A introdução, pela primeira vez na História do sistema educativo em Cabo Verde, do ensino da língua caboverdiana no 10º ano de escolaridade, a partir do ano lectivo de 2023/2024, pode ser interpretada como um sinal assaz positivo, nos trilhos que se querem e se almejam seguros e firmes rumo à generalização do ensino da nossa língua materna em todos os níveis de escolaridade, do 1º ano ao 12º ano, bem como no ensino técnico-profissional. Relembre-se neste contexto que, no que se refere aos ensinos médio e universitário, a disciplina de língua caboverdiana tinha sido ministrada pelo linguista Manuel Veiga na Escola de Formação de Professores do Ensino Secundário da cidade da Praia, tendo o mesmo linguista, professor universitário e autor de inúmeras e aprofundadas obras de e sobre a língua caboverdiana (por isso mesmo, considerado, actualmente, a maior autoridade do nosso país em crioulistica caboverdiana de todos os tempos), introduzido e ministrado um Curso de Mestrado da e em Língua Caboverdiana na Universidade de Cabo Verde, no âmbito do qual foram levados a cabo, e pela primeira vez, pesquisas e estudos aprofundados sobre várias variantes do crioulo caboverdiano, como as das ilhas Brava, do Maio, da Boavista, do Sal e de Santo Antão.
linha de Sintra
Todavia, a adopção pelo Ministério da Educação de Cabo Verde, na sequência da introdução da língua caboverdiana, como disciplina opcional, no 10º ano de escolaridade, de um Manual de Língua e Cultura Caboverdiana, uma “criação intelectual” da linguista polaca Dominika Swolkień e das linguistas caboverdianas Eliane Semedo, Elvira Reis e Maria do Céu Baptista, com “revisão científica” de Amália de Melo Lopes e Ana Karina Moreira, e redigida num denominado crioulo caboverdiano interdialectal, em vez de alegria, entusiasmo e euforia, suscita várias, sérias e graves preocupações, quais sejam: esse denominado crioulo interdialectal é um crioulo completamente artificioso, pois que não existe, nem em forma falada por populações de nenhuma ilha (a não ser, quiçá, na desabitada ilha de Santa Luzia, se porventura as cagarras falassem), e de nenhuma diáspora caboverdiana, nem em forma escrita por qualquer escritor ou escriba caboverdiano, alupecador ou tradicionalista; introduz regras avessas ao ALUPEC, pois que consegue banir qualquer forma de acentuação (nisso, aliás, imitando a metodologia utilizada por Marciano Moreira, um conhecido e acérrimo defensor e promotor da oficialização plena da língua materna caboverdiana, bem como por alguns jovens escritores crioulógrafos, seus discípulos), recorrendo ao denominado contexto para adivinhar a pronúncia das palavras; contraria frontalmente o consenso arduamente conseguido na sociedade caboverdiana e segundo o qual os alunos devem aprender a língua materna caboverdiana na respectiva variante dialectal, pois que é desta forma que, na ainda persistente ausência/inexistência de um crioulo padrão oficial, a língua caboverdiana se actualiza como língua materna dos caboverdianos das diferentes ilhas e diásporas; é uma infeliz tentativa de imposição de um crioulo sumamente artificioso com recurso a regras gramaticais originárias predominantemente das variantes de barlavento da língua caboverdiana, precisamente naqueles pontos que foram considerados pelo grande filólogo caboverdiano Baltasar Lopes da Silva como as suas insuficiências intrínsecas, isto é, a sua incompletude vocálica, e que, na óptica do festejado filólogo caboverdiano, acima referenciado, as desqualificam para servirem de crioulo literário padrão, em razão primacialmente dos choques consonânticos que engendra, dificultando a sua escrita. Escrita que, contudo, vai sendo tentada com recurso ao ALUPEC, segundo as regras desenhadas e estabelecidas por Manuel Veiga, consensualidadas pelo Grupo de Padronização do Alfabeto Unificado do Caboverdiano e, depois, adoptadas a título experimental pelo Governo da República de Cabo Verde, sendo que actualmente o mesmo ALUPEC tornou-se o alfabeto oficial para a escrita da língua caboverdiana. Contudo, essa tentativa de escrita das variantes do barlavento da língua caboverdiana tem-se processado com grave e perturbante subversão da regra da biunivocidade que embasa esse alfabeto de base fonético-fonológica e que consiste no seguinte: a cada grafema deve corresponder um único fonema e a cada fonema deve corresponder um único grafema (ou de forma mais simples: a cada letra um som, da cada um som uma letra), salvo nos casos das palatais correspondentes aos sons “ch”, “dj”, “lh”, “nh” e “tch”, para os quais de deve utilizar respectivamente os dígrafos x, dj, nh, lh e tx, por passar a atribuir um duplo valor à letra “e” nas variantes de barlavento, quais sejam de “e” mudo e de “e” com várias acentuações e graus de abertura. Felizmente que a adopção desse tal Manual de Língua e Cultura Caboverdiana, por muitos qualificado como uma autêntica fraude E/ou aberração linguística, foi a título meramente experimental, podendo ainda o Ministério da Educação arrepiar caminho dessa malfazeja por demais perigosa encruzilhada, pois que a indignação entre os linguistas, os professores e os escritores (multilingues, bilingues e monolingues) em língua caboverdiana é deveras generalizada e tonitruante!
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