‘Vidas na rua’: série especial mostra problema que desafia governos no Brasil e no mundo | Vidas na rua
‘Vidas na rua’: série especial mostra questão presente em cidades de todo o mundo
Nesta semana, o Jornal Nacional vai dar atenção especial a um assunto muito importante, que afeta diretamente milhões de pessoas e, indiretamente, talvez todas as outras pessoas do mundo. Nós vamos falar de seres humanos que estão nas ruas o tempo todo e que, por estarem nesta situação, em situação de rua, quase não são mais vistos como seres humanos por muita gente.
Essas pessoas estão no caminho das outras, em cidades de todos os tamanhos. Mas são mais comuns nos maiores centros urbanos. Estão no chão, na calçada – quando existe calçada -, ao relento, quando não existe opção de abrigo.
Em uma série especial de reportagens, o Jornal Nacional vai investigar o que está sendo feito e o que precisa ser feito por esses homens, por essas mulheres em quatro metrópoles: as duas maiores do Brasil – São Paulo e Rio de Janeiro – e duas cidades muito mais ricas, em países muito mais ricos, que têm populações muito mais ricas. Na primeira reportagem da série, nós vamos ao Reino Unido.
Londres às vezes dá suas pancadas. É bonita e rica e isso e aquilo, mas dá suas pancadas. Pablo chegou sonhando alto: abrir uma empresa, trabalhar bem, mandar dinheiro para a mãe, ter uma vida legal.
“Quando se chega com uma mão na frente e outra atrás, como muitos de nós chegamos aqui na Europa, as coisas não são tão fáceis quanto parecem. Dormir na rua é dormir cheio de paranoia. Você só ouve história perigosa, que podem colocar fogo em você”, conta.
Faz cinco meses que ele dorme na porta de uma igreja. O país enfrenta uma realidade que, nos últimos anos, desnorteou a vida do equatoriano Pablo e de tanta gente: a crise do custo de vida, que se aprofundou com a pandemia e a guerra na Ucrânia. Inflação recorde. O valor dos aluguéis e das hipotecas disparou.
“O custo médio do aluguel hoje aqui em Londres é de cerca de 1.500 libras (R$ 10.523) por mês. Pode ser grande a luta para manter um telhado sobre a sua cabeça”, diz Greg Hurst, diretor do Centre for Homelessness Impact – ONG britânica que trabalha com pessoas em situação de rua.
Em 2023, uma ONG contou, em uma noite, quase 4 mil pessoas dormindo nas ruas da Inglaterra. Cada história, geralmente, um grande trauma. A Queili tem dois: violência doméstica e abuso sexual. As ONGs têm chamado atenção para o aumento do número de mulheres dormindo nas ruas de Londres. Por outro lado, ao contrário do Brasil, não se vê crianças nessa situação.
“Na Inglaterra, em comparação com outros países, temos um grau muito alto de proteção do Estado, por lei, para as pessoas que não têm casa. É um sistema caro, mas em geral muito humano”, afirma Greg Hurst.
Pablo tem percebido também mais gente com muita experiência profissional dormindo na rua. Ele mesmo é quiroprata, fotógrafo, desenha, já foi garçom, gerente de bar, de restaurante, morou nos Estados Unidos, na Holanda – sempre trabalhando.
No meio de toda a perturbação, ainda tem o frio. Quando é frio, frio de verdade, perto ou abaixo de zero, as autoridades acionam um protocolo de emergência e levam as pessoas em situação de rua para acomodações temporárias.
A estação de metrô de Warren Street é muito central. Faz dez anos que o Denis vai para a Inglaterra, passa uns cinco meses, trabalha e leva o dinheiro para a família. A família dele na Romênia. As crianças estudando. Ele usa o telefone do amigo para falar com a família – se conseguiu dinheiro, quando volta, quando não volta, vai voltar com quanto de dinheiro. E as crianças estão estudando agora: Flavius, Ricardo, Sofia, Alecio e Dávid.
Os cinco filhos, na cidade de Botosani, não sabem que o pai tem dormido na calçada. A Florentina também não sabe que o marido está dormindo na rua para poder ajudar mais a família. Nossa conversa com ele é interrompida por alguém falando alto. Um homem. Como se estivesse falando para ministros, ele diz:
“Essas pessoas aqui limpam suas privadas. Deem a elas o passaporte britânico. Tchau”.
À noite, os romenos vão para frente de um mercado dormir.
“Está com pena? Leva para casa“, falariam alguns. É o que Jennie Barham faz. A professora de piano abre o apartamento para jovens que não têm onde dormir.
“Eu deixo essa caixa para quem chega com o básico: pasta de dente, escova, sabonete, um pijama”, conta.
Ela já recebeu 30 jovens. Jane e o marido são voluntários de uma rede de pessoas que topam oferecer esse tipo de ajuda. Em 2023, a ONG arrumou acomodação temporária para 621 jovens vulneráveis. Caso do Charlie, expulso de casa pela mãe. O executivo Marc Nixon fala que ajudar tem sido muito mais tranquilo do que ele imaginava.
“Você lava mais roupa, muda o cardápio vez ou outra, se a pessoa tem alguma alergia. Tem que se comunicar bem, mas é isso. Basta ser um pouquinho mais organizado que no dia a dia. É fácil”, conta.
Para Jennie, o difícil é se despedir do jovem no dia seguinte. A vontade de ajudar mais, o coração apertado. A diretora Alexia Murphy explica que a ONG DEPAUL UK confere o histórico dos jovens na polícia para dar alguma segurança às famílias.
Mas como é que pode, afinal, um país desse, que produz US$ 3 trilhões por ano, não dar conta de tanta gente na rua?
O prédio é um “Council House” – o programa de habitação popular da Inglaterra. Uma diferença marcante é que esse tipo de moradia está em literalmente todos os bairros, inclusive nos ricos, como Notting Hill. O problema é que está faltando construir mais prédio desse. Tem muita gente na fila para um apartamento. Pessoas que não necessariamente estão dormindo na rua, mas que, sim, correm esse risco.
O vice-secretário sindical Russel Harland é irlandês. Era para ele e a família ficarem em um hotel no máximo dois meses, até o governo achar um apartamento adequado para eles. Já são oito meses dormindo em um quarto – ele, a mulher, Selma, e a filha de 13 anos – que não quis dar entrevista.
“Na escola, ela está fazendo amigas e amigos novos e todos moram em casas, todos têm um apartamento. Ela tem lidado com uma ansiedade social muito grande”, afirma Russel.
Russel e Selma têm mestrado, trabalham, mas também não conseguem mais pagar um lugar para viver. É a subprefeitura que banca boa parte da estadia no hotel. Hoje, 279,4 mil pessoas vivem em alojamentos temporários na Inglaterra.
A maior preocupação é mesmo com a filha – com a saúde física, já que sem fogão eles passaram a só comprar comida pronta – e com a saúde mental. A menina precisou deixar uma paixão imensa. O piano que ela tocava todos os dias está em um galpão, esperando a família arrumar um novo teto.
Sonhos guardados, sonhos coletivos de um direito básico: casa para todo mundo. Sonhos. Cuidar da mãe, ter a família por perto. E, até que a vida volte ao eixo, lidar com menos discriminação. Ser olhado de outra forma.
A reportagem de terça-feira (8) vai aos Estados Unidos, que tem mais de 500 mil pessoas em situação de rua.
Crédito: Link de origem
Comentários estão fechados.