Organizações acusam Macron de conivência com liderança de Sissoco Embaló

Sucessão de encontros entre os dois presidentes é questionada pela Frente Popular e pelo Espaço de Concertação das Organizações da Sociedade Civil numa carta aberta enviada ao Palácio do Eliseu.

Umaro Sissoco Embaló encontrou-se com Emmanuel Macron em Paris, no início de março. | Facebook da Presidência da República da Guiné-Bissau

Mais de meia centena de organizações cívicas e sociais guineenses acusam o Presidente de França, Emmanuel Macron, de ser “conivente” e “cúmplice” da liderança de Umaro Sissoco Embaló que, para a oposição, permanece na Presidência guineense em violação da Constituição.

A última visita do Presidente da República da Guiné-Bissau a França – Sissoco Embaló completou cinco anos de mandato mandato no final de fevereiro – aconteceu no passado dia 3 de março, dias após um encontro com Vladimir Putin em Moscovo, numa semana marcada pelas consultas da Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO) em Bissau, no âmbito de uma missão política de alto nível mandatada por Abuja. Poucos meses antes, em dezembro, Sissoco Embaló havia recebido, pelas mãos de Macron, a mais alta condecoração do país: a Legião de Honra.

E é esta sucessão de encontros que a Frente Popular e o Espaço de Concertação das Organizações da Sociedade Civil, que aglomeram mais de 50 organizações nacionais, questionam numa carta aberta enviada ao Palácio do Eliseu via Embaixada em Bissau.

Na missiva à qual o Jornal Económico (JE) teve acesso, os signatários denunciam que, “na sua saga de desmantelamento do edifício democrático no nosso país, o ex-Presidente Umaro Sissoco Embaló tem igualmente beneficiado de estranha conivência e cumplicidade de lideranças no Ocidente, com especial destaque a República de França, liderada por Sua Excelência, que tem exercido influências diretas sobre alguns Chefes de Estado da CEDEAO, condicionando o seu posicionamento em relação à cruel ditadura vigente na Guiné-Bissau”.

De acordo com a mesma carta, as “aparentes relações diplomáticas” de Macron com Umaro Sissoco Embaló “não só são absolutamente alheias aos interesses dos povos guineenses e franceses, mas também colidem frontalmente com os valores e princípios fundadores da República de França, um país de democracia, de direitos e de liberdades”.

Os subscritores olham, ainda, para aquilo que consideram ser “contínuos apoios pessoais ao regime ditatorial de Umaro Sissoco Embaló como um patrocínio inequívoco que tem contribuído para a consolidação do regime autocrático na Guiné-Bissau com um real contágio a nível regional, em nome da agenda fundamentalista obscura e alheia aos interesses dos povos da Guiné-Bissau e da França”.

“O silêncio ensurdecedor de Sua Excelência e demais autoridades francesas em relação às atrocidades cometidas na Guiné-Bissau nos últimos cinco anos, largamente divulgadas pela imprensa internacional, francesa em particular, além de estar em flagrante contradição com a tradição democrática da França, ameaça fortemente os pilares das relações históricas entre os
nossos dois povos”, acusam.

A atribuição da Legião de Honra a Sissoco Embaló no final do ano passado, em Paris, “numa cerimónia improvisada”, é interpretada pelas duas organizações como uma forma de “branquear as nódoas da ditatura na Guiné-Bissau”, por um lado, e de “oficializar o pacto selado com este novo aliado na África Ocidental, num contexto de incertezas marcadas pela retirada militar forjada da França em vários países da África Ocidental e do Sahel”.

O JE questionou a Presidência de França sobre a receção da carta, mas ainda não obteve resposta.

À margem da última visita a França, a última do périplo que se seguiu à visita ao “irmão Putin”, palavras usadas pelo próprio, o Presidente da Guiné-Bissau, que passou também por Baku e por Budapeste, escreveu, a propósito do encontro com Macron, que as relações entre os dois países “alcançaram um novo patamar, atingindo um alto nível de excelência”. ” O Presidente da República foi recebido no Palácio de Eliseu pelo seu homólogo francês, Emmanuel Macron. Ambos analisaram as relações bilaterais, trocaram impressões sobre os desafios na Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental e partilharam as suas visões para a paz na Ucrânia”, lê-se numa nota publicada na página oficial da Presidência da Guiné-Bissau. Do lado do seu homólogo, porém, não foi feita qualquer referência ao encontro de dia 3 de março.

Na mesma carta aberta, a Frente Popular e o Espaço de Concertação das Organizações da Sociedade Civil alertam a Presidência Francesa para a “institucionalização de esquadrões de tortura na Presidência da República e no Ministério do
Interior com mais de uma centena de vítimas dentro e fora do país, através de raptos, sequestros e espancamentos contra opositores, jornalistas, ativistas e defensores de direitos humanos”, “uma realidade conhecida e registada em vários relatórios das organizações de direitos humanos guineenses e internacionais”.

Ao JE, Armando Lona, líder da Frente Popular, justifica o envio da carta aberta perante uma “conivência que se arrasta há muito tempo”, pedindo a Emmanuel Macron que “entenda o espírito da carta”. “Temos muita consideração pela relação entre os dois povos. Partilhamos interesses e valores comuns. O que não aceitamos – e exprimimos nessa carta -, é que as relações pessoais estejam encapotadas de relações diplomáticas e sejam trazidas para agendas de uma ditadura cruel como a Sissoco Embaló. O povo guineense está a pagar uma fatura alta”, afirmou.


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