A difícil tarefa brasileira na presidência do CSNU: criar capital político para o assento permanente

A última mudança na estrutura do conselho que discute conflitos e guerras no mundo foi em 1965, quando o número de assentos não permanentes, como o que o Brasil ocupa agora, passou de seis para dez.

Pela 11ª vez, o país atua na entidade como membro não permanente até o fim do ano. Durante o mês de outubro, foi a vez de assumir a presidência do órgão que, dias depois, via eclodir um dos maiores conflitos armados da última década: a guerra entre Israel e Hamas, na Faixa de Gaza, que já deixou mais de 4,3 mil pessoas mortas, entre israelenses e palestinos, além de surpreender o mundo diariamente com as imagens de horror.

Por conta dos bloqueios de Israel ao território palestino, onde quase 2,3 milhões de pessoas estão sem acesso a itens básicos como alimentação, eletricidade e até água, Brasília tem voltado a sua atuação no CSNU para uma saída humanitária.

As tensões pioraram ainda mais nesta semana, após bombardeio atingir um dos principais hospitais de Gaza e deixar 500 mortos. Mesmo com a expectativa de aprovação da resolução brasileira para um cessar-fogo ou, pelo menos, um corredor humanitário que retire os civis da região, o país teve um revés na quarta-feira (18): o único país a rejeitar o texto foi os Estados Unidos, que tem poder de veto.

O pesquisador do Núcleo de Prospecção e Inteligência Internacional da Fundação Getúlio Vargas (NPII-FGV), Leonardo Paz, enfatizou à Sputnik Brasil que um bom papel do Brasil na presidência do principal órgão da ONU pode somar ao objetivo do país em se tornar membro permanente. Porém, o panorama atual deixa a tarefa ainda mais difícil. “Esse conflito em específico é muito complexo, e a iniciativa de colocar todos os participantes dentro da mesma mesa para negociar, nesse contexto, está inviável”, ressalta.

Segundo o especialista, cabe ao Brasil ser um mediador, o que já tem cumprido de forma positiva.

“Parece adequada a postura do Brasil no sentido de rapidamente reagir ao problema e tentar fazer com que o Conselho de Segurança como um todo tenha uma resposta, de uma maneira ou de outra. O Brasil na presidência não é o dono do Conselho, só que basicamente atua como um grande coordenador”, explica. Além disso, o pesquisador frisa que esse papel pode facilitar diálogos com os demais países, mas não é possível “ir muito além disso”.

Outro ponto ressaltado por Leonardo Paz é com relação aos posicionamentos brasileiros frente ao conflito, com a tentativa de fugir da polarização que domina o momento. “O país busca estruturar um argumento para cessar a violência e achar uma solução pacífica, fugindo desse sentido de que ou você é favor de Israel ou a favor dos palestinos, de estar do lado do terrorismo, ou apoiando a violência da reação israelense. Esse é o principal problema, conseguir romper todo esse contexto”, acrescenta.

Após veto, Brasil cutuca Estados Unidos

Enquanto isso, o Brasil segue com expectativa de um grande debate no CSNU previsto para a próxima semana. Em nota, o governo disse que o ministro Mauro Vieira já se deslocou para Nova York para costurar uma solução inclusive sobre a questão Palestina. “A reunião permitirá que países façam um chamado a um cessar-fogo e à abertura de corredores humanitários no mais alto nível”, informou.

No texto, o país ainda cutucou os Estados Unidos, único país que foi contrário à resolução que permitira ajuda humanitária na Faixa de Gaza.

“O projeto da presidência brasileira reuniu amplo apoio e foi aprovado por 12 dos 15 membros do CSNU ao texto – o que reflete o alto grau de preocupação com a situação humanitária decorrente do conflito israelo-palestino. A aprovação no Conselho requer o apoio de pelo menos nove de seus membros. Entretanto, o veto de um membro permanente do Conselho de Segurança levou à rejeição do projeto”, pontuou o pesquisador.

governo brasileiro defendeu que a resolução rejeitada trazia condenação aos atos de terrorismo “perpetrados pelo Hamas” em Israel no dia 7 de outubro, apelava pela libertação imediata e incondicional de todos os reféns civis, além de conclamar pela pausa humanitária para fornecimento rápido de ajuda de bens essenciais e a evacuação de toda a área em Gaza na porção Norte.

Exclusão da África e Sul Global

Meses antes de retornar ao conselho como membro não permanente, o Ministério das Relações Exteriores, ainda sob a gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), voltou a defender no fim de 2021 a reforma no Conselho de Segurança e uma cadeira para o Brasil. Conforme a pasta, quando o órgão foi criado, há quase 80 anos, os então 11 membros do conselho representavam 22% da composição da ONU, índice que atualmente, mesmo com mais quatro países não permanentes, não passa de 8%.

“Um Conselho de Segurança reformado deverá refletir a emergência de novos atores, em particular do mundo em desenvolvimento, que sejam capazes de contribuir para a superação dos desafios da agenda internacional”, informou a nota na época.

No início de 2022, em encontro com o então dirigente da pasta Carlos França, o ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergei Lavrov, chegou a declarar que o país era favorável à entrada brasileira permanente no órgão. Neste ano, foi a vez da China sinalizar apoio durante a última cúpula do BRICS.

Em agosto, a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) também defendeu durante conferência anual um assento brasileiro no CSNU, juntamente com um representante do continente africano.

Além do Brasil, fazem parte do grupo Portugal, Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Guiné Equatorial, Moçambique, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste.

O professor de relações internacionais da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Fernando Brancoli, disse à Sputnik Brasil que o pleito do país representa uma voz permanente no conselho do Sul Global, principalmente da América Latina, o que hoje é inexistente.

“O Brasil é uma voz que dialoga de maneira facilitada com vários atores globais em um número muito mais expressivo do que outras potências […] Transformar-se em um membro permanente significa passar a sentar na mesa de discussões dos principais temas internacionais. Todas as crises relevantes passam pelo conselho, seja para declarações, seja para tentar uma resolução”, pontua.

Mesmo com apoios relevantes, ainda há poucas evidências de que a reforma do grupo vá se concretizar, vide o histórico de lentidão com relação a qualquer tipo de mudança.

Mais investimentos em política internacional

Historicamente, o Brasil realiza poucos investimentos financeiros em sua política internacional gerida pelo Palácio do Itamaraty.

Conforme dados do Portal da Transparência, até setembro deste ano, o Ministério das Relações Exteriores recebeu cerca de R$ 3,3 bilhões, o que representa 0,1% de todos os gastos públicos até o momento.

Em todo o ano passado, as despesas da pasta ficaram em R$ 4,13 bilhões, ou 0,11% do total.

Para o professor Fernando Brancoli, outro impacto positivo do assento permanente é a maior prioridade para a área.

“Do ponto de vista doméstico, também mudaria bastante as ações do Brasil, porque obrigaria um investimento maior em política externa. O país precisaria de um grupo de diplomatas maior para atuar na ONU, o que daria ainda mais robustez ao Itamaraty. Somos um país que ainda gasta muito pouco, proporcionalmente, em política internacional”, justifica.

No campo geopolítico como um todo, o especialista defende que, com o ingresso, há possibilidade de grandes ganhos para o país, que passa a ser visto em outro patamar. “Quando você está na mesa discussão, não se trata só de um imperativo humanitário para ajudar as pessoas, mas você ganha acesso, de alguma maneira, a um clube de países com relevância. E obviamente, isso influencia a quantidade de informações que o Brasil passa a receber.”

Pela sexta vez, o Brasil foi eleito no dia 10 de outubro para o Conselho de Direitos Humanos da ONU, pelo período 2024-2026, outra importante instituição das Nações Unidas. Ao todo, foram 144 votos dos 193 Estados-membros, o que representa quase 75% do total. O número mostra a força do país como ator global, segundo o Ministério das Relações Exteriores, e o “reconhecimento internacional do compromisso assumido na promoção e defesa dos direitos humanos em todo o mundo”.

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