A necessidade de um novo CEDN – Observador

O Conceito Estratégico de Defesa Nacional (CEDN) é o documento oficial do Estado Português que define os aspetos fundamentais da estratégia global a adotar pelo Estado para a consecução dos objetivos da política de segurança e defesa nacional.

Este documento foi criado pela primeira vez em 1994 com o objetivo de formalizar a doutrina estratégica portuguesa no pós guerra fria, e, desde aí, já sofreu duas revisões periódicas, uma em 2003 e a última em 2013.

Seria esperado que em 2023 tivesse ocorrido uma nova revisão periódica, tendo o Ministério da Defesa Nacional, em 2022, criado um conselho de revisão do CEDN. Porém, a instabilidade política vivida no país desde 2024, iniciada pela dissolução do parlamento e do governo de António Costa, tem trazido atrasos ao desenvolvimento e aprovação do novo CEDN.

O posicionamento estratégico de Portugal no sistema internacional é posto em causa pela inexistência de um CEDN revisto. Desde 2013 houve várias mudanças na ordem internacional, com a emergência de vários conflitos que põem em causa a segurança da Europa, e, consequentemente, de Portugal. Para além disso, apesar da criação da Estratégia Nacional de Ciberdefesa, em 2022, o crescimento do espaço cibernético foi maior do que podia ter sido imaginado e a sua importância para o dia a dia faz com que este tenha de ser assegurado e protegido como uma área de interesse nacional.

A ausência de um novo CEDN também causa atrasos na reforma das Forças Armadas e uma falta de investimento no setor da defesa. A opinião sobre a necessidade de tal investimento varia entre os partidos, porém, é inegável que, cada vez mais, urge um afastamento europeu dos EUA, e que Portugal não pode depender apenas da NATO e do seu parceiro atlântico em caso de emergência.

Antes de se analisar o CEDN de 2013, é importante entender o contexto mundial e de Portugal nessa altura. Enquanto o CEDN de 2003 foi influenciado pelos ataques terroristas do 11 de setembro de 2001, o atual (de 2013) foi moldado pela crise económica de 2011. Isto faz com que, no mesmo, sejam várias vezes referidas a segurança económica e a estabilidade da União Europeia e da zona Euro.

Porém, este documento também lista os valores fundamentais e os interesses de Portugal. Os interesses nacionais que decorrem do estatuto de Portugal como uma democracia europeia e atlântica – com vocação universal, mas com recursos limitados – tornam necessária a sua integração numa rede de alianças estável e coerente. A UE e a NATO são, assim, vitais para a segurança e defesa nacionais, bem como para a modernização e prosperidade de Portugal.

O CEDN considera a continuidade da Aliança Atlântica e da UE como indispensáveis para garantir condições mínimas de estabilidade num cenário de transformação que pode pôr em causa os interesses nacionais.

Para além disso, são definidos seis diferentes espaços de interesse estratégico nacional: a Europa, o Atlântico Norte, o Atlântico, as comunidades portuguesas, o Magrebe e a Ásia. As definições destes espaços de interesse nacional revelam a vocação universal de Portugal, e como a posição geográfica do país ajuda a estabelecer um elo natural nas relações entre a Europa Ocidental, América do Norte, América do Sul e a África Austral.

Ademais, também são enumerados os princípios da segurança e defesa nacional, tal como os objetivos nacionais permanentes. A par disso, são também definidos os vetores e linhas de ação estratégicas como por exemplo, afirmar Portugal como coprodutor de segurança internacional.

O novo CEDN deve continuar a ilustrar Portugal como um país com vocação universal e capaz de ser elo de ligação entre as diferentes regiões do mundo, usando a sua geografia e história como motivação para fazer sentir a sua presença.

O relatório, publicado em 2023, pelo Instituto de Defesa Nacional, sobre o Conselho de Revisão do CEDN, fala sobre esta posição de Portugal no mundo e os desafios que a mesma traz para a segurança e estabilidade do país. A segurança de Portugal também está interligada com a estabilidade do Sahel e do norte de África devido à proximidade geográfica com a região. Para além disso, a estabilidade na América do Sul é essencial para a posição de Portugal na ordem internacional, devido à forte parceria com o Brasil. A região do Indo-Pacífico também é importante para Portugal devido às relações relevantes de Portugal com Moçambique e Timor-Leste, mas, principalmente, pelo crescimento da China e da sua esfera de influência, e a importância das parcerias do Japão e da Índia com a UE.

Mas, apesar da importância destas regiões, a mais relevante para Portugal continuará a ser o seu “triângulo estratégico” entre Portugal Continental e os arquipélagos dos Açores e da Madeira. Este triângulo é essencial para um Atlântico Norte seguro e de livre navegação.

Os espaços de interesse estratégico nacional devem-se manter os mesmos do CEDN de 2013, podendo ser adicionado também o espaço cibernético e o espaço sideral, com especial atenção aos riscos que deles advêm.

Será de extrema importância olhar para Portugal como um membro fundamental das organizações multilaterais a que pertence. Num momento em que a NATO se encontra mais vulnerável, Portugal, e os outros estados-membros, têm decisões importantes a tomar, não apenas sobre o futuro da organização, mas também sobre como poderão apoiar-se mutuamente, caso algum estado-membro deixe de cumprir as obrigações previstas no tratado. Ao mesmo tempo, Portugal deve ter em conta a sua vertente europeia e continuar a sua participação na Política Comum de Segurança e Defesa e nas suas missões civis e militares externas da UE. Para além disso, a CPLP não pode ser esquecida e a colaboração, tanto bilateral como multilateral, deve ser fomentada de forma a estabelecer parcerias seguras e a garantir que a diáspora Portuguesa continue a ser espalhada por todo o mundo.

Em suma, independentemente de quando este documento for publicado, o CEDN deverá continuar a defender os mesmos valores e os direitos humanos definidos na Carta das Nações Unidas. Porém, é de uma extrema importância que o próximo governo português continue a revisão deste documento e apresente uma versão atualizada, que reflita os novos desafios internacionais e que prepare Portugal para uma ordem internacional em constante mudança e onde as potências mundiais estão em competição. Antes de se discutir o aumento dos investimentos no setor da defesa, e a elevação da aplicação de 2% do PIB nesse setor, é fundamental estabelecer uma base sólida de ideais e uma doutrina estratégica bem definida. O contexto internacional, desde 2013, sofreu bastantes alterações, e cada vez há mais preocupações ambientais e sanitárias, para além de novas guerras pelo mundo que põem sob ameaça a estabilidade e segurança de Portugal. Portugal precisa de estar preparado para enfrentar estes desafios, e um novo CEDN é essencial para começar essa preparação.


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