Haiti e República Dominicana dividem a ilha de Hispaniola. Boa parte da fronteira está separada por um muro, e barreiras policiais restringem a entrada de imigrantes haitianos no país vizinho. Há um ponto, porém, em que só uma linha no chão os separa, e a circulação é livre.
Trata-se da Codevi (Companhia de Desenvolvimento Industrial), uma zona franca especializada no setor têxtil que opera em Ouanaminthe, no Haiti, e em Dajabón, na República Dominicana.
A produção está concentrada no lado haitiano do complexo. Já o lado dominicano abriga a administração, além de um resort e um restaurante (onde se podem comprar charutos de mais de US$ 1.000 ou R$ 5.850, aproximadamente).
Antes de chegar à Codevi, o grupo acompanhado pela Folha foi impedido de entrar no Haiti. A equipe do projeto Realidades Latino-americanas, que reúne cerca de 20 pesquisadores brasileiros, estava em Dajabón e precisou de uma autorização especial para cruzar a fronteira.
O acesso se deu por uma ponte fortemente vigiada sobre o rio Massacre, principal via de pedestres na região. Ali, de 12 mil a 17 mil pessoas, a depender das estimativas, foram mortas em 1937 em uma política dominicana de branqueamento coordenada pelo ditador Rafael Trujillo (1891-1961).
Já na Codevi, o controle de passagem é feito pela administração da zona franca. A corporação emprega cerca de 17 mil pessoas, das quais quase 95% são haitianos que atuam como operários nas fábricas. A reportagem não obteve autorização para falar com os trabalhadores durante a visita.
O local é composto por 30 edifícios, cada um dos quais abriga até 12 empresas. Um representante da companhia a descreveu como uma mini cidade com um ecossistema próprio, contando com escola, hospital, mercado e banco. Janelas escuras impedem quem está do lado de fora de enxergar a parte interna.
A Codevi produz apenas para exportação, com um cliente único: os Estados Unidos. Produtos de marcas conhecidas, como Levi’s e Tommy Hilfiger, são confeccionados ali, assim como uniformes médicos e até fardas do Exército americano.
A zona franca é a maior empregadora da região norte do Haiti. Ela surgiu em 2003, por meio de uma parceria entre os governos haitiano e dominicano e organismos internacionais como a Usaid, agência de ajuda externa dos EUA atualmente desmantelada pelo governo de Donald Trump. Opera sob o Tratado Hope, um acordo comercial com o governo haitiano que permite aos americanos importar produtos do país caribenho sem pagar impostos.
Os EUA e a República Dominicana apresentam o tratado como uma iniciativa de ajuda ao Haiti devido aos empregos gerados e às políticas de assistência existentes na cidade que abriga o complexo. O mesmo governo dominicano, porém, tem deportado milhares de haitianos, muitos levados em caminhões-jaulas, em um endurecimento da política anti-imigração do presidente Luis Abinader, reeleito em 2024. De outubro a dezembro passado, 71 mil foram expulsos e devolvidos ao Haiti.
Embora ajude haitianos a manter seus empregos, o consumidor americano não é informado disso. Nas prateleiras, as roupas feitas na Codevi não têm sua origem identificada na etiqueta.
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