante, claramente ajudam. Sendo que a importância da imagem em política não deve nunca ser subestimada, mais ainda numa eleição personalizada como é o caso da escolha do Chefe de Estado e da figura que será o representante máximo do país na esfera internacional.
À notória agonia dos partidos do centro, acresce um outro factor que favorece Gouveia e Melo: a fraca concorrência. Nem PSD nem PS têm candidatos fortes para apresentar. Pedro Passos Coelho, Leonor Beleza, António Guterres ou António Costa seriam todos opções com potencial claramente superior mas, por diferentes razões, nenhum se apresenta disponível. Perante este cenário pouco animador, o PSD poderia ainda assim ter optado por tentar arriscar com uma candidatura disruptiva – como seria o caso de Miguel Morgado – mas optou pela previsibilidade com Marques Mendes que enfrentará muitas dificuldades para se afirmar face ao Almirante.
Do lado da esquerda, a situação é hoje estruturalmente difícil, até porque longe vão os tempos da consensual “maioria sociológica de esquerda” em Portugal. A melhor esperança dos socialistas é conseguir colocar um candidato na segunda volta mas, mesmo nesse cenário, não se afigura fácil derrotar o Almirante Gouveia e Melo. O Chega não está muito melhor no que diz respeito às presidenciais: André Ventura parece desejoso de aproveitar a oportunidade concedida pelas legislativas antecipadas para se retirar das presidenciais, o que é compreensível dado o forte apelo que o Almirante exercerá sobre parte significativa do eleitorado do partido. Mas Ventura corre o risco de apoiar o Almirante apenas para ver esse apoio ser ignorado ou mesmo rejeitado, sujeitando-se a uma humilhação pública. Quanto à IL, a candidatura de Mariana Leitão deverá fazer pouco mais do que picar o ponto. Numa campanha que aumentará os seus níveis de notoriedade e simultaneamente testará o seu potencial para uma eventual corrida à liderança no futuro, superar claramente os 3,22% conseguidos por Tiago Mayan Gonçalves em 2021 é o patamar mínimo exigível à candidata presidencial da IL, com a fasquia dos 5% (acima do resultado da IL em 2024) a ser uma ambição legítima, mas de difícil concretização.
Mas o principal factor que impulsiona as boas perspectivas do Almirante tem um nome: Marcelo Rebelo de Sousa. A forma como Marcelo exerceu as funções presidenciais leva agora boa parte do eleitorado a desejar precisamente uma espécie de “anti-Marcelo”, seja do ponto de vista da contenção da comunicação seja relativamente à sobriedade institucional e à promoção da estabilidade política. Não obstante a contribuição de outros factores, o potencial sucesso eleitoral do Almirante deve muito à conduta de Marcelo que, ironicamente, se arrisca a deixar como os seus dois principais legados a instabilidade política e o regresso de um militar à Presidência da República.
Chegados a este ponto, é cada vez mais notório o efeito bandwagon em torno da candidatura do Almirante. Só esse efeito pode justificar um movimento cívico de apoio que une desde Teresa Violante e Francisco George até Isaltino Morais, Carlos Carreiras, Alberto João Jardim e Ângelo Correia. No actual quadro, deverá bastar a Gouveia e Melo exercer contenção e não cometer erros graves na postura e no discurso, algo que se espera esteja ao alcance de alguém com a sua experiência de liderança, disciplina organizacional e sentido institucional.
Admitindo que consegue vencer as eleições presidenciais – o que hoje parece um cenário provável mas ainda longe de certo – a margem de vitória será também importante. Uma vitória à primeira volta por larga margem aumentará a tentação de criar um novo Partido do Centro para regenerar o país, projecto com riscos vários que a ser bem sucedido poderia até mudar a natureza do regime. Mas essa é matéria que ficará para reflexões futuras. Para já, ficam os sinais de uma candidatura que se vai afirmando e somando apoios e que, se não cometer erros graves, deverá dar poucas hipóteses à concorrência. Os principais desafios chegarão no entanto depois, sendo que muito dependerá da orientação que prevalecer junto do Almirante.
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