Nova Ferroeste: O Trem da Expansão Imperialista na América do Sul

No ano de 2023, o Governo Federal incluiu no Projeto de Aceleração do Crescimento II (PAC II) a construção de uma malha ferroviária de 1567 km, ligando os centros produtores de soja no Mato Grosso do Sul ao porto de Paranaguá. O projeto tem sido rechaçado nas audiências públicas, com demandas da população centradas na mudança do traçado, que inclui ramais partindo de Cascavel para Chapecó e Foz do Iguaçu. Recentemente, o leilão para a concessão da Nova Ferroeste foi adiado para 2025, em um movimento que reflete a pressão das massas populares e dos movimentos sociais contra o projeto.

O investimento total está estimado em 35,8 bilhões de reais, com o objetivo de tornar o Paraná um centro logístico da América do Sul. Ao longo do projeto, é previsto o emprego de aproximadamente 30 mil trabalhadores nas quatro fases, para construir, além do ramal ferroviário, no mínimo 9 terminais de carga entre os dois estados, 74 pátios de cruzamento, 23 viadutos rodoviários, 137 pontes e 54 túneis ferroviários, em um prazo de 15 anos.

A construção tem como principal objetivo beneficiar o latifúndio agro-exportador de soja por todo o eixo da região inicial percorrida, do Mato Grosso do Sul até o Porto de Paranaguá. No entanto, a perspectiva é que pelo menos 43 aldeias indígenas sejam impactadas diretamente ou indiretamente pelo traçado da ferrovia, localizadas nos 49 municípios onde a ferrovia passará, considerando o entorno de até 10 km da malha ferroviária.

Traçado da Nova Ferroeste. Fonte: novaferroeste.pr.gov.br

Investimentos e interesses imperialistas

Em agosto de 2022, começaram as primeiras conversas de Ratinho Júnior – o então governador do Paraná – com executivos da China Railway, para discutir exatamente os projetos da Nova Ferroeste. Nesse sentido, o projeto que vai a leilão em 2025, adiado por pressões sociais em torno das insuficiências do projeto, tem no imperialismo chinês seu principal interessado.

A presença da China Railway no Brasil é marcada pela sua participação nas obras da Ferrovia de Integração Oeste-Leste (FIOL) na Bahia, prevista para ser inaugurada em 2027. Essa ferrovia visa escoar grãos da região de Matopiba, que inclui Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia. Além disso, um terminal portuário será construído para expandir a exportação de bens primários do latifúndio.

No porto de Paranaguá, a China Merchants Group adquiriu 90% do terminal de contêineres em 2017, com um investimento de 925 milhões de dólares. Essa aquisição reflete a estratégia chinesa de fortalecer sua presença nos principais portos brasileiros, facilitando o escoamento de produtos para o mercado chinês.

Em outro movimento estratégico, a COFCO (China Oil and Foodstuffs Corporation) venceu o leilão para construir o terminal STS 11 em Santos, com um investimento de 764 milhões de reais, previsto para ser entregue em 2025. Esse terminal será crucial para o aumento das exportações de grãos e outros produtos agrícolas.

A dependência da China em relação ao Brasil é significativa, especialmente no que diz respeito à soja. Cerca de 44% das necessidades totais de soja da China são atendidas pelo Brasil. Além disso, o país também é um fornecedor importante de açúcar e carne para a China. Essa dependência torna o Brasil uma extensão estratégica para a economia chinesa, justificando os investimentos em infraestrutura.

Além dos interesses chineses, outras nações também têm participação significativa no projeto. Empresas do Reino Unido, Japão e Emirados Árabes têm demonstrado interesse em investir na Nova Ferroeste. Esses investimentos estrangeiros são vistos como essenciais para potencializar o transporte de grãos e proteína.

Consultas públicas: uma farsa para o povo

Diferentemente da época do Contestado, em que as desocupações eram impostas de forma imediata e violenta, a Nova Ferroeste adota uma postura mais sutil. O projeto inclui consultas públicas e um Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental (EIA/Rima) milionário, que custou 13,4 milhões de reais. No entanto, essas consultas são vistas como uma farsa, pois camponeses, indígenas e demais comunidades envolvidas foram praticamente ignoradas no processo.

A repórter Isadora Stentzler, do Brasil de Fato, entrevistou representantes de três aldeias diferentes, que afirmaram não ter sido procurados por nenhum dos órgãos para a elaboração do EIA. O Cacique Ilson Soares, da Tekoha Y’hovy, em Guaíra, destacou que o traçado da ferrovia irá percorrer dentro do território, beirando as comunidades. No Oeste do Paraná, existem cerca de cinco mil indígenas Guarani, em 24 tekohas diferentes. Em entrevista, o cacique alertou:

“Essa estrada de ferro vai passar, praticamente, no meio da Terra Indígena Guasu Guavirá. Como é uma demarcação contínua, ficará uma parte de um lado e outra parte do outro. Não sabemos como serão os impactos físicos e sociais: trazendo mais gente para o município, que é um município muito racista e preconceituoso. Já tivemos muitos problemas com a sociedade ao redor e isso só irá piorar um pouco mais as coisas.”

O Cacique Anatalio Ortiz, da Tekoha Jevy e Tekoha Hite, também afirmou não ter sido consultado e destacou que a construção de áreas de transbordo e pontilhões causará impactos sonoros e na pesca de subsistência das comunidades.

Resistência popular e danos irreparáveis

As massas do entorno da Serra da Prata, que serão afetadas pelo traçado da ferrovia, rechaçam o projeto de forma veemente. Eles apontam para os danos irreversíveis às comunidades do Sambaqui, Rio Sagrado, Mundo Novo e Floresta, no município de Morretes, bem como à fauna e flora da região. O movimento “Na Serra Não” tem sido uma força importante na resistência, envolvendo entidades democráticas como APRUMUS (Associação dos Produtores Rurais e Moradores do Mundo Novo do Saquarema) e GEAS (Grupo de Estudos e Ações para a Serra do Mar).

Em entrevista para a TV Trapiche, um camponês da região de Rio Sagrado, seu Antônio Fontura Nogueira, afirmou:

“Eles podem tentar amenizar, esconder de alguma forma, mas a gente que mora ali, a gente conhece e não é de ontem. Então o problema ali é grave, é mais grave do que a gente pensa. Que na verdade eles estão pensando neles, né, e não na população. Nós estamos pensando na população, pois a decadência vai vir, a desgraça vai vir e depois não tem conserto.”

Essa afirmação resume o eixo do movimento na região, que destaca os danos irreparáveis causados pelo projeto. As pessoas das regiões afetadas, além de não serem consultadas, são ignoradas pelos estudos de impacto e pelos gestores estaduais e federais. As cartas enviadas ao presidente da república não receberam resposta significativa, reforçando a sensação de desconsideração.

O movimento “Na Serra Não” enviou uma carta aberta ao governo, destacando que o projeto da Nova Ferroeste é baseado em uma “sustentabilidade falaciosa”, que prioriza os interesses de compradores estrangeiros de commodities e ruralistas, em detrimento do meio ambiente e dos trabalhadores. A carta aponta que o trecho final da ferrovia, entre São José dos Pinhais e Paranaguá, cortará a Serra do Mar, afetando o maior remanescente de vegetação nativa no Paraná. Essa região é habitada por populações tradicionais e áreas indígenas, que podem ser afetadas por deslizamentos, incêndios e contaminação de rios e solos em caso de acidentes.

Além disso, a carta destaca que a especulação imobiliária e a diminuição do turismo afetarão economicamente os moradores, além de reduzir a qualidade de vida devido à proximidade à rota ferroviária. Outros impactos incluem o aterramento de nascentes, supressão de vegetação e efeitos adversos à fauna e flora. Diante desses danos, o movimento “Na Serra Não” exige a interrupção imediata do projeto, considerando-o inadmissível em um dos biomas mais biodiversos e ameaçados do mundo.

Traçado da Nova Ferroeste. Fonte: novaferroeste.pr.gov.br

Um projeto de destruição ambiental

A Nova Ferroeste, além de seus impactos sociais, também traz sérios riscos ambientais. O projeto prevê a construção de trilhos que atravessarão a Serra do Mar, uma das regiões mais biodiversas do Brasil. Especialistas alertam que a ferrovia pode causar catástrofes ambientais, incluindo deslizamentos e erosão, devido ao alto risco de erosividade e instabilidade do solo na região.

De acordo com um estudo da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), a Nova Ferroeste produzirá 437 passivos ambientais, com 90,85% deles impactando o Paraná, especialmente nos municípios de Guarapuava, Irati e São José dos Pinhais. Os principais riscos incluem supressão de vegetação, perda de biodiversidade e impactos negativos na qualidade da água, que já é um problema significativo no Paraná devido à contaminação por agrotóxicos.

A bióloga Jaqueline Oliveira, em um painel durante a Jornada da Agroecologia em Curitiba, criticou a “propaganda mentirosa” do governo sobre a sustentabilidade do projeto. Ela destacou que os impactos ambientais para a Serra do Mar poderão ser enormes e que o projeto poderia ser mais viável economicamente se o trecho fosse desviado da serra, conforme reportado pelo site Plural. Essa crítica reflete a visão de muitos ambientalistas, que veem a Nova Ferroeste como um exemplo da exploração predatória do meio ambiente em favor dos interesses do capital.

O historiador Renato Mocellin também expressou preocupações sobre o alto custo humano e ambiental da obra, questionando se a destruição da Serra do Mar compensa economicamente. Ele afirmou que estamos na contramão da história em termos de preservação ambiental, conforme divulgado pelo mesmo veículo. Essa postura é típica do social-imperialismo chinês, que prioriza a expansão econômica sobre a preservação ambiental e social.

Além disso, a construção da ferrovia obrigará a realocação de 372 casas e afetará 2.655 estabelecimentos agropecuários, principalmente pequenos produtores locais. Os impactos incluem a possibilidade de acúmulo de lixo e matéria orgânica nos rios, aumento do assoreamento e riscos de alagamentos em caso de chuvas intensas. Esses efeitos serão de duração permanente, afetando o modo de vida das comunidades com ruídos, vibrações, exposição a gases e particulados, além do risco de acidentes.

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