A dimensão histórica e estratégica da relação entre Brasil e Paraguai

» Sérgio E. Moreira Lima — Embaixador de carreira, advogado e presidente do Conselho da Sociedade Brasileira de Direito Internacional

Compete à história manter viva a memória dos tempos a fim de que se possa aprender com os erros do passado. O episódio recente de espionagem envolvendo Brasil e Paraguai tem motivado artigos que lançam um olhar enviesado para a Guerra da Tríplice Aliança, que se tornou conhecida como a Guerra do Paraguai, de 1864 a 1870. Trata-se de um conflito desastroso, que não foi provocado pelo Brasil. Trouxe enormes perdas para o Paraguai, bem como consequências políticas e econômicas importantes para o Brasil com a abolição da escravidão, a queda da monarquia e a proclamação da República. A guerra despertou repúdio do Visconde do Rio Branco, maior estadista do Império, ao uso da força nas relações internacionais. Ela exerceu importante influência em seu filho, futuro barão do Rio Branco, patrono da diplomacia brasileira, que se tornou o artífice da cultura de paz, marca da identidade internacional do Brasil.

Se o objetivo é voltar ao passado para entender o presente, caberia examinar a gênese da independência do Paraguai e o papel exercido pelo Brasil para torná-la realidade. Em seu La Independencia del Paraguay y el Imperio del Brasil, o historiador paraguaio R. Antonio Ramos examina em profundidade, a partir de ampla pesquisa, em fontes primárias, o processo de reconhecimento internacional da independência do Paraguai nas décadas de 1840 e 1850, especialmente a contribuição do Brasil. Publicado em 1965, em Assunção, e reeditado pela Funag em 2016, o livro permite a compreensão histórica do início das relações entre o Brasil e o Paraguai, num contexto em que fica claro o ânimo positivo do Império brasileiro em relação à autonomia do vizinho guarani. Essa atitude era natural à luz do convívio no passado entre portugueses e paraguaios. Não havia nenhum fator de animosidade, muito pelo contrário, entre as duas nações sul-americanas.

A Guerra da Tríplice Aliança resulta do expansionismo territorial do governo autoritário de Solano Lópes (1862-1870), da captura do navio brasileiro Marquês de Olinda e da invasão paraguaia da província de Mato Grosso. Após a agressão, Argentina, Brasil e Uruguai formaram a Tríplice Aliança em defesa da integridade territorial, da livre navegação dos rios platinos e da salvaguarda dos interesses da região. Como diplomata, comecei minha carreira no Itamaraty na então Divisão da Bacia do Prata, na década de 1970, e pude testemunhar o respeito, o empenho e a amizade do Brasil em relação ao Paraguai. O Brasil planejou e trabalhou para tornar realidade o paradigma de Rio Branco de fazer da geografia a melhor política, capaz de gerar também prosperidade econômica.

O projeto de Itaipu é, sem dúvida, o marco dessa relação, que se amplia e se torna mais complexa com a aproximação dos dois países, assim como é também o próprio Mercosul. Atualmente, outras frentes de parceria e cooperação estão sendo abertas, tais como a rota bioceânica, que ligará o Porto de Santos ao de Antofagasta, no Chile, promovendo ainda maior integração do Brasil com Paraguai e Argentina. A rota é de imenso valor estratégico para o desenvolvimento regional na medida em que estabelece a ligação do Atlântico ao Pacífico, aproximando o Mercosul do Indo-Pacífico, da Índia, da China, da Austrália, da Indonésia, do Vietnã, do Japão, da Coreia do Sul e de tantos outros importantes países emergentes. O projeto da rota bioceânica, que tem na ponte sobre o Rio Paraguai, entre Porto Murtinho e Carmelo Peralta, importante elo, a ser inaugurado no primeiro semestre de 2026, abrirá perspectivas promissoras para o futuro do comércio de bens e serviços com os mercados mais dinâmicos do planeta.

Como observou outro estudioso paraguaio, o conhecimento histórico fundamenta e dá sentido aos vínculos cada vez mais profundos que se vão consolidando entre o Brasil e o Paraguai em benefício mútuo, do Mercosul e de toda a América Meridional. Não se pode perder de vista a dimensão estratégica do que está sendo construído pelos dois países. Quaisquer que sejam os incidentes de percurso serão pequenos diante da confiança na parceria e na aliança histórica entre o Brasil e o Paraguai. 


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