O Uruguai está sob nova direção. O presidente Yamandú Orsi tomou posse com seu Ministério no último sábado (01/03) em uma festa da democracia uruguaia que completou ininterruptos 40 anos.
Milhares de uruguaios comemoraram o retorno ao poder da Frente Ampla, a coalização de esquerda e centro-esquerda que por 15 anos governou o país, com as estrelas da esquerda uruguaia Tabaré Vazquez e José Pepe Mujica.
Agora, o ciclo popular-progressista, interrompido pelo governo direitista de Luis Lacalle Pou (Partido Nacional), retoma o seu curso, porém em um contexto global diferente, de mudanças climáticas acentuadas, governos disruptivos e uma série de transformações que tornam a integração dos países da região necessariamente obrigatória.
“Queremos unir forças para contribuir para a estabilidade e a paz em um mundo cada vez mais complexo e em mudança”, afirmou o presidente Orsi em seu discurso de posse no Palácio Legislativo.
Aos pares da América Latina, Orsi destacou a responsabilidade de todos de “fazer com que a região continue sendo um continente de paz com maior estabilidade, equilíbrio social e estabilidade econômica. E que sejamos capazes de uma melhor integração”.
Compareceram à posse deste lado do continente, os presidentes Lula (Brasil), Gabriel Boric (Chile), Gustavo Petro (Colômbia), Luis Arce (Bolívia), Santiago Peña (Paraguai), Xiomara Castro (Honduras), José Raúl Mulino (Panamá), Bernardo Arévalo (Guatemala), Luis Abinader (República Dominicana), entre outros governantes.

Orsi também defendeu o avanço dos acordos do Mercosul, o fortalecimento da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC), a participação ativa do país na Organização dos Estados Americanos (OEA) e o aprofundamento da cooperação Sul-Sul.
Quem estará à frente desse esforço será o novo ministro de Relações Exteriores, o jornalista Mario Lubetkin, com mais de 40 anos de experiência em comunicação internacional e uma década de atuação na Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação, a FAO, onde foi nomeado, a partir de 2017, diretor regional da FAO para a América Latina e o Caribe.
Leia a entrevista na íntegra:
Ministro, o Uruguai completa 40 anos de democracia sem turbulências. Para nós, do Brasil, vindos de um golpe em 2016, de uma intentona golpista que poderia ter sido trágica em 2023, a forma como as pessoas vivem a democracia, a memória da ditadura, a defesa do estado laico parecem questões muito mais consolidadas aqui do que no Brasil.
É muito mais forte no Uruguai do que em toda a América Latina. Sábado foi impressionante. Todos os presidentes destacaram o significado desta festa da democracia, da liberdade, todos eles. São 40 anos após a queda da ditadura. Isso foi muito emblemático. Agora, isso é resultado de um cultivo permanente. Quando Orsi menciona em seu discurso todos os líderes políticos, quando agradece pela democracia a todos os presidentes que passaram, ele reforça e aprofunda o valor democrático de todos.

Mario Lubetkin assume a chancelaria uruguaia após posse de Yamandú Orsi
Em relação à política internacional do Uruguai, quais os principais desafios agora que a Frente Ampla resgata o poder? O que muda? O que continua?
O primeiro desafio é fazer com que a política externa seja parte da política interna. Pouco nos serve pensar apenas no mundo, sem garantir crescimento social e econômico, trabalho e um ambiente melhor para os uruguaios. Precisamos ter uma política exterior lincada com a política nacional, contribuindo com ela. Não é uma lógica comum. Geralmente, nós temos a política daqui e a política de lá, o que precisamos ter é sinergia. Todo o nosso trabalho fora será pensado para melhorar a vida dos uruguaios.
O segundo é a integração regional. Nós temos o Mercosul e, naturalmente, temos de defendê-lo apesar de todas as suas imperfeições. Temos que ser um Mercosul que não se destrua, porque isso é negativo para os quatro países do bloco [Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai]. Precisamos de um Mercosul que avance, onde os quatro estejam à vontade. É uma equação muito difícil, mas que precisa ser feita. Os quatro países precisam estar cômodos, cada um com a sua política, evitando a fratura do bloco e pensando em cenários possíveis para uma articulação de iniciativas.
Para o cenário da América Latina e do Caribe, a única estrutura que temos é a CELAC. Nós precisamos impulsionar a integração regional, mas para isso é preciso reforçá-la. E numa perspectiva mais ampla, o Uruguai precisa reforçar a relação Sul-Sul e triangular com os grandes países emergentes. Quando pensamos que somente a China, a Índia e a Indonésia representam mais da metade da população mundial… aí já está a resposta.
E as expectativas em relação aos BRICS? Ou em termos de acordos mais globais?
O governo de Luis Lacalle Pou fez todo um processo para o ingresso do Uruguai no banco dos BRICS e nós nos surpreendemos, porque não sabíamos disso. Eu espero realizar a etapa final deste processo que ainda precisa ser aprovado no Senado e na Câmara dos Deputados, depois de discutida a contribuição uruguaia para o Banco dos BRICS. Será um desafio interessante para os próximos dois ou três anos. O presidente Lula, inclusive, anunciou que convidará o presidente Orsi para a Cúpula dos BRICS, em julho.
Já em termos globais, o Uruguai vai apoiar o G20 nos acordos firmados na cúpula de novembro, no Rio de Janeiro. Em particular, aqueles em torno da aliança contra a fome e a pobreza, que nós temos o compromisso de apoiar. Este foi um dos acordos firmados por todos os líderes. A África do Sul é quem está presidindo o G20 agora.
Como o senhor avalia a partir de agora as relações entre Brasil e Uruguai?
É impossível para o Uruguai desenvolver uma política internacional sem uma relação estreita com o Brasil. Não imagino desenvolver uma política integrada do Uruguai sem pensar nas nossas fronteiras, no movimento comercial, no desenvolvimento ecológico. E vamos apoiar muito o Brasil na COP 30 em prol da Amazônia.
Não imagino não trabalharmos estreitamente com o Brasil no Mercosul ou na CELAC. Não imagino também não trabalharmos em relação aos BRICS, no qual o Brasil tem papel fundamental e está na presidência neste ano. Não imagino não trabalhar estreitamente com o Brasil na aliança contra a fome, para ficarmos apenas nas questões estratégicas. Nós vamos trabalhar juntamente e não tenho dúvidas de que a relação entre o presidente Lula e o presidente Orsi serão estreitíssimas.
De modo geral, a nossa expectativa é estabelecer uma relação extraordinária entre o Uruguai e todos os países do mundo. Nós vamos trabalhar com cada país com a sua especificidade, muito menos com o pensamento ideológico e mais sob a perspectiva de descobrirmos como cada uma dessas relações internacionais poderá contribuir para melhorarmos a capacidade e as condições de vida dos cidadãos uruguaios.
(*) Publicado originalmente em Fórum 21.
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